E.Dcl. - 59086 - Sessão: 16/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão das fls. 64-67 que, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do candidato para afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, bem como manteve a desaprovação das contas.

Em suas razões (fls. 73-79v.), o embargante sustenta haver omissão e contradição na decisão embargada. Inicialmente, argumenta que não houve análise quanto à efetiva utilização dos recursos irregularmente arrecadados e, também, da incidência do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. A contradição, segundo o embargante, decorre da desaprovação das contas e do simultâneo afastamento da determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. Requer o conhecimento e provimento dos declaratórios, com a concessão de efeitos infringentes para o fim de determinar o recolhimento da quantia irregularmente arrecadada.

Foi proferido despacho (fl. 81) abrindo prazo ao prestador de contas, para que se manifestasse, em três dias, acerca da possibilidade de atribuição de efeitos infringentes ao recurso, o qual correu in albis, conforme certidão constante à fl. 85 dos autos.

Vieram conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade dos embargos

Cabe afirmar a tempestividade dos embargos de declaração. Os autos foram recebidos na Procuradoria Regional Eleitoral em 04.7.2017 (fl. 70), e os embargos foram protocolados no dia 06.7.2017 (fl. 73), dentro do prazo de 3 (três) dias, previsto no § 1º do art. 275 do Código Eleitoral.

Mérito

Sr. Presidente, trata-se, nuclearmente, da questão de transferência de valores ao Tesouro Nacional, decorrente de constatação de recursos de origem não identificada na movimentação financeira do candidato VALDONEI DA LUZ RODRIGUES.

A sentença, na origem, desaprovou as contas e determinou a transferência, ao Tesouro Nacional, do valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Nesta instância recursal, o TRE-RS manteve a desaprovação, mas afastou a ordem de recolhimento, fundamentalmente porque entendeu plausíveis as teses esposadas no recurso de VALDONEI, quais sejam, (1) a de que o valor de R$ 1.000,00, cuja identificação do CPF do depositante não teria ocorrido, teve origem no patrimônio do próprio candidato, e (2) a doação de R$ 1.500,00, via transação bancária, teria restado devidamente identificada.

Na sequência, a Procuradoria Regional Eleitoral, embargante, sustenta haver omissão e contradição no acórdão, ao argumento central de que o afastamento do dever de recolhimento ao Tesouro Nacional não pode estar suportado em mera suposição, mas sim em juízo de certeza.

À análise.

Inicialmente, anoto que as contas de VALDONEI DA LUZ RODRIGUES haviam sido desaprovadas em primeira instância em face da constatação de recebimento de recursos de origem não identificada, com a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Foram duas as doações tidas como inconsistentes: uma de R$ 1.500,00 e outra de R$ 1.000,00.

Na apreciação do recurso, ficou consignado que (fls. 65v.-66):

Quanto ao depósito bancário de R$ 1.000,00, não houve a devida identificação do CPF do depositante nos extratos eletrônicos, em desacordo com o art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, que assim dispõe:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Cabal, assim, a irregularidade.

Examinando as contas do candidato, não vislumbro impossibilidade de identificação do doador, única situação que, na dicção legal, implicaria o recolhimento do numerário ao Tesouro Nacional.

Afigura-se plausível admitir-se que o depósito de R$ 1.000,00 tenha sido efetuado pelo próprio candidato, pois todos os indícios apontam nesse sentido.

Da mesma forma, descabe falar em restituição de valores, eis que, nessa doação, confundir-se-iam as figuras do doador e do beneficiário, restando inócua e sem eficácia prática a regra jurídica.

De outra banda, na doação de R$ 1.500,00 não houve afronta ao art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15; logo, o § 3º daquele artigo não é aplicável à hipótese.

Explico.

A transação bancária foi devidamente identificada com o CPF do doador, em estrita observância ao art. 18, inc. I, do multicitado diploma normativo. Assim, não há ensejo à aplicação da sanção constante no art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Tal excerto trata de duas doações: a primeira, proveniente do próprio candidato; a segunda, com a devida identificação do CPF do doador, como exige o dispositivo mencionado na resolução.

De fato, em relação à primeira quantia, embora tenha sido possível identificar o doador – o próprio candidato –, a mácula da ausência de indicação do CPF do doador, por ocasião do depósito, realmente não foi suprida, o que é, como asseverado no corpo do acórdão, motivo suficiente para a manutenção da desaprovação das contas de campanha.

Até mesmo porque, em relação à suposta omissão, determina o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, invocado pelo embargante:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento das informações à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

§ 3º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 4º O disposto no § 3º não se aplica quando o candidato ou o partido promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

§ 5º O candidato ou o partido pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador, quando a não identificação do doador decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

Além, não há como negar que o caput do art. 26 dispõe que os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados pelo candidato, e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional.

Portanto, tenho que o acórdão embargado, de fato, incorreu em contradição e omissão ao excluir do recorrente o dever de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, sobremodo ao final do texto. Tratava-se de caso de manutenção integral da sentença, e não de provimento parcial do recurso.

Como bem apontado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, a manutenção do recolhimento ao Tesouro Nacional, no caso posto, impõe-se pelo disposto no art. 18, § 3º, e no art. 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15, pois o candidato apenas alegou a origem dos valores – R$ 2.500,00, no total – e não se absteve de utilizar a quantia.

A utilização, dessarte, foi indevida.

Nessa linha, esta Corte decidiu recentemente:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato. 

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(Embargos de Declaração na Prestação de Contas n. 203-27. Relator Desembargador Jorge Luís Dall'Agnol. Unânime, julgado em 26.7.2017.)

Os embargos, dessa forma, merecem ser acolhidos, e a eles concedidos efeitos infringentes, para determinar o recolhimento, de parte de VALDONEI DA LUZ RODRIGUES, do valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), tendo em vista a ausência de identificação cabal de sua origem, bem como a efetiva utilização pelo candidato.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pelo acolhimento dos embargos de declaração, com a concessão de efeitos modificativos, no sentido de julgar desaprovadas as contas de VALDONEI DA LUZ RODRIGUES, relativas às eleições municipais de 2016, e determinar o recolhimento do valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos da fundamentação, ao Tesouro Nacional.