RE - 27916 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por JOSE PASCUAL DAMBROS em face da sentença que desaprovou as contas relativas às eleições municipais de 2016 no Município de Caxias do Sul, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, tendo em vista a ausência de identificação da inscrição do CPF/CNPJ dos doadores nos extratos bancários, bem como o recebimento e a utilização de recursos doados por cheque, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais), totalizando a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em violação aos §§ 1º e 3º do art. 18 do mencionado diploma normativo, e determinou o recolhimento do respectivo montante ao Tesouro Nacional (fls. 63-65).

Nas razões recursais (fls. 67-70), o candidato afirma que os depósitos foram realizados com recursos próprios, conforme demonstrado pelos recibos eleitorais que compõem a escrituração. Alega que, embora não observada a forma de transferência eletrônica entre contas bancárias, a origem dos recursos foi identificada, e as receitas, devidamente escrituradas. Sustenta a ausência de má-fé e o reduzido valor impugnado, postulando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Argumenta a inconstitucionalidade da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional e, sucessivamente, reclama a reversão do valor ao doador. Requer a reforma da sentença, para que sejam aprovadas as suas contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 74-76v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto legalmente. A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral em 16.02.2017 (fl. 66), e o apelo foi interposto no dia 17 do mesmo mês (fl. 67).

Preliminarmente, no que se refere à alegação de inconstitucionalidade da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, por ofensa ao direito de propriedade previsto no art. 5º, inc. XXII, e a vedação ao confisco disposto no art. 150, inc. IV, da CF/88, impende ressaltar que a norma eleitoral questionada encontra supedâneo na própria natureza da prestação jurisdicional da Justiça Eleitoral, uma vez que objetiva destinar adequadamente os recursos cuja identificação da origem não possa ser aferida com exatidão, em nada se equiparando à medida confiscatória, tampouco malferindo a proteção à propriedade, como sugerido pelo recorrente.

Nesse sentido, colaciono o seguinte aresto: 

ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. DECISÃO REGIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. IRREGULARIDADE. DOAÇÃO DE BEM ESTIMÁVEL POR OUTRO CANDIDATO. MATERIAL DE PUBLICIDADE. FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO

A determinação de recolhimento aos cofres públicos do valor correspondente aos recursos recebidos pelo candidato de fonte vedada ou de origem não identificada, prevista no § 30 do art. 26 da Res.-TSE n° 23.406, atende aos princípios e às regras constitucionais que regem a prestação de contas, a transparência do financiamento eleitoral e a normalidade e legitimidade das eleições.

A prestação de contas - cuja obrigatoriedade está prevista no art. 17, III, da Constituição da República - pressupõe a perfeita identificação da origem de todas as doações recebidas pelo candidato, independentemente de elas serem realizadas em dinheiro, por meio da cessão de bens, produtos, serviços ou qualquer outra forma de entrada financeira ou econômica em favor das campanhas eleitorais.

Recurso especial a que se nega provimento, mantendo-se integralmente o acórdão regional que aprovou as contas da candidata com ressalvas, com determinaçáo de recolhimento de valor aos cofres públicos. (REspe n° 1224-43/MS, Rei. Mm. Henrique Neves, DJede 5.11.2015).

(Grifei.)

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, foi constatado que o candidato recebeu doação no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por meio de dois cheques depositados em sua conta-corrente de campanha – no valor de R$ 2.000,00, em 31.8.2016, e no importe de R$8.000,00, em 15.9.2016 –, em afronta ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual exige transferência eletrônica bancária para doações financeiras superiores a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais com dez centavos). Ainda, verificou-se que os extratos bancários não apresentam CPF/CNPJ do doador, comprometendo a transparência da escrituração.

Em face desse quadro fático, o juízo a quo concluiu pela desaprovação das contas, bem como determinou o recolhimento do valor de R$ 10.000,00 ao Tesouro Nacional, consoante trecho que destaco da sentença:

O candidato ao receber depósito em cheque acima do valor limite (um cheque no valor de R$ 2.000,00 e outro de R$ 8.000,00), compromete a transparência e fiscalização das contas eleitorais. O prestador ainda não apresentou os extratos bancários completos, com a identificação do CPF/CNPJ do doador, o que compromete a transparência/publicidade da prestação de contas.

Pondere-se que o processo de prestação de contas é regido por diversos princípios, especialmente os da legalidade, publicidade, transparência e veracidade, que devem ser observados por todos os candidatos.

Na esteira dessas asserções, ensina Rodrigo López Zilio, na obra Direito Eleitoral, 5ª Edição, Porto Alegre: Verbo Jurídico,2016, pp. 469-470:

"O processo de prestação de contas recebe o influxo de diversos princípios destacando-se a) princípio da legalidade: a prestação de contas deve observar as regras estabelecidas em lei e nas resoluções regulamentadoras da matéria; b) princípio da transparência: o objetivo desse procedimento é propiciar o amplo conhecimento da origem dos recurso arrecadados e o destino dos gastos realizados; c) princípio da publicidade: os processos de prestação de contas são públicos, o que torna mais amplo o controle social sobre o financiamento das campanhas eleitorais; d) princípio da veracidade ou autenticidade: os dados apresentados à Justiça Eleitoral na prestação de contas devem refletir a realidade tanto em relação aos recursos auferidos como também em relação às despesas realizadas".

O Ministério Público Eleitoral em seu parecer das fl. 62 também opinou pela desaprovação das contas pelos mesmos motivos.

Conforme o §3º do art. 18 da Resolução TSE 23.463/2015, o candidato deverá devolver o recurso recebido em desacordo para o Tesouro Nacional, na forma determinada pelo art. 26 da mesma Resolução. Nos termos do art. 30, III, da Lei nº 9.504/97, combinado com o art. 68, III, da Resolução 23.463/2015, estando irregulares as contas, cumpre desaprová-las.

III- DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de JOSÉ PASCUAL DAMBROS, candidato a Vereador no município de Caxias do Sul/RS, referente as Eleições Municipais de 2016, nos termos do art. 30, inciso III, da Lei n.9504/1997, e do art. 68, inciso III, da Resolução TSE n. 23463/2015, ante os fundamentos declinados.

Compulsando os autos, verifico que, nos extratos acostados às fls. 06 e 55, não há indicação da inscrição do CPF/CNPJ na contraparte. Entrementes, tanto os recibos eleitorais e os comprovantes de depósito juntados às fl. 12, 22 e 23 quanto os extratos bancários disponibilizados no portal de divulgação das contas eleitorais no sítio eletrônico do TSE indicam o candidato como autor das doações recebidas no dia 03.10.2016, no valor de R$ 315,00, e no dia 19.10.2016, na quantia de R$ 40,35, de modo que resta plenamente identificada a origem das receitas, não subsistindo a alegação no particular.

Em relação aos depósitos em cheque das quantias de R$ 2.000,00, em 31.8.2016, e de R$8.000,00, em 15.9.2016, deve ser observado que a cópia das cártulas e do comprovante do depósito identificado acostados aos autos às fls. 07-11 elucidam, com a segurança necessária, a origem dos recursos, oriundos da agremiação partidária municipal, suprindo a exigência de transferência eletrônica.

Com efeito, registro que esta Corte vem sendo bastante tolerante quando o candidato prestador de contas, malgrado não tenha seguido à risca os ditames legais e regulamentares, consegue, ao menos, demonstrar a origem imediata dos valores, circunstância que tem eximido os jurisdicionados dos recolhimentos dos valores.

Esse é o caso dos autos, devendo ser afastada a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, uma vez atendida a finalidade preconizada pela norma, qual seja, coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação.

Colaciono, por oportuno, precedente desta Corte nesse sentido:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO E VICE. DOAÇÕES EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. CHEQUE. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. IDENTIFICADA ORIGEM DOS RECURSOS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminar. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo, quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

3. Realizado depósito de cheque, sem ter sido observada a determinação da transferência eletrônica, ultrapassando o limite legal previsto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. No entanto, demonstrada a compensação do cheque na mesma data em que foi efetuado o depósito, conforme sumário da conta-corrente pessoal do candidato principal, bem como identificado, por meio do CPF, o doador como sendo o próprio candidato. No caso concreto, a prova documental, tempestivamente apresentada pelo prestador, supre a exigência da transferência eletrônica, em razão de ter sido alcançada a finalidade da norma. Comprovada a origem lícita dos recursos e possibilitado o controle da movimentação financeira. Ausente prejuízo. Aprovação com ressalvas.

4. Provimento.

(TRE-RS - RE: 45251 VILA LÂNGARO - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 23.8.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 161, Data 08.9.2017, Página 3.)

Dessa forma, a confiabilidade e a transparência das contas de campanha do candidato não restaram comprometidas pelas irregularidades constatadas no exame das contas.

Assim, em que pese não tenha observado a determinação regulamentar, o recorrente demonstrou, de forma segura, a origem dos recursos arrecadados, razão pela qual a decisão combatida deve ser reformada.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de recolhimento da quantia de R$ 10.000,00 ao Tesouro Nacional.