RE - 39747 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DENILSON DOS SANTOS ZAMPERETI (fls. 40-42), candidato a vereador do Município de Capão da Canoa, contra sentença do Juízo da 150ª Zona Eleitoral (fls. 34-36) que desaprovou as contas relativas à campanha eleitoral de 2016 e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada oriunda do próprio candidato, na condição de permissionário público.

Em sua irresignação, o recorrente aduziu que é permissionário em município diverso do qual concorreu, e defendeu a licitude da utilização de recursos próprios na campanha eleitoral. Requereu a reforma da sentença, para que as contas sejam aprovadas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 49-53).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 38-40) e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Mérito

No mérito, o candidato ao cargo de vereador DENILSON DOS SANTOS ZAMPERETI apresentou contas relativas ao pleito de 2016 no Município de Capão da Canoa, perante a 150ª Zona Eleitoral.

Ao acolher o parecer técnico conclusivo da fl. 31 e v., o juiz sentenciante reprovou as contas em decorrência do ingresso de R$ 1.000,00 na campanha eleitoral provenientes do próprio candidato, reconhecendo a fonte vedada prevista no inc. III do art. 25 da Resolução TSE n. 23.463/15 (art. 24, inc. III, da Lei n. 9.504/97), verbis:

Art. 25 É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

II - origem estrangeira;

III - pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão pública.

§ 1º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

§ 2º O comprovante de devolução pode ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas.

§ 3º A transferência de recurso recebido de fonte vedada para outro órgão partidário ou candidato não isenta o donatário da obrigação prevista no § 1º.

§ 4º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.

§ 5º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de fonte vedada não impedem, se for o caso, a reprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei n. 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990 e do art. 14, § 10, da Constituição da República.

(Grifei.)

O recorrente, a seu turno, trouxe divergência quanto à valoração da natureza jurídica do ato, asseverando ser permissionário da prefeitura de município diverso daquele no qual lançou candidatura (em Xangri-Lá) e que, “embora a Zona Eleitoral de Xangri-Lá e Capão da Canoa seja a mesma, ou seja, Zona 150, os municípios não possuem qualquer ligação política, motivo pelo qual não há que se falar em facilitação/vantagem política”. Agregou, nesse mesmo sentido, que é facultado aos candidatos realizar doação para si, por intermédio da utilização de recursos próprios.

Diante do cenário posto, tenho que a sentença deve ser modificada.

Primeiramente, importante assentar que a norma proibitiva em referência não comporta limitação geográfica, nos termos da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. ARRECADAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS DE FONTE VEDADA. ART. 24, III, DA LEI N. 9.504/97. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DO MESMO DIPLOMA LEGAL. ENQUADRAMENTO PELA JUSTIÇA ELEITORAL DO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO EXPLORADO PELA DOADORA. POSSIBILIDADE. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. CONCESSÃO/PERMISSÃO. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA PARA INCIDÊNCIA DA VEDAÇÃO. INEXISTÊNCIA. VALOR DOADO. RELEVÂNCIA JURÍDICA PARA COMPROMETER A MORALIDADE DA ELEIÇÃO. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. MANUTENÇÃO. SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AFASTAMENTO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. O enquadramento jurídico do regime em relação ao qual o serviço público delegado é prestado - se autorização, concessão ou permissão - pode ser feito pela Justiça Eleitoral, especialmente quando ausente prova nos autos que demonstre, com clareza, a modalidade adotada no caso concreto.

2. A vedação contida no art. 24, III, da Lei n. 9.504/97 não comporta limitação geográfica, de modo que a empresa concessionária/permissionária de serviço público está proibida de doar ainda que a sua atuação se dê em município diverso daquele no qual o candidato (donatário) disputa as eleições.

3. A doação de valor que representa 36% (trinta e seis por cento) de todo o valor arrecadado para a campanha revela gravidade que compromete a moralidade do pleito.

4. A procedência da representação do art. 30-A da Lei das Eleições não autoriza a imposição da sanção de inelegibilidade, por ausência de previsão legal.

5. Recurso especial provido, em parte, apenas para excluir a pena de inelegibilidade. Cassação mantida.

(TSE – REspe n. 35635 – Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio – J. 16.6.2014.)

Nesses termos, já adentrando na questão de fundo, relembro inicialmente que o objetivo da prestação de contas é assegurar a lisura e a probidade na campanha eleitoral, por intermédio do controle de recursos financeiros nela aplicados, com vistas a viabilizar a verificação de abusos e ilegalidades ocorridos durante o certame.

A prestação de contas, com efeito, deve ser apresentada para que a Justiça Eleitoral possa analisar a devida regularidade, a qual compreende o recebimento de recursos para o financiamento das campanhas, em garantia, outrossim, da estabilidade do processo democrático.

 A seu turno, a Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, em seu art. 2º, define que, para os fins do disposto naquela Lei, considera-se:

I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

[...]

IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

(Grifei.)

Pois bem.

Aqui, o peculiar é que o permissionário doador é o próprio candidato, levando-nos a buscar o objetivo da norma ao vedar a doação eleitoral por permissionários do serviço público, para concluir se o caso enquadra-se na regra geral da proibição.

Doações de pessoas jurídicas, em geral, estão proibidas. Não restam mais dúvidas quanto a isso. O caso aqui tratado refere-se a um permissionário pessoa física, que é o próprio candidato, o qual fez doação com recursos próprios.

Nesse sentido, o parecer técnico conclusivo (fl. 22) é inequívoco ao assentar que o candidato DENILSON DOS SANTOS ZAMPERETI, sob CPF 460.640.520-15, realizou doação, para si mesmo, do montante de R$ 1.000,00 (um mil reais), na qualidade de “permissionário” e por intermédio do Recibo n. 153331389150RS000002E – consignando o tipo da permissão como proveniente de “QUIOSQUE EM ÁREA PÚBLICA – PCA – 009”.

Por outro lado, é igualmente incontroverso que o ora recorrente declarou o recebimento desta quantia, em sua prestação de contas, como oriunda de “recursos próprios” (extrato consolidado à fl. 5).

Logo, não restam dúvidas quanto à origem dos recursos.

A questão é avaliar se, quando o permissionário doador é o próprio candidato beneficiado, a regra proibitiva prevalece. Para tanto, é fundamental perscrutar o sentido da vedação.

Antes mesmo da proibição da doação de recursos provenientes de pessoas jurídicas, havia restrições às doações de pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado que tivessem parcerias, concessões, contratos, convênios e afins com o Poder Público. A intenção era evitar o envolvimento de recursos públicos, diretos ou indiretos, em campanhas eleitorais, bem como possíveis favorecimentos por conta da situação.

Ocorre que a resolução do TSE ora em exame não vedou expressamente a doação de permissionário quando este é o próprio candidato, não fazendo qualquer observação a esse respeito.

Tecendo um paralelo com candidatos que exercem cargos públicos e que, portanto, recebem diretamente recursos públicos, temos que nem todas as situações exigem desincompatibilização como requisito para o registro de candidatura. É o caso da decisão abaixo transcrita:

RECURSO ELEITORAL - REGISTRO DE CANDIDATURA - RRC - CANDIDATO - CARGO - VEREADOR - ELEIÇÕES 2012 -FALTA DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - SERVIÇO PÚBLICO DE TÁXI - PERMISSIONÁRIO - DESNECESSIDADE - SENTENÇA MANTIDA -RECURSO DESPROVIDO.

[...]

ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por maioria, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

(Acórdão TRE-MT n. 21.928 em Rec. Eleitoral Reg. de Candidatura 90-95.2012.6.11.0026, de 03.09.2012, Rel. Designado Samuel Franco Dalia Junior.)

Esse precedente parece ser um bom parâmetro, visto que consiste em uma das situações mais comuns de permissão nos municípios brasileiros. Realmente, não é razoável exigir que permissionários pessoas físicas tenham que se desincompatibilizar em todas as situações para se candidatar a algum cargo eletivo. Muitas vezes, essa é a única fonte de renda do pretenso candidato, e exigir tal providência poderia implicar verdadeira vedação de candidatura por pessoas assim classificadas, uma vez que o afastamento comprometeria o sustento próprio e da própria família.

Não me parece ter sido esse o objetivo da norma que vedou doações de permissionários.

Mesmo porque, se seguirmos na leitura dos parágrafos do art. 25 da Resolução em tela, encontraremos, no seu primeiro parágrafo, redação sugerindo que doador e beneficiário candidato seriam pessoas diferentes, pois determina literalmente que “o recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador...”.

Dessa forma, entendo que a regra proibitiva do art. 25, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15 deve ser interpretada restritivamente, de modo a não configurar, mesmo indiretamente, restrição ou penalidade não prevista expressamente em Lei.

A matéria já foi enfrentada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em julgado cujo aresto abaixo transcrevo:

EMENTA - ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO - VEREADOR - IDENTIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA ANÁLISE TÉCNICA - DOAÇÃO DE PERMISSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO - IRREGULARIDADE NÃO CONFIGURADA - DISTINÇÃO ENTRE "DOAÇÕES" E "UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS" - PROVIDO.

1. É permitido ao candidato a utilização de recursos próprios em sua campanha eleitoral, que constitui forma autônoma de arrecadação, não se confundindo com doação para campanhas eleitorais. Inteligência dos arts. 20 e 23 da Lei nº 9.504/97.

2. Consulta n. 4454, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 201, Data 19/10/2016, Página 26/27.

3. Recurso conhecido e provido para aprovar as contas apresentadas pelo candidato.

(TRE-PR – RE n. 256-67.2016.616.0182 – Rel. JOSAFÁ ANTONIO LEMES – DJ de 8.06.2017) (grifei)

Por percuciente, colho o seguinte excerto desse julgado, aderindo-o ao voto:

A análise dos documentos acostados aos autos demonstrou que o candidato não recebeu uma doação de pessoa física permissionária do serviço público, mas sim que utilizou recursos próprios em sua campanha eleitoral de 2016. Tanto é assim que declarou o valor de R$ 4.062,20 (quatro mil, sessenta e dois reais e vinte centavos) em sua prestação de contas (fl. 13) como “recursos próprios” e não como “doação”.

A lei nº 9.504/97 faz tal distinção, deixando claro haver diferenças entre as “doações” e as “utilizações de recursos próprios” na campanha eleitoral, senão vejamos:

Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei. (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015).

[…]

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pelo art. 3º da Lei n. 12.034, de 2009)

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015).

§ 1º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido nesta Lei para o cargo ao qual concorre. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015).

Como se vê, a lei é clara ao dispor que o candidato poderá usar recursos repassados pelo partido, recursos próprios ou doações de pessoas físicas. A par disso, estabelece limites distintos para as doações e para a utilização de recursos próprios.

Por sua vez, a Resolução TSE nº 23.463/2015 também trata de forma diferenciada as doações de pessoas físicas e a utilização de recursos próprios na campanha eleitoral, merecendo referências as seguintes disposições, in verbis:

Art. 14. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I - recursos próprios dos candidatos;

II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;

[...]

Art. 21

As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição. (Lei n. 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido na forma do art. 4º para o cargo ao qual concorre. (Lei n. 9.504/1997, art. 23, § 1º).

Nesta linha, leciona Rodrigo López ZILIO:

“[…]

O uso de recursos próprios significa a permissão de que o próprio candidato faça o aporte de recursos para sua campanha eleitoral.

Trata-se de uma forma autônoma de arrecadação, que não se confunde para campanhas eleitorais. O legislador estabelece uma espécie de autonomia de identidade entre o candidato e sua pessoa física, embora ambos sejam a mesma pessoa”.

Cito julgado do Tribunal Superior Eleitoral que trata do tema, in verbis:

CONSULTA. DOAÇÃO ELEITORAL. LIMITE. CUSTEIO DA CAMPANHA COM RECURSOS PRÓPRIOS.

[...]

3ª. Pergunta: A realização de gastos pessoais com a própria campanha, de que trata o § 1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504, de 1997 (Lei Eleitoral), impede a pessoa física do candidato, nessa situação, de promover doações a outras candidaturas, nos termos do que dispõe o § 1º do art. 23 da Lei Eleitoral?

Resposta: Não. O candidato, além de poder utilizar recursos próprios para financiar a sua campanha até o respectivo limite máximo de gastos, pode realizar doação para financiar outras campanhas eleitorais, observando-se, em relação a essas doações, o limite de 10% do rendimento bruto auferido pelo doador no ano anterior ao da eleição.

Consulta conhecida em parte e respondida, nos termos do voto do relator.

(Consulta n. 4454, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data 19.10.2016, Página 26-27.)

Destarte, diante de todo o exposto, mister o provimento do recurso eleitoral interposto.

(Grifei.)

Consoante se infere, em casos tais, pode-se mesmo sublinhar que, observados os parâmetros legais, ao candidato é permitida a utilização de recursos próprios na campanha eleitoral; situação diversa, a rigor, in casu, de doação eleitoral propriamente dita.

Portanto, por não identificar irregularidade a comprometer a confiabilidade das contas, tenho que inexiste fundamento legal para sua desaprovação, impondo-se a reforma da sentença.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto por DENILSON DOS SANTOS ZAMPERETI, para aprovar as contas relativas ao cargo de vereador do pleito de 2016, no Município de Capão da Canoa.