RE - 36122 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MÁRCIO LUIS HOPPEN, candidato ao cargo de vereador em Carazinho, em face da sentença que desaprovou as suas contas, referentes às eleições municipais de 2016, em virtude da inobservância do art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.363/15, determinando a devolução do valor de R$ 3.000,00 ao doador originário.

Em suas razões, o recorrente requer a juntada de documentos e postula a aprovação das contas com ressalvas (fls. 56-64).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e pelo retorno dos autos à origem, a fim de que o magistrado a quo analise devidamente o disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15 e, consequentemente, determine o recolhimento ao Tesouro Nacional da totalidade do montante recebido de origem não identificada (R$ 3.454,00). Manifestou-se, ainda, pelo afastamento da preliminar suscitada pelo recorrente.

Em relação ao mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, bem como: (a) pela manutenção da sentença - que entendeu pela desaprovação das contas e pela determinação do recolhimento do montante de R$ 3.000,00, porém, ao Tesouro Nacional; (b) pela determinação, de ofício, do repasse ao Tesouro Nacional também do valor de R$ 454,00 (quatrocentos e cinquenta e quatro reais), oriundos de origem não identificada, nos termos do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, isto é, totalizando o montante de R$ 3.454,00 (três mil quatrocentos e cinquenta e quatro reais) – recursos de origem não identificada- a ser recolhido Tesouro Nacional (fls. 69-76).

Em atenção ao princípio da não surpresa e do contraditório substancial, foi determinada a intimação da parte recorrente para que se manifestasse a respeito do parecer ministerial (fl. 78).

Em sua resposta, o recorrente postula a rejeição da preliminar de nulidade da sentença e, no mérito, requer a reforma da decisão para que sejam as contas aprovadas com ressalvas, diante das módicas inconsistências apontadas. Alternativamente, pede que sejam os autos baixados à origem para que preste os esclarecimentos necessários e/ou faça a devolução dos valores aos doadores identificados para ao final ter suas contas aprovadas, com ou sem ressalvas (fl. 82-84).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita preliminar de nulidade da sentença.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, cabia ao magistrado determinar o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe o art. 18, §§ 1º e 3º, o art. 26 e o art. 56, todos da Resolução do TSE n. 23.463/15:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

[…]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

[…]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

Art. 56. No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada. (Grifei.)

No entanto, tenho que, em prestígio à disposição que permite o julgamento da chamada “causa madura”, é possível superar a nulidade arguida e suprir a omissão do juízo a quo em relação à determinação de recolhimento de valores acaso o exame do mérito do pedido assim recomende. Vejamos a previsão do Código de Processo Civil:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

[...]

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

[…]

A doutrina, em especial o estudo de Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, anota que a aplicação do dispositivo demanda questão exclusivamente de direito ou ação em condições de imediato julgamento, nestes termos:

O tribunal, em princípio, não deve avançar no exame das matérias não decididas ainda em primeiro grau, pois isso violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, essa ideia cede espaço à regra do § 3º do art. 1.013, pela qual em determinadas hipóteses em que o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal fica autorizado a decidir desde logo o mérito da demanda, sem restituir o processo para novo julgamento pela primeira instância.

Para tanto, é necessário que a causa esteja “madura” para julgamento, ou seja, que verse questão exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento.

Portanto, o tribunal não pode fazer uso da regra do § 3º do art. 1.013 se a causa exigir dilação probatória, sob pena de cerceamento de defesa. Contudo, quando já concluída a instrução probatória, poderá julgar desde logo o mérito.

[…]

No inciso II se inserem os casos de sentença extra petita, que é aquela que julga fora do pedido, ou seja, que concede ao autor pedido de natureza ou objeto diverso do que lhe foi demandado, bem como de sentença ultra petita, que é aquela que vai além do pedido, condenando o réu em quantidade superior da requerida pelo autor.

O inciso III diz respeito à sentença infra ou citra petita, que é aquela que não aprecia integralmente o pedido ou algum dos pedidos cumulados, sendo autorizado o tribunal a julgar desde logo o pedido sobre o qual a sentença se omitiu.

(Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. – Porto Alegre: OAB RS, 2015, p. 787-788.)

Considerando que, nestes autos, a instrução probatória foi perfectibilizada, que se trata de questão de direito e que a parte foi devidamente intimada para se manifestar sobre o ponto, rejeito a preliminar de nulidade veiculada pela Procuradoria Regional Eleitoral, tendo em vista a possibilidade de aplicação do art. 1.013, art. 3º, inc. III, do Código de Processo Civil.

2. Tempestividade

O recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

3. Dos documentos trazidos em sede recursal

Em relação à prefacial ministerial, registro que cabe a aceitação de documentos em sede recursal, mormente em se tratando de material probatório simples, podendo ser analisado pelo julgador sem maiores formalidades, consoante pacífica jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE CESSÃO OU LOCAÇÃO DE VEÍCULO. JUNTADA DE DOCUMENTOS. SANEAMENTO. COMPROVAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminares. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo, se transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar. Conhecimento dos documentos juntados pelo candidato no momento da apresentação do recurso. Dispensado o novo exame técnico.

[…]

(Recurso Eleitoral n. 42523, Acórdão de 06.09.17, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS N. 163 Pag. 6-7, Data 12.6.17.) (Grifei.)

Rejeito, portanto, a prefacial.

4. Do requerimento de retorno dos autos à origem

O candidato pleiteia o retorno dos autos à origem, a fim de que seja concedido novo prazo para saneamento das irregularidades, sob alegação de problemas com a intimação via Mural Eletrônico. Não merece guarida a preliminar.

O art. 84, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 disciplina que as intimações relativas aos processos de prestação de contas devem ser realizadas na pessoa do advogado, preferencialmente, por edital eletrônico, de modo que não vislumbro motivo razoável para determinar o retorno dos autos ao juízo a quo, portanto, desacolho a prefacial.

5. Mérito

Em relação ao mérito, as contas do candidato foram desaprovadas pelos seguintes motivos: (a) existência de incongruências entre os dados dos doadores que foram fornecidos pelo prestador, e aqueles constantes na Secretaria da Receita Federal do Brasil; (b) doações oriundas de outros prestadores sem, contudo, serem anotadas em suas respectivas prestações de contas; e (c) inobservância do art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.363/15, determinando a devolução do valor de R$ 3.000,00 ao doador originário.

Em relação às irregularidades previstas nos itens a e b, o montante maculado contabiliza R$ 454,00.

Contudo, em consulta ao site do TSE (http://divulgacandcontas.tse.jus.br), foi possível constatar a veracidade das informações trazidas na prestação de contas do recorrente. Verifica-se que a doação de R$ 255,00 - feita por AYLTON DE JESUS MARTINS DE MAGALHÃES (CNPJ n. 25.601.760/0001-85) -, a de R$ 114,00 - realizada pela Direção Estadual/Distrital do PMDB (CNPJ n. 87.582.714/0001-33) - e a de R$ 85,00 - advinda da Direção Municipal/Comissão Provisória do PMDB (CNPJ n. 87.447.330/0001-08) -, encontram-se devidamente registradas na contabilidade dos doadores, impondo-se afastar esta irregularidade Razão pela qual deve ser rejeitado o pleito ministerial de ver recolhida tal quantia ao Tesouro Nacional, pois devidamente identificados os doadores.

Todavia, não assiste melhor sorte ao recorrente no tocante à arrecadação de R$ 3.000,00, advinda de pessoa física, auferida de maneira diversa da transferência eletrônica, em infringência ao constante no art. 18, § 1º da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. (Grifei.)

Infere-se que a referida norma exige a realização de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação nas doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10.

E, na sequência, determina como resultado à inobservância da formalidade o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, exceto se o valor não for utilizado na campanha e precisamente identificado o doador, hipótese que o montante será a ele restituído.

Entretanto, como bem pontuado pelo nobre Parquet eleitoral, a quantia arrecadada em desacordo com a norma eleitoral foi integralmente utilizada na campanha, como se depreende tanto da análise dos extrato da conta bancária, quanto do interregno temporal existente entre as movimentações.

Ainda, considerando que o recorrente não apresentou prova material capaz de firmar a autoria da doação, inviável atender ao pleito de devolução da quantia ao pretenso doador, em detrimento do recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que não há elementos comprobatórios que evidenciem a origem dos recursos.

Dessa forma, não configurando prejuízo ao candidato a alteração do destino do recolhimento, deve o montante ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Por fim, em relação às sobras de campanha, o candidato juntou documento aos autos (fl. 64) que comprova a devolução da quantia de R$ 9,86 ao órgão partidário, esclarecendo, portanto, a falha apontada na sentença.

Diante do exposto, VOTO por afastar a matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou a prestação de contas de MÁRCIO LUIS HOPPEN, relativa às eleições municipais de 2016, devendo o recolhimento da quantia de R$ 3.000,00 ser destinado ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.