RE - 33077 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MÁRIO CESAR PORTINHO VIANNA e FELIPE BURTET PRADO LIMA, candidatos aos cargos de prefeito e de vice-prefeito, respectivamente, contra sentença do Juízo da 87ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista a permanência de diversas irregularidades, determinando o recolhimento de R$ 12.282,00 ao Tesouro Nacional, por infringência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/16.

Em suas razões recursais (fls. 82-90), sustentam que as doações realizadas acima de R$ 1.064,00 puderam ser perfeitamente identificadas pelo CPF, embora não tenham observado a transferência bancária. Aduz que o candidato Derli Pena retificou as suas contas. Argumentam que a omissão na prestação de notas fiscais não justifica a desaprovação das contas. Afirmam ter cancelado oficialmente a nota fiscal relativa à compra não efetivada. Sustentam que as irregularidades relativas a dívidas de campanha foram esclarecidas. Requerem a aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 125-131).

Aberto prazo para regularização da representação processual de Felipe Lima, a diligência foi atendida (fl. 138).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada em 26.01.2017 (fl. 78), quinta-feira, e o apelo foi interposto no dia 30 do mesmo mês (fl. 82), segunda-feira.

No mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão (a) do depósito de R$ 12.282,00 diretamente na conta de campanha eleitoral, em desconformidade com o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15; (b) da omissão de doação estimável em dinheiro para outros candidatos; (c) da ausência de informações, no sistema de prestação de contas, sobre notas ficais explicadas após notificação; (d) da ausência de prova do cancelamento de notas fiscais; e (e) da existência de dívidas de campanha não assumidas pelo partido.

Passo à análise individualizada das irregularidades que justificaram a desaprovação das contas.

(a) Depósitos acima de R$ 1.064,00:

É incontroverso, nos autos, que os candidatos receberam doações no valor total de R$ 12.282,00 por meio de depósitos em espécie acima de R$ 1.064,00 (R$ 3.650,00, R$ 3.632,00 e R$ 5.000,00), violando o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual exige que as doações financeiras desse importe sejam efetuadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do benefíciário da doação, verbis:

Art. 18. [...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

A exigência normativa de que as doações realizadas pelo próprio candidato – acima de R$ 1.064,10 – sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa, justamente, coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível para a perfeita identificação do doador.

A segurança a respeito da origem do valor, que pode ser obtida com a transferência eletrônica, não é substituída pela mera identificação do CPF do doador no momento do depósito dos valores, motivo pelo qual tal indicação não supre a irregularidade.

Outrossim, o defeito em tela envolve cifra que representa 44,66% do total de recursos arrecadados (R$ 27.498,08), não podendo ser considerada de baixa repercussão no controle da movimentação financeira do prestador.

Desse modo, sobressai que a mácula nas contas é grave, bem como ostenta aptidão para prejudicar, por si só, a confiabilidade das informações e para impedir a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da adequação contábil aos ditames legais insculpidos na Resolução TSE n. 23.463/15 e na Lei n. 9.504/97.

Correta também a determinação de recolhimento do valor indevidamente arrecadado ao Tesouro Nacional, pois é medida imposta pelo art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 18. […].

§ 3º. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

O valor arrecadado em desconformidade com a forma de captação descrita no art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 não apresenta elementos seguros acerca da efetiva identificação do doador, motivo pelo qual deve ser integralmente recolhido ao Tesouro Nacional, como se extrai do § 3º, acima transcrito.

Nesse sentido posicionou-se o Tribunal:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato. 

2. Omissão quanto à efetiva análise da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a necessária transferência eletrônica, exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento. Identificada, na decisão colegiada, a origem dos recursos pela simples análise dos comprovantes de depósito, os quais apenas descrevem a forma do valor depositado – dinheiro –, e o depositante do valor – o próprio candidato. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que doadores facilmente ocultem suas contribuições, bastando entregar valores em espécie ao candidato para que este, então,  encarregue-se de depositar na sua conta de campanha, como se seus fossem. Ademais, depreende-se, pela declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, que o candidato não possuía dinheiro em espécie, tampouco em conta corrente, pois apenas declarou a propriedade de dois automóveis.

3. Contradição existente quanto ao julgamento que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por se tratar de modalidade de doação de pessoa física, valores doados em espécie pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total de recursos arrecadados, e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização da contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, ED 203-27, Rel. Des. Jorge Luís Dall'Agnoll, julgao em 26.7.2017.)

Assim, a falha apresenta-se grave, de forma a justificar, por si só, a desaprovação das contas, devendo-se manter a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, por expressa determinação do art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.4653/15.

(b) Omissão de doação estimável em dinheiro para outros candidatos:

A sentença considerou haver omissão em relação à doação no valor de R$ 399,00 ao candidato Derli da Costa Pena, registrada na prestação de contas do beneficiário, mas não anotada nas presentes contas.

Os recorrentes informaram ter retificado as contas, apresentando os documentos com o recurso. Tais documentos dão conta de três doações distintas, no valor de R$ 98,46, R$ 86,64 e R$ 204,00 (fl. 107). Além de informar três doações em vez de uma, como consta nas contas do beneficiário, o montante total equivale a R$ 389,10, distinto do valor declarado por Derli.

Assim, embora tenha retificado as contas, as informações não suprem a irregularidade, pois apresentou dados divergentes.

(c) Ausência de informações sobre notas ficais:

O parecer técnico, mediante informações obtidas por meio de circularização, apontou notas fiscais emitidas por fornecedores em divergência com as informações prestadas no presente processo.

Os prestadores informaram que realizaram diversas aquisições, compiladas em um única nota fiscal, a qual restou divergente com as diversas notas emitidas pelo fornecedor.

Como registrou o parecer conclusivo, a divergência foi esclarecida. Embora não justifique, por si só, a desaprovação das contas, levaria à anotação de ressalva, pois “o registro correto é lançar a despesa e, concomitantemente, lançar seu pagamento. Uma a uma, sem redução de informações para garantir a transparência da campanha” (fl. 66).

Correto, portanto, o juízo de primeiro grau no ponto.

(d) Ausência de prova do cancelamento de notas fiscais:

Em procedimento de circularização, o analista contábil identificou nota fiscal alusiva a uma despesa de R$ 70,00, a qual não havia sido registrada nas contas nem cancelada, na forma do art. 54 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual determina que o cancelamento dos documentos fiscais deve ser realizado de acordo com a legislação tributária.

Os recorrentes juntaram documento pertinente no qual se lê que a nota foi devidamente cancelada em 12.12.2016 (fl. 117), tendo-se por superada essa irregularidade.

(e) Existência de dívidas de campanha não assumidas pelo partido:

A sentença considerou existir dívida de campanha no valor de R$ 54,75, sem provas da assunção de dívida pelo órgão partidário.

Os recorrentes esclarecem que não há dívida de campanha, pois a despesa de R$ 4.354,71, na verdade, foi quitada com um desconto de R$ 54,71 sem a emissão de uma nova nota fiscal. O argumento é plausível, considerando que o desconto foi anotado à mão, na própria nota fiscal (fl. 56), e o respectivo cheque emitido para o seu pagamento foi preenchido já com o desconto (fl. 10).

A irregularidade, portanto, resta esclarecida.

 

Diante de todo o exposto, deve ser mantida a conclusão da sentença, no sentido da desaprovação das contas e do recolhimento de R$ 12.282,00 ao Tesouro Nacional.

Ainda que os recorrentes tenham esclarecido as duas últimas irregularidades, a superação das falhas não afasta as conclusões do juízo de primeiro grau, pois as falhas remanescentes, notadamente os depósitos acima de R$ 1.064,00, justificam tal desaprovação.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.