INQ - 4385 - Sessão: 11/04/2019 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Polícia Federal de Santa Cruz do Sul, por requisição do Juízo da 53ª Zona Eleitoral, para apurar a possível prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral durante a campanha das eleições de 2016 por LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MEYERHOFER.

A Juíza Eleitoral, acolhendo a promoção da representante ministerial da origem, declinou da competência para esta Corte, a qual, após manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 30-31), reconheceu a sua competência para o processamento do presente inquérito, com fundamento no art. 29, inc. X, da Constituição Federal, pois o investigado LUIZ AFFONSO TREVISAN é prefeito do Município de Sobradinho (fl. 33).

As investigações prosseguiram perante a Delegacia de Polícia Federal de Santa Cruz do Sul, tendo a autoridade policial remetido os autos a esta instância com pedido de prorrogação do prazo para concluir as investigações.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se no seguinte sentido: a) pela juntada de documentos anexados ao expediente; b) pelo arquivamento parcial do inquérito em relação às supostas trocas de bens e/ou serviços públicos municipais e influência sobre o Conselho Tutelar por voto; c) pelo declínio parcial do inquérito policial ao Juízo da 53ª Zona Eleitoral para apuração dos fatos envolvendo a suposta troca de ranchos por votos, tendo em vista a recente interpretação restritiva conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao instituto do foro por prerrogativa de função (art. 102, inc. I, al. “b”, da Constituição Federal) e, d) pelo apensamento/juntada do expediente n. 515-23.2016.6.21.0053 ao presente inquérito (fls. 166-189v.).

É o relatório.

VOTO

Primeiramente, anoto que as providências requeridas pela Procuradoria Regional Eleitoral – juntada de documentos e apensamento do expediente n. 515-23 – já foram acolhidas por esta relatora e executadas pela Secretaria Judiciária (fls. 192-310 e 314-315).

O presente inquérito foi instaurado para averiguar a possível prática do delito de corrupção eleitoral, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, durante a campanha de 2016, por LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MEYERHOFER – então prefeito e secretário de finanças e planejamento de Sobradinho, respectivamente, e candidatos aos cargos de prefeito (reeleição) e vice-prefeito – consistente na promessa e distribuição de ranchos, brita, financiamentos habitacionais, construções, reformas de residência a eleitores e, ainda, influência junto ao Conselho Tutelar para obtenção de guarda em favor de eleitora, tudo em troca de votos.

Em 11 de julho de 2017, foi proferido despacho pelo então relator, Desembargador Jorge Luís Dall’Agnol, reconhecendo a competência desta Corte para julgamento e processamento do feito com base no art. 29, inc. X, da Constituição Federal, pelo fato de o investigado LUIZ AFFONSO TREVISAN ter sido reeleito prefeito de Sobradinho (fl. 33).

As investigações prosseguiram e, em 16.11.2018, os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral com solicitação de prazo para conclusão das investigações (fl. 160).

Com vista dos autos, a d. Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer no qual entende que, em relação à suposta troca de votos por bens e/ou serviços públicos municipais, restariam preenchidos os requisitos relativos ao foro por prerrogativa de função, uma vez que os ilícitos teriam sido praticados durante o exercício do cargo de prefeito e em razão dele (fls. 166-189v.).

Assim, adotando a manifestação da PRE como razões de decidir, entendo por confirmar a competência desta Corte para o processamento do presente inquérito, com base no que restou decidido pelo STF nos autos da Ação Penal n. 937, na qual ficou clara a necessidade da análise de dois critérios para a definição da aplicação do foro por prerrogativa de função: o cometimento de crime durante a investidura em cargo público e a relação entre as funções exercidas no cargo e a ação criminosa.

Embora o precedente da Corte Suprema tenha sido proferido em contexto atinente ao cargo de deputado federal, o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do INQ n. 4703/DF, de relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em 12.6.2018, afirmou que o entendimento também é válido relativamente a Ministros de Estado.

Desde então, vários tribunais do país, tomando o acórdão como orientação, passaram a aplicar a mesma linha interpretativa para outras hipóteses de foro privilegiado.

Foi o que decidiu, por exemplo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, seguindo a linha de raciocínio adotada pela Suprema Corte, limitou a amplitude do art. 105, inc. I, al. “a”, da Constituição Federal e estabeleceu que a restrição do foro deve alcançar governadores e conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais (AP n. 857/DF, STJ, Corte Especial, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20.6.2018.).

Este Regional, da mesma maneira, aderiu ao posicionamento da Corte Excelsa, como demonstram as ementas abaixo reproduzidas:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

(TRE/RS – Inq n. 333 - Rel. Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira – J. Sessão de 25.9.2018.) (Grifei.)

INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO, USO DE BEM E/OU SERVIÇO PÚBLICO E FALSIDADE IDEOLÓGICA, TODOS COM FINALIDADE ELEITORAL. ARTS. 299, 346 C/C 377 E 350, TODOS DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO ELEITO. PRERROGATIVA DE FORO. NOVA INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

O Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação para restringir a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas. Suposta prática delitiva quando o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de Prefeito, sem qualquer relação com o exercício do mandato. Por esse motivo, não subsiste a competência criminal originária, por prerrogativa de foro, perante o Tribunal Regional Eleitoral. Acolhimento da promoção ministerial.

Declínio da competência.

(TRE/RS – Inq n. 4753 - Rel. Des. Eleitoral Luciano André Losekann – J. Sessão de 08.11.2018.) (Grifei.)

No caso sob exame, o fornecimento de bens e serviços públicos teriam sido praticados por LUIZ AFFONSO TREVISAN durante o exercício do cargo de prefeito e em razão dele.

Portanto, com base nos critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal, impõe-se confirmar a competência originária deste Tribunal para processamento e julgamento do feito em relação aos seguintes ilícitos: financiamento habitacional, distribuição de brita, realização de obras e prestação de serviços, locação de serviço de escavadeira hidráulica, tudo em favor de eleitores e em troca dos respectivos votos e, ainda, influência sobre o Conselho Tutelar para obtenção, por eleitora, de guarda de filho, igualmente em troca do voto.

Confirmada a competência, entendo por acolher, também, o pedido de arquivamento do feito em relação a tais fatos.

Resumidamente, a PRE, após minucioso exame dos autos, entendeu que, de acordo com o conjunto probatório coletado na Ação de Investigação Judicial n. 507-46.2016.6.21.0053 e no presente inquérito policial, inexiste motivo para que seja promovida investigação criminal em relação aos delitos que, segundo a interpretação restritiva do foro por prerrogativa de função, se inserem na competência originária deste Tribunal.

Para evitar tautologia, transcrevo trechos da manifestação da PRE em relação a cada um dos fatos:

Uso do Fundo habitacional Popular (fls. 170 v.-72):

Ao analisar o recurso eleitoral interposto contra a sentença que julgou improcedente a AIJE, esta PRE-RS, na qualidade de custos legis, examinando a referida prova, concordou com a análise do conjunto probatório feita pelo magistrado de primeira instância, inclusive adotando-o como fundamento do parecer (cuja cópia segue em anexo).

(...)

O TRE-RS manteve a sentença de improcedência da AIJE no ponto (conforme acórdão em anexo).

Tem-se, assim, que examinando a prova produzida na seara eleitoral cível, o MPE na origem, o juízo de primeira instância, esta PRE-RS e o TRE-RS concluíram não estar caracterizada a utilização do programa habitacional municipal para fins eleitorais.

Inexiste, assim, motivo para que seja promovida investigação criminal a respeito dessa notícia de fato.

Doação de brita a eleitores em troca de votos (fl. 176):

No presente inquérito policial, das trinta pessoas ouvidas em sede policial, nenhuma ouviu falar da distribuição de brita em troca de votos. Além disso, a proprietária da única residência fotografada pela polícia com brita em seu terreno, Claire Teresinha Bento Pereira, afirmou ter se mudado do interior para a cidade de Sobradinho em meados de 2016 e que o referido material constituía sobra da sua construção (visivelmente nova) (fls. 119 e 126-CD).

Nesse contexto, seja em razão da prova produzida na AIJE, seja em razão da prova coletada no presente inquérito policial, inexiste razão para a continuidade da investigação no ponto. Importante salientar que o fato de ter sido reconhecida, por decisão judicial transitada em julgado, a prática de conduta vedada pelos ora investigados em razão da distribuição de brita de propriedade da Prefeitura durante o período eleitoral de 2016, não importa em incongruência da presente conclusão acerca do arquivamento da investigação criminal.

(Grifos no original)

Realização de obras e prestação de serviços a eleitores durante o período eleitoral (fls. 179-180v.)

Ao examinar a prova em razão de recurso eleitoral, esta PRE-RS, na qualidade de custos legis, manifestou-se pelo reconhecimento da prática de conduta vedada por MANINHO unicamente em relação ao bueiro na propriedade de Olair Ruoso.

O TRE-RS, na esteira do parecer ministerial, reformou parcialmente a sentença, concluindo ter o então Prefeito Municipal realizado obra de bueiro na propriedade de um eleitor específico, no período eleitoral, sem existência de programa social prévio regulamentado em lei, o que configura conduta vedada pela legislação (...).

(...)

Aqui cabe a mesma ponderação feita em relação à doação de brita a eleitores específicos, ou seja que o art. 73, § 10 da LE não condiciona o ilícito à finalidade eleitoral do serviço ou distribuição dos bens, pouco importando se o benefício é condicionado ao voto do eleitor ou mesmo se é acompanhado de propaganda eleitoral. Isso porque para ser irregular, basta que ocorra a entrega de bens pela Administração no ano eleitoral sem a existência de lei instituindo o programa e sem execução orçamentária anterior.

A observação é pertinente ao presente inquérito policial porque o eleitor beneficiado, Olair Ruoso, no testemunho prestado perante o Juízo Eleitoral, foi categórico quando “Disse que ninguém pediu votos em troca da construção de tal bueiro e que não teve influência no voto do declarante”. E ainda acrescentou: “A relação que tem com o representado continua a mesma coisa de antes da obra ser realizada”.

Nesse contexto, inexiste motivo para que seja promovida investigação criminal a respeito dessa notícia de fato. 

(Grifos no original.)

Locação de serviço de escavadeira hidráulica a eleitores em troca dos seus votos (fl. 182 e v.):

Ao analisar o recurso eleitoral interposto contra a sentença que julgou improcedente a AIJE, esta PRE-RS, na qualidade de custos legis, examinando a referida prova, concordou com a análise do conjunto probatório feita pelo magistrado de primeira instância, inclusive adotando-o como fundamento do parecer. O TRERS, por sua vez, manteve a sentença de improcedência da AIJE no ponto.

Tem-se, assim, que examinando a prova produzida na seara eleitoral cível, o MPE na origem, o juízo de primeira instância, esta PRE-RS e o TRE-RS concluíram não estar caracterizada a utilização da locação do serviço de escavadeira hidráulica para fins eleitorais.

Inexiste, assim, motivo para que seja promovida investigação criminal a respeito dessa notícia de fato.

Igualmente, acolho o pedido da Procuradoria de arquivamento do feito em relação ao suposto tráfico de influência junto ao Conselho Tutelar em troca de voto de eleitora (fl. 185 e v.):

(…)

Nesse contexto, os indícios de eventual cooptação da eleitora por meio do oferecimento de influência sobre o Conselho Tutelar para o fim de que pudesse retomar a guarda de sua filha, resumem-se à: (i) áudio em que Marieli comenta o fato com integrantes da coligação contrária; e (ii) ata de atendimento no Conselho Tutelar, durante o qual Marieli comentou que MANINHO iria lhe ajudar a recuperar a guarda de sua filha.

Considerando que ambos elementos de informação constituem manifestações unilaterais de Marieli sobre o assunto, expressas a pessoas diversas em ocasiões diversas, bem como que ouvida em sede policial, ela negou qualquer conhecimento sobre o assunto, inexiste justificativa para que seja dada continuidade à investigação criminal do fato.

Requer-se, assim, o arquivamento da investigação no ponto em que versa sobre a suposta troca de influência sobre o Conselho Tutelar por voto.

Em relação às supostas promessas e/ou distribuição de ranchos, diz a PRE que, a partir das provas produzidas nos autos da RP n. 553.35.2016.6.21.0053, fica clara a inexistência de relação de tais fatos com o mandato de Prefeito Municipal, circunstância que afasta a atribuição desta PRE-RS para a formação da opinio delicti.

Com efeito, pelo que sobressai da prova produzida nos presentes autos, a suposta promessa e/ou distribuição de ranchos a eleitores em troca de voto não teria ocorrido em razão do cargo de prefeito, ocupado por LUIZ AFFONSO TREVISAN, uma vez que não se trata de bens públicos, mas de vales de mercados locais, como o Mercado Padilha (fls. 49, 50, 68, 94, 126-CD), Mercado Bom Vizinho (fls. 52, 54) e Mercado Treviso (fls. 62, 66, 94, 126).

Tais vales, no dizer da PRE, não teriam sido oferecidos no contexto da Prefeitura Municipal ou por servidores públicos municipais em razão das suas funções, mas, meramente, pelos candidatos e/ou pessoas a eles relacionadas nas respectivas vizinhanças dos eleitores.

Trata-se, em tese, do ilícito recorrentemente discutido nesta Corte: a oferta e/ou entrega de vales combustíveis ou ranchos a eleitores, adquiridos por candidatos ou seus cabos eleitorais, em troca dos respectivos votos.

Assim, na hipótese de ter sido praticado o ilícito do art. 299 do Código Eleitoral, por LUIZ AFFONSO TREVISAN, ainda que durante o exercício do cargo de prefeito, não teria sido em razão do cargo, pois não envolve ato administrativo em qualquer das suas modalidades.

Dessa sorte, com base nas definições apontadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria e na esteira do entendimento adotado por este Tribunal, conforme fundamentação anterior, impõe-se determinar a baixa dos autos ao Juízo da 53ª Zona Eleitoral de Sobradinho para adoção das medidas cabíveis no que se refere, especificamente, ao suposto delito de promessa ou entrega de ranchos em troca de votos.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da promoção ministerial para o fim de:

a) confirmar a competência desta Corte para o processamento do presente inquérito em relação aos delitos relacionados a financiamento habitacional, distribuição de brita, realização de obras e prestação de serviços, locação de serviço de escavadeira hidráulica e influência sobre o Conselho Tutelar;

b) determinar o arquivamento do feito em relação aos fatos relacionados na alínea anterior;

c) declinar da competência para o Juízo da 53ª zona eleitoral em relação à suposta promessa e/ou distribuição de ranchos em troca de votos, remetendo-se os autos àquele juízo.