REl - 0600031-78.2023.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/05/2025 00:00 a 27/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e, preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido.

No mérito, a controvérsia envolve a regularidade das doações realizadas ao Diretório Municipal do PSB, oriundas de servidores públicos ocupantes de cargos de livre nomeação e exoneração.

O art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 estabelece a vedação nos seguintes termos:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Inicialmente, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade do dispositivo acima transcrito, sob a alegação de que a vedação ao recebimento de doações de servidores comissionados violaria o princípio da isonomia, uma vez que não haveria justificativa para impedir tais ocupantes de contribuir financeiramente com seu partido, enquanto os demais filiados poderiam fazê-lo livremente.

Contudo, razão não lhe assiste.

O dispositivo impugnado não impede indiscriminadamente as doações de pessoas que ocupam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou emprego público temporário. Ao contrário, permite contribuições, desde que o doador seja filiado ao partido político beneficiário da doação.

A exigência imposta pela norma para as doações visa assegurar a transparência e prevenir o uso indevido da estrutura pública para a instrumentalização financeira do partido político, fundamento que não viola o princípio da isonomia, mas resguarda a moralidade administrativa e a lisura do financiamento partidário.

A constitucionalidade dessa restrição já foi reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, que, ao analisar a Prestação de Contas n. 0600256-36.2019.6.21.0000, afastou expressamente a tese recursal, conforme ementa a seguir:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO 2018. USO IRREGULAR DE VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. PERCEPÇÃO DE QUANTIA DE FONTES VEDADAS. PESSOA JURÍDICA. DETENTOR DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. PAGAMENTO COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO SEM DOCUMENTO FISCAL COM CNPJ DO PARTIDO. DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA DESTITUÍDA DE FÉ PUBLICA E IDONEIDADE. QUITAÇÃO DE DÉBITOS COM MÚLTIPLOS FORNECEDORES COM CHEQUE ÚNICO. VALOR IRRISÓRIO NÃO AFASTA A FALHA. INVIABILIDADE DE AFERIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS PAGOS. DOAÇÕES RECEBIDAS SEM APOSIÇÃO DO CPF DO DOADOR. RONI. UNILATERALIDADE DOS COMPROVANTES CARREADOS. NÃO APONTADOS OS REAIS DONATÁRIOS. CONTRIBUIÇÃO POR DESCONTO EM FOLHA VIA PESSOA JURÍDICA VEDADA. PROIBIDA AS DOAÇÕES PREVISTAS NO ART. 31, INC. V, DA LEI N. 9.096/95. AFASTADAS ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO INC. V, DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E OFENSA À AUTONOMIA PARTIDÁRIA, DE EXTRAPOLAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR DO TSE AO PREVER O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES DE FONTES VEDADAS AO ERÁRIO, DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, E DE VIOLAÇÃO AO PACTO FEDERATIVO. PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES TOTALIZANDO 0,40% DAS RECEITAS DECLARADAS. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PROMOÇÃO MINISTERIAL PELA SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO AFASTADA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DAS QUANTIAS IRREGULARES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas de diretório estadual partidário referente ao exercício de 2018.

(...).

5. Ingresso de recursos de fonte vedada – pessoa jurídica – em afronta ao art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17. Contribuição de servidor aposentado, via desconto em folha efetivada por pessoa jurídica. Entendimento do TSE consolidado no sentido de vedar as contribuições mediante desconto em folha de pagamento. Informações trazidas aos autos correspondem ao ano de 2015, enquanto o feito versa sobre o exercício de 2018. Entrada indevida de receita, sem comprovação do real doador, a ser destinada ao Tesouro Nacional.

6. Vedação às contribuições advindas de detentores de cargo, emprego ou função pública de livre nomeação e exoneração, nos termos do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95. Arguição de inconstitucionalidade do referido inciso, de violação ao princípio constitucional da igualdade e ofensa à autonomia partidária, de extrapolação do poder regulamentar do TSE ao prever o recolhimento das contribuições de fontes vedadas ao erário, de enriquecimento ilícito, de violação ao pacto federativo diante do recebimento dos recursos pelo Tesouro Nacional em detrimento do ente federado ao qual o servidor público que fez a doação está vinculado.

7. Arguição de inconstitucionalidade afastada. Dispositivo incluído na Lei dos Partidos Políticos, nos moldes definidos pelos parlamentares envolvidos no projeto de lei, justamente como forma de superação legislativa da jurisprudência ou ativismo congressual.

8. Violação ao princípio constitucional da igualdade e ofensa à autonomia partidária não configuradas. Regra incluída por esforço do legislativo, visando superar entendimento jurisprudencial, não havendo falar em afronta à autonomia das greis. Proibição que tem por objetivo atender aos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra o abuso de autoridade e do poder econômico, garantindo, justamente, a igualdade de oportunidade entre as agremiações, bastando, para legitimar as contribuições, a filiação partidária.

9. Tese, infrutífera, sobre o excesso regulamentar do TSE, ao prever - em resolução - o recolhimento das contribuições de fontes vedadas ao erário, eis que respaldada pelo art. 61 da Lei n. 9.096/95. Regulamentação das finanças adequada aos termos da lei.

10. O art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.546/17 dispõe que os partidos podem recusar doações identificadas, estornado-as ao realizador do crédito. A grei não devolveu os aportes a título de fonte de vedada no prazo previsto na norma, tendo como consequência direta da omissão o dever de restituir os valores ao Tesouro Nacional, de acordo com o disciplinado no art. 14, § 1º, da aludida resolução, não se tratando de enriquecimento ilícito, mas de corolário legal.

11. O recolhimento da verba do Fundo Partidário malversada pela agremiação ao Tesouro Nacional não viola o pacto federativo, porquanto tal fundo especial é composto por dotações da União, de acordo com o art. 38, inc. IV, da Lei dos Partidos, e visa à uniformização das restituições efetuadas por agremiações que descumprem a legislação eleitoral.

(...).

14. Aprovação com ressalvas. Determinação de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PC-PP n. 0600256-36.2019.6.21.0000, da relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, publicado no PJe em 03.08.2021.) (Grifei.)

 

Portanto, rejeita-se a alegação de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.

Dessa forma, a norma eleitoral válida e vigente proíbe doações de ocupantes de cargos públicos de livre nomeação e exoneração ou emprego público temporário, salvo se houver comprovação da filiação partidária do doador à grei beneficiária ao tempo das contribuições.

Na hipótese, é incontroverso que o órgão partidário recebeu doações de cinco ocupantes de cargos públicos comissionados sem registros de filiação partidária no sistema Filia.

Os repasses totalizaram R$ 6.350,00 no exercício financeiro de 2022, conforme detalhado na tabela constante do parecer conclusivo (ID 45838335):

 

Em sede recursal, o recorrente impugnou expressamente apenas as doações realizadas por Antônio Aldori Pereira, anexando uma ficha de filiação assinada e um documento extraído do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, no qual consta que o apoiador concorreu pelo PSB ao cargo de vereador nas Eleições de 2016 (IDs 45838350 e 45838351).

Tais documentos, contudo, não são suficientes para afastar as irregularidades.

A mera ficha de filiação apresentada é documento produzido de maneira unilateral pela própria parte interessada, sem a necessária fé pública, de modo que não constitui prova idônea para afastar a irregularidade constatada, conforme já reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal em hipóteses semelhantes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. PARTIDO POLÍTICO . DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO . INDEFERIDO O PEDIDO DE PRAZO PARA COMPLÇÃO DOCUMENTAL. AFASTADA A ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31, INC. V, DA LEI N . 9.096/95. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VERBAS DE FONTE VEDADA . UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

[…].

3 . Recebimento de verbas de fonte vedada. Doações realizadas por pessoas físicas que exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, no período do exercício. A prática incorre na vedação prevista no art. 31, inc . V, da Lei n. 9.096/95, comando regulamentado na Resolução TSE n. 23 .604/19. Apresentadas fichas internas de filiação, de caráter unilateral. Contudo, o vínculo pretendido somente é perfectibilizado por meio do registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral. Súmula TSE n . 20. Ausência de utilidade documental quanto aos demais doadores. Não comprovada a filiação ao partido político. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional (art . 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19). [...]. 5. Provimento negado . Manutenção da sentença.

(TRE-RS - REl: 06000545220226210033 PASSO FUNDO - RS 060005452, Relator.: Volnei Dos Santos Coelho, Data de Julgamento: 23.08.2024, Data de Publicação: DJE-180, data 28.08.2024.) (Grifei.)


 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019 . UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO DE FONTES VEDADAS. APORTE DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. NÃO DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DA VERBA PÚBLICA A PROGRAMAS DE INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES . FALHA DE VALOR INFERIOR A 10% DOS RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM AÇÕES DE FOMENTO À INTEGRAÇÃO FEMININA, NO EXERCÍCIO SUBSEQUENTE . INVIABILIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

[…].

3 . Recebimento de valores de fonte vedada. Existência de contribuições de não filiados ao partido politico, exercentes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, e de pessoa jurídica, incorrendo na proibição disposta no art. 12, incs. II e IV, da Resolução TSE n . 23.546/17. Malograda a intenção do partido de enquadrar as doações na exceção disposta no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n . 23.546/17 ao juntar aos autos ficha de filiação dos supostos colaboradores, pois as peças não fazem prova do alegado, visto tratar-se de documento unilateral, desprovido de fé pública. Confirmada, no entanto, no sistema da Justiça Eleitoral, a filiação de um dos doadores ao partido. Exclusão do contribuinte comprovadamente filiado à agremiação . Restituição dos valores oriundos das fontes vedadas remanescentes.

[…].

7. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 06001971420206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator.: Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Data de Julgamento: 21.09.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 23.09.2022.) (Grifei.)

 

Ademais, o fato de o doador ter concorrido a cargo eletivo pelo PSB em 2016 não implica, por si só, a manutenção de seu vínculo partidário em 2022, pois a filiação pode ser cancelada a qualquer tempo, seja por iniciativa do próprio filiado, seja pelo partido, bem como, posteriormente, reavivada.

Quanto aos demais doadores, ainda que as razões recursais mencionem, de forma genérica, uma suposta falha administrativa no registro de filiação partidária, não há nos autos qualquer prova idônea que comprove que estavam efetivamente filiados ao PSB ao tempo das doações.

A mera alegação de erro no cadastramento não é suficiente para afastar a irregularidade, porquanto não foram apresentados documentos hábeis para comprovar o vínculo partidário, tais como registros oficiais da Justiça Eleitoral ou outros elementos documentais dotados de fé pública.

Logo, a afirmação genérica quanto às demais doações não está acompanhada de prova mínima, o que se mostra suficiente para a manutenção da sentença.

Nesse contexto, torna-se impositivo o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante total de R$ 6.350,00 (seis mil trezentos e cinquenta reais), correspondente à integralidade dos valores recebidos de fonte vedada, nos termos do art. 12, inc. IV e § 1º, c/c o art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

O montante irregular representa 20,34% da receita financeira declarada pelo partido (R$ 31.225,00), percentual que ultrapassa significativamente o patamar de 10% que a jurisprudência tem reconhecido como diminuto ou irrelevante, permitindo aprovar as contas com ressalvas por meio da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Portanto, não há fundamento jurídico para atenuar as consequências da falha constatada, pois o percentual irregular compromete substancialmente a transparência e a regularidade da prestação de contas, exigindo a sua desaprovação e o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores indevidamente recebidos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.