REl - 0600318-37.2024.6.21.0118 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/05/2025 00:00 a 27/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por DIEGO WILLIAN FRANCISCO, candidato eleito ao cargo de prefeito no Município de Estância Velha/RS, nas Eleições Municipais de 2024, em face de sentença que aprovou com ressalvas as suas contas de campanha das Eleições 2024 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 15.000,00.

No caso concreto, o órgão técnico constatou a realização de um único depósito em espécie, identificado pelo CPF do próprio candidato, realizado em 31.10.2024, no valor de R$ 15.000,00 (ID 45815415).

A respeito da arrecadação de recursos para campanha, por meio de recebimento de doações, dispõe o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV - Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

§ 7º A realização de procedimento interno da instituição bancária, devidamente comprovado, não representa violação às formas de doação previstas no presente artigo e não importa em sanções diretamente ao prestador de contas. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

(Grifei.)

 

Conforme se extrai do dispositivo transcrito, doações de valor igual ou superior R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre contas bancárias, de modo a coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível para a perfeita identificação do doador.

Em sua defesa, o recorrente argumenta, em síntese, que, devido ao fim do prazo para pagamento a um fornecedor e após várias tentativas frustradas de realizar a transação eletrônica, foi necessário o depósito bancário em espécie. Alega, ainda, que essa situação foi testemunhada por Renan Lucas Mallmann, conforme termo assinado e anexado ao recurso (ID 45815424). Finalmente, defende que não houve má-fé em sua conduta, tratando-se de uma simples inconsistência formal.

Ora, a imposição da regra em comento é objetiva e independe da presença e/ou reconhecimento de boa ou má-fé do recorrente. Ademais, o fato de a operação ter sido supostamente testemunhada por outra pessoa não isenta o candidato do necessário cumprimento dos procedimentos específicos para a transação bancária, conforme taxativamente previstos na Resolução TSE n. 23.607/19.

Desse modo, in casu, a mera identificação do depositante como o próprio candidato não supre a ausência de rastreabilidade bancária adequada, indispensável para comprovar a origem inequívoca dos recursos.

Está consolidado na jurisprudência o entendimento de que a simples anotação do CPF do suposto doador no depósito em espécie é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO FINANCEIRA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. NÃO IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR. ART. 21, § 1º, DA RES.-TSE 23.607/2019. PERCENTUAL ELEVADO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESAPROVAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, negou-se seguimento a recurso especial interposto contra aresto unânime em que o TRE/MA manteve a desaprovação das contas de campanha do agravante, referentes às Eleições 2020, haja vista o recebimento de doações acima de R$ 1.064,10, por meio de depósito em dinheiro, em contrariedade ao art. 21, I, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, totalizando 98,54% dos recursos movimentados.2. Nos termos do art. 21, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado nominal".3. A realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes.4. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas está condicionada a três requisitos cumulativos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual ou valor inexpressivo do total irregular; c) ausência de má-fé. Precedentes.5. No caso, o depósito bancário não identificado, além de constituir falha grave, totalizou 98,54% (R$ 1.355,00) dos recursos movimentados na campanha, o que impede a aprovação do ajuste contábil.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060035966, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 17.10.2023.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DOAÇÕES. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DECLARAÇÃO UNILATERAL. PROVA INEFICAZ. FUNDAMENTOS SUFICIENTES NÃO ATACADOS. ENUNCIADO SUMULAR Nº 26 DO TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. REJEIÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO DOS RECURSOS AO TESOURO NACIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.1. Na origem, o TRE/MS manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante em virtude do recebimento de valores de origem não identificada, mediante depósitos em espécie, e determinou o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.2. Não há ofensa aos arts. 275 do CE e 1.022 do CPC se as questões levantadas nos embargos foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, embora de forma contrária ao interesse da parte embargante. Precedente.3. No recurso especial, o agravante deixou de impugnar, específica e articuladamente, todos os fundamentos suficientes do acórdão recorrido para considerar não comprovada a origem dos depósitos e não identificados os respectivos doadores - notadamente o de que sua declaração unilateral não é prova suficiente dessas circunstâncias -, o que atrai a incidência do Enunciado Sumular nº 26 desta Corte.4. Mesmo que fosse possível superar esse óbice, o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência do TSE de que a realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar a efetiva origem de doações em espécie, haja vista a ausência do prévio trânsito dos recursos pelo sistema bancário. Precedente.5. Agravo em recurso especial não provido.

(TSE; Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060034745, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 30.08.2022.) Grifei.


 

Do mesmo modo, este Tribunal Regional tem entendido que a mera declaração do candidato ou de terceiro, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária da receita de sua conta pessoal, não é suficiente para a comprovação da origem dos valores, consoante precedente que transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES EM ESPÉCIE, EM VALOR SUPERIOR AO LIMITE ESTABELECIDO NA NORMA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.1. Recurso contra sentença que desaprovou a prestação de contas de candidato, relativas às eleições de 2020, em virtude do recebimento de depósito financeiro, em espécie, em valor superior ao limite estabelecido na norma e de doação irregular. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. […]. 3. Recebimento de doação, em dinheiro, tendo por doador declarado o próprio CNPJ de campanha. Esta Corte tem entendido que a mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária dareceita de sua conta pessoal, não é suficiente para a comprovação da origem dos valores. Assim, na linha da jurisprudência deste Tribunal, não há confiabilidade na mera declaração unilateral de que a procedência é própria e que o recurso é pessoal. Caracterizada a irregularidade, consubstanciada no recebimento de quantia de origem não identificada, cuja consequência é a necessidade de seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme preconizam os arts. 21, § 4º, e 32, § 1º, inc. IV, da ResoluçãoTSEn. 23.607/19.4. […]. 5. Desprovimento.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060040890, Acórdão, Relator: Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25.05.2022.) Grifei.

 

Não se ignora que este Tribunal Regional tem mitigado o rigor das disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta corrente do doador e imediato depósito, em espécie, na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Contudo, na hipótese vertente inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada.

Assim, a realização de depósito em espécie, em valor superior ao limite regulamentar, impediu o rastreio da origem dos recursos e violou o disposto nos arts. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional, por se caracterizarem como valores de origem não identificada, na forma prevista no art. 32, caput e § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

[…].

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução à doadora ou ao doador;

[…].

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha e, no caso de recolhimento ao Tesouro Nacional, deverá observar o disposto na Res.-TSE nº 23.709/2022. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

 

No entanto, em relação à sentença a quo, há uma correção material a ser feita, porquanto, embora acertado o enquadramento normativo da irregularidade no disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, faz-se necessário readequar o fundamento legal utilizado para a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Isso porque, ao condenar os prestadores de contas ao pagamento de “multa eleitoral” no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), em favor da União, a decisão baseou-se no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prevê a multa por excesso de gastos com recursos próprios, quando a situação evidenciada nos autos e reconhecida na sentença retrata, em verdade, o uso de valores de origem não identificada.

Nesse sentido, necessário tão somente readequar, de ofício, o fundamento normativo para a determinação do recolhimento do valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao Tesouro Nacional, para que ocorra com base no art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sem nenhum agravamento à situação do recorrente.

Logo, impõe-se a manutenção do juízo de aprovação das contas com ressalvas, com a determinação de recolhimento do valor de R$ 15.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos previstos no art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a aprovação com ressalvas das contas e a determinação do recolhimento do valor de R$ 15.000,00 ao Tesouro Nacional, imposta com fundamento no art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.