REl - 0600915-90.2024.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/05/2025 00:00 a 27/05/2025 23:59

VOTO

A representação foi ajuizada com alegação de prática de propaganda irregular por Mirian Raquel Ávila Medeiros, candidata ao cargo de vereador em Guaíba/RS, consistente no derrame de santinhos próximos a 4 locais de votação.

Na sentença, o juízo de primeiro grau julgou procedente a representação, condenando a candidata ao pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00, com fundamento no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97 e no art. 19, §§ 1°, 7º e 8°, da Resolução TSE n. 23.610/19.

O Ministério Público Eleitoral recorre postulando a majoração da multa e a candidata recorre pedindo o afastamento da condenação, sustentando não haver comprovação de sua responsabilidade pelo ilícito.

Relativamente à comprovação da infração, conforme a sentença de origem, para configuração do ilícito eleitoral de derrame de santinhos, é necessário comprovar: a) proximidade do despejo ao local de votação; b) identificação do material como pertencente ao candidato; c) quantidade significativa do material para configurar o ilícito; d) conhecimento ou anuência, explícita ou presumida, do candidato.

Consoante a jurisprudência iterativa do Tribunal Superior Eleitoral, é possível a responsabilização de candidatos pelo derrame de santinhos, nas hipóteses em que as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda (TSE - REspEl: n. 06004406420206100096 GOVERNADOR NEWTON BELLO - MA n. 060044064, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 18.8.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo n. 170).

O entendimento está positivado no § 8º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.610/19: “A caracterização da responsabilidade da candidata ou do candidato na hipótese do § 7º deste artigo não depende de prévia notificação, bastando a existência de circunstâncias que revelem a impossibilidade de a pessoa beneficiária não ter tido conhecimento da propaganda”.

Assim, de plano, afasto o argumento recursal de que eventual condenação da candidata dependeria de prévia notificação para que recolhesse a propaganda.

A sentença de primeiro grau reconheceu que a candidata tinha ciência do derrame de santinhos ou não adotou as medidas cabíveis para evitá-lo, em desconformidade com o disposto no art. 19, §§ 7º e 8º, da Resolução TSE n. 23.610/19. O dispositivo legal é claro ao prever que o derrame ou a anuência com o derrame de material de propaganda no local de votação ou nas vias próximas, ainda que realizado na véspera da eleição, configura propaganda irregular, sujeitando-se a infratora ou o infrator à multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Transcrevo o seguinte trecho da decisão:

(…)

É fundamental que a prova apresentada esteja de acordo com o enquadramento legal aplicável. Dessa forma, a análise da amostragem coletada em cada caso deve ser realizada de forma rigorosa. Ressalta-se que não basta apenas a existência de material impresso espalhado sendo necessária sua identificação precisa e em quantidade suficiente para configurar o ilícito, considerando a responsabilidade do beneficiário pelos materiais.

 

No presente caso, as fotografias anexadas aos autos demonstram uma quantidade robusta de material gráfico de campanha, havendo indícios probatórios satisfatórios que justifiquem a intervenção dessa Especializada. Ademais, conforme se extrai das informações constantes nos relatórios anexados pelo Ministério Público Eleitoral nos ID 124491044 e 124491045, a representada teve material gráfico encontrado em pelo menos 4 (quatro) locais de votação, quais sejam: Escola Moura e Cunha (14 seções), Escola Otero de Paiva Guimarães (7 seções), Escola Amadeu Bolognesi (12 seções) e Escola São Francisco (1 seção), totalizando 34 das 229 seções eleitorais do Município de Guaíba. Tal material foi encontrado em 14,84% das seções eleitorais do Município de Guaíba, Se considerarmos o total de eleitores votantes nos quais o material foi encontrado e recolhido, chega-se a mais de 12 mil eleitores, portanto incabível a argumentação da representada uma vez que a responsabilidade pelo material, pelo zelo, pela distribuição e também pela sua guarda é do candidato.

 

Nesse norte, a procedência da representação é medida que se impõe.

(...)

 

De fato, os registros visuais e as provas documentais acostados pelo Parquet Eleitoral permitem a individualização dos santinhos e a comprovação do derramamento de quantidade significativa de material de propaganda.

As fotografias contidas na inicial retratam dezenas de santinhos pelas vias públicas dos locais de votação no dia da eleição. Os autos demonstram que o alto volume de material gráfico identificado, a localização dos santinhos e o número de eleitores potencialmente impactados configuram o ilícito eleitoral, mesmo que a prática não tenha resultado em vantagem eleitoral concreta. Colaciono, por oportuno, imagens sobre a publicidade irregular (IDs 45800851 e 45800853):

 

 

As teses de que o material foi descartado no intuito de prejudicar a candidata ou sem seu conhecimento são incompatíveis com o contexto da prova produzida.

Diferentemente do que ocorre em casos análogos do mesmo município, o desconhecimento é inverossímil diante das especificidades do cenário probatório, pois o comitê eleitoral da recorrente ficava localizado no bairro Colina, em Guaíba, e dos 4 locais de votação em que localizado o derramamento de santinhos, 3 ficam situados no bairro Colina (Escola Moura e Cunha, Escola Amadeu Bolognesi, Escola São Francisco). A Escola Otero de Paiva Guimarães localiza-se no Bairro Bom Fim, ao lado do bairro Colina.

A notícia de fato é datada de 06.10.2024, data da eleição, mesmo dia em que realizadas as vistorias nos locais de votação pelo Ministério Público Eleitoral, conforme relatório de fiscalização juntado aos autos, estando devidamente demonstrada a existência de propaganda em locais de votação.

Ao contrário do que se verifica em processos similares, no presente caso houve volume expressivo de material gráfico encontrado em quatro locais estratégicos de votação, representando uma ação coordenada que compreendeu quatro colégios eleitorais e impactou aproximadamente 14,84% das seções eleitorais do Município de Guaíba/RS, abrangendo cerca de 12 mil eleitores.

Não se exige a demonstração de benefício direto de candidatas e candidatos para a caracterização da irregularidade, bastando que se evidencie a presença de material de campanha em quantidade significativa e em locais proibidos, sem que o fato pudesse ser desconhecido.

Ademais, o argumento de que terceiros poderiam ter agido sem o conhecimento da candidata não encontra suporte probatório nos autos, sendo incompatível com as peculiaridades do caso concreto, em que se trata de município pequeno, e o dever de zelo atribuído aos candidatos e às candidatas sobre o material gráfico vinculado às suas campanhas.

A baixa votação da candidata não afasta a gravidade da conduta e o desrespeito à igualdade eleitoral relativamente aos demais candidatos, fatos que justificam a fixação de multa.

Assim, o conjunto probatório é suficiente para embasar a decisão de manutenção da condenação da candidata Mirian Raquel Ávila Medeiros. Com esse entendimento, cito precedente:

ACÓRDÃO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (1321) Nº 0600375–95.2020.6.17.0089 (PJe) – TACARATU – PERNAMBUCO RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI AGRAVANTE: WASHINGTON ANGELO DE ARAUJO ADVOGADOS: VADSON DE ALMEIDA PAULA (OAB/PE 22.405) E OUTRO AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DERRAME DE SANTINHOS. IRREGULARIDADE E RESPONSABILIDADE CARACTERIZADAS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO–PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 24/TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 30/TSE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A Corte regional, após analisar o conteúdo fático–probatório dos autos, concluiu que restou configurada a propaganda eleitoral irregular consubstanciada no derrame massivo de santinhos na data do pleito de 2020, o que foi praticado com o conhecimento do representado. Para afastar essas conclusões, seria necessária nova incursão nas provas acostadas aos autos, providência inviável em sede especial, nos termos da Súmula 24/TSE. 2. O candidato beneficiado pelo derrame de santinhos deve ser responsabilizado quando as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto revelarem a impossibilidade de que não tivesse conhecimento da propaganda. Precedentes. 3. A compreensão da Corte regional se ajusta à jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o que atrai a incidência da Súmula 30/TSE. 4. Agravo interno desprovido.

 

(TSE - AREspEl: 06003759520206170089 TACARATU - PE 060037595, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 14/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47)

 

Quanto ao sancionamento, o § 1º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.610/19 prevê que o cometimento da infração sujeita o responsável ao pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Na hipótese em tela, entendo que a fixação da multa no patamar mínimo reflete adequadamente a gravidade da conduta apurada, considerando que a distribuição alcançou somente quatro locais de votação e o volume de material retratado nos autos, sendo injustificada a majoração.

Logo, em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mantenho o quantum da multa em R$ 2.000,00, penalidade adequada e suficiente para a repreensão da conduta, na esteira de precedente deste Tribunal:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PROPAGANDA IRREGULAR. DERRAMAMENTO DE SANTINHOS . DIA DO PLEITO. MULTA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME 1.1. Insurgência contra sentença que julgou procedente a representação, por suposto derramamento de santos em vias públicas próximas aos locais de votação, no dia do pleito, condenando a recorrente ao pagamento de multa. 1.2. A candidatura recorreu, alegando ausência de provas que demonstrassem sua anuência ou participação na prática, além de sustentar a impossibilidade de controle sobre voluntários e apoiadores. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Há duas questões em discussão: (i) saber se a candidatura pode ser responsabilizada pela prática do delito; (ii) verificar a adequação da multa aplicada, considerando a gravidade da conduta e o material probatório apresentado. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Sobre o tema, o § 7º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.610/19 prevê que “o derramado ou a anuência com o derramado de material de propaganda no local de votação ou nas vias próximas, ainda que realizado na véspera da eleição, configura propaganda irregular, sujeitando–se a infratora ou o infrator à multa prevista no § 1º do art. 37 da Lei n. 9.504/97, sem prejuízo da apuração do crime previsto no inc. III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97”. 3.2. Consoante a instrução iterativa do Tribunal Superior Eleitoral, ainda que inexistentes provas da prática pessoal e imediata da conduta, é possível a responsabilização do candidato nas hipóteses em que as questões pontuais e as investigações do caso específico revelam a impossibilidade de os destinatários não terem tido conhecimento da propaganda irregular. 3.3. No caso dos autos, a expressiva quantidade de material encontrado nos locais de votação, comprovada por meio das fotografias anexadas aos autos, demonstra de forma suficiente a divulgação de grande quantidade de impressões da candidatura em extensa área ao redor do local de votação, causando um impacto visual bastante significativo. 3.4. Presunção de responsabilidade. A responsabilidade pelo zelo, distribuição e guarda do material de propaganda produzido em sua campanha cabe à candidata, não sendo crível, ante a quantidade de impressos e o caráter ostensivo da dispersão, a alegação de desconhecimento. Na mesma linha, a investigação do Tribunal Superior Eleitoral. 3.5. Dosimetria da sanção aplicada. Levando em conta as particularidades do caso, e na falta de elementos que indiquem maior gravidade ou reprovabilidade da conduta, correta a fixação da multa no valor de R$ 2.000,00, patamar mínimo legal. 4. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O derramamento de santos em vias públicas próximo a locais de votação configura propaganda irregular, nos termos do art. 19, § 7º, da Resolução TSE n. 23.610/19, sendo possível a responsabilização do candidato beneficiado quando as situações e provas evidenciarem seu conhecimento do ilícito ou anuência com a prática.” Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 37, § 1º; Resolução TSE n. 23.610/19, art. 19, §§ 7º e 8º. Jurisprudência relevante relevante: TSE – AgR–AREspEl n. 060099492/CE, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, julgado em 14.6.2024.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 0600060-42.2024.6.21.0113, Relator(a) Des. Mario Crespo Brum, Acórdão de 13/12/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 12, data 22/01/2025) – Grifei.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento dos recursos.