AP - 45531 - Sessão: 26/09/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra VÂNIO PRESA, JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA, JOÃO MARAFIGA DIAS, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, imputando-lhes a prática, em tese, do delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica para fins eleitorais), na forma do art. 29, c/c o art. 69, ambos do Código Penal, por omissão de recursos na prestação de contas da campanha eleitoral de 2016 para o cargo de Prefeito do Município de Alvorada de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL.

A acusação narra 4 fatos, sustentando ter o réu VÂNIO PRESA, ex-Vereador de Alvorada, efetuado doação no montante de R$ 35.000,00 e subscrito recibo a menor, no valor de R$ 9.300,00 (1º fato), bem como intermediado empréstimo de veículo utilizado para transportar material gráfico de campanha (4° fato); JOÃO MARAFIGA DIAS teria deixado de subscrever recibo eleitoral de doação de bens estimáveis – veículo e trabalho como motorista (2° e 3° fatos); JOÃO LUIZ PATRICIO DA SILVA, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA teriam deixado de subscrever recibo eleitoral de doação de bem estimável – veículo (2º, 3º e 4º fatos). JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, por sua vez, teria omitido o recebimento das referidas receitas na sua prestação de contas de campanha (1°, 2°, 3° e 4° fatos) (fls. 02-05v.).

A denúncia foi inicialmente recebida pelo Juízo Eleitoral da 124ª Zona de Alvorada, em 15.12.2016 (fls. 636-657), que, na mesma decisão, decretou a prisão preventiva do codenunciado VÂNIO PRESA.

Cumprida a ordem de prisão (fls. 1457-1459), foi impetrado habeas corpus perante este Tribunal e deferido o pedido liminar para substituir o cárcere por medidas cautelares diversas da prisão (fls. 1473-1474).

Citados, os denunciados apresentaram respostas à acusação.

Os cônjuges JOÃO MARAFIGA DIAS e VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA (fls. 1499-500), e SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS (fls. 1502-1505), sustentaram não ter realizado o empréstimo do único veículo que possuem para a campanha de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, mas, tão somente, fixado um adesivo do tipo perfurite no vidro traseiro do carro em apoio à candidatura.

JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, proprietário da locadora de veículos JRS Automóveis, afirmou ter emprestado um veículo para VÂNIO PRESA porque ele teria expressado interesse em adquirir o automóvel, desconhecendo a finalidade para a qual ele fora utilizado (fls. 1513-1520).

VÂNIO PRESA alegou ter apenas efetuado doação da quantia de R$ 9.300,00 para a candidatura de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, que foi por ele declarada na prestação de contas de campanha. Quanto à conversa telefônica interceptada com autorização judicial, na qual disse já ter doado o montante de R$ 35.000,00 para a campanha do candidato, justificou ter tido a intenção de se livrar das solicitações de doação que vinham sendo feitas por terceiros (fls. 1523-1527).

JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL asseverou que os diálogos interceptados foram realizados por terceiros, ausente prova de sua participação nos fatos neles referidos ou comprovação de que tenham se concretizado. Apontou que os codenunciados fixaram adesivo perfurite no vidro traseiro de seus veículos por serem apoiadores de sua candidatura. Defendeu a ausência de prova de que o corréu JOÃO MARAFIGA DIAS tenha dirigido veículos para sua campanha eleitoral (fls. 1569-1575).

Os autos foram remetidos a este Tribunal após a diplomação de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL como Prefeito de Alvorada, em razão da competência originária por prerrogativa de foro (fl. 1660).

A seguir, VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA e JOÃO MARAFIGA DIAS apresentaram petição postulando a reforma da decisão que recebeu a denúncia (fls. 1667-1668).

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requereu a extensão do foro por prerrogativa de função aos denunciados que não ocupam cargo eletivo e apresentou proposta de suspensão condicional do processo aos acusados VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA (fl. 1675 e v.).

Foram deferidos os pedidos apresentados pela acusação e postergada a análise dos argumentos trazidos por VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA e JOÃO MARAFIGA DIAS para o julgamento do mérito (fls. 1677 e v.).

Designada audiência, foi aceita a proposta de suspensão condicional do processo por JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA (fl. 1705), a qual foi homologada (fls. 1713 e v.).

Durante a instrução, foram ouvidas 7 testemunhas e interrogados os réus (fls. 1764 e v., 1768 e v., 70-73; 80-82; 100-102 do Anexo 1).

A defesa de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e de VÂNIO PRESA requereu o aproveitamento, como prova emprestada, dos depoimentos colhidos nos autos da AIJE 454-46 (fl. 1773), com o que concordou o Parquet Eleitoral (fl. 1793).

Na fase de diligências, a acusação postulou a atualização dos antecedentes criminais (fl. 1793) e as defesas nada requereram (fl. 1792).

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL apresentou alegações escritas pela emendatio libelli, a fim de que seja considerado que a omissão de dados em prestação de contas de campanha eleitoral caracteriza o crime de falsidade ideológica em documento público e não em documento particular, conforme constou na denúncia. Requereu: a) a absolvição dos denunciados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, JOÃO MARAFIGA DIAS, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA quanto ao 2º e 3º fatos, por insuficiência de provas; b) a condenação de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e de VÂNIO PRESA pela prática do crime de falsificação de documento público com finalidade eleitoral narrado no 1º e no 4º fatos da denúncia, em duas oportunidades, em concurso material, e c) a execução imediata das penas (fls. 1829-1841).

JOÃO MARAFIGA DIAS, VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA e SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS apresentaram alegações escritas sustentando ter sido comprovado que jamais emprestaram veículo automotor ou realizaram campanha para JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, uma vez que eram tão somente simpatizantes de sua candidatura. Requerem a improcedência da acusação (fl. 1852 e v.).

Nas alegações escritas de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VÂNIO PRESA, os acusados afirmam que a única contribuição para a campanha de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, efetuada por VÂNIO PRESA, foi a registrada nas contas do candidato, no valor de R$ 9.300,00. Alegam que o diálogo captado pela interceptação telefônica não passou de mera bravata efetuada para que os outros correligionários contribuíssem com a candidatura, não vindo a ser comprovada a alegação do órgão acusador no sentido de que teria sido prometido a VÂNIO PRESA o cargo de secretário municipal. Sustentam que os mesmos fatos foram analisados nos autos do recurso na AIJE 454-46, da relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, cujo acórdão manteve a sentença de improcedência da ação. Apontam não haver comprovação da tese acusatória do 4º fato, relativa ao empréstimo de veículo para transporte até o Município de Tramandaí. Asseveram que, em caso de acolhimento da emendatio libelli proposta pela acusação, impõe-se a renovação da instrução e a oportunização de defesa. Referem que o falso, por ser crime de mão própria, só poderia ser apurado na prestação de contas de campanha, e há ausência de prova do dolo específico exigido pelo tipo do art. 350 do Código Eleitoral, consistente na finalidade eleitoral. Colacionam jurisprudência e postulam sua absolvição (fls. 1856-1866).

É o relatório.

 

VOTO

Ausentes preliminares, passo ao exame da acusação iniciando pela narrativa fática contida na denúncia (fls. 02-05 e v.):

1° FATO:

No período compreendido entre 09 de setembro e 01o de novembro de 2016, em Alvorada, os denunciados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VÂNIO PRESA, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em documento particular – prestação de contas de candidato a Prefeito do Município de Alvorada/RS, pleito eleitoral de 2016 – declarações que nele deveriam constar (fls. 50/331).

O denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, candidato a Prefeito Municipal de Alvorada, declarou em sua Prestação de Contas perante a 124a Zona Eleitoral (fls. 50/331) que recebeu de VÂNIO PRESA a quantia de R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais) (fls. 126-131), enquanto o relatório de inteligência elaborado pelo GAECO – Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, captou diálogo (em interceptação telefônica) em que Vânio Presa afirmou ter doado para a campanha eleitoral de José Arno Apollo do Amaral a quantia de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), valor não declarado pelos denunciados.

Por sua vez, VÂNIO PRESA deixou de formalizar a doação de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) à campanha do denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, tendo declarado falsamente doação de R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais), que era o teto máximo permitido de 10% sobre sua renda formalmente declarada no IRPF (fl. 126).

2° FATO

No período compreendido entre 09 de setembro e 01o de novembro de 2016, em Alvorada, os denunciados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA e JOÃO MARAFIGA DIAS, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em documento particular – prestação de contas de candidato a Prefeito do Município de Alvorada/RS, pleito eleitoral de 2016 – declarações que nele deveriam constar (fls. 50/331).

O denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, candidato a Prefeito Municipal de Alvorada, não declarou (como doação estimável) em sua Prestação de Contas perante a 124a Zona Eleitoral o empréstimo do veículo Ecosport de placas MYK3428 (fl. 07), de propriedade de VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA, cedido para que fosse utilizado em sua campanha eleitoral (fl. 07), tampouco declarou o serviço realizado por JOÃO MARAFIGA DIAS de conduzir o referido veículo durante a campanha eleitoral.

VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA deixou de formalizar a cessão de uso do veículo mencionado à campanha eleitoral do denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, omitindo essa declaração perante a Justiça Eleitoral.

Por seu turno, JOÃO MARAFIGA DIAS não formalizou que prestou serviços em benefício da campanha eleitoral para candidatura à Prefeitura de Alvorada do denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, conduzindo o veículo de VERA LÚCIA pela Cidade com propaganda eleitoral de Apollo.

3º FATO:

No período compreendido entre 09 de setembro e 01o de novembro de 2016, em Alvorada, os denunciados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e JOÃO MARAFIGA DIAS, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em documento particular – prestação de contas de candidato a Prefeito do Município de Alvorada/RS, pleito eleitoral de 2016 – declarações que nele deveriam constar (fls. 50).

O denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, candidato a Prefeito Municipal de Alvorada, não declarou (como doação estimável) em sua Prestação de Contas perante a 124a Zona Eleitoral o empréstimo do veículo de placas IJI5566 (fls. 08-11), de propriedade de SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS, cedido para que fosse utilizado em sua campanha, tampouco o serviço realizado por JOÃO MARAFIGA DIAS de conduzir o referido veículo.

Por sua vez, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS deixou de formalizar a cessão de uso do aludido bem à campanha eleitoral do denunciado JOSÉ ARNO APOLLO DO AMARAL, omitindo tal declaração perante a Justiça Eleitoral.

Por seu turno, JOÃO MARAFIGA DIAS não formalizou que prestou serviços em benefício da campanha eleitoral para candidatura à Prefeitura de Alvorada do denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, conduzindo o veículo referido com propaganda eleitoral do candidato.

4º FATO:

No período compreendido entre 09 de setembro e 01o de novembro de 2016, em Alvorada, os denunciados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, VÂNIO PRESA e JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em documento particular – prestação de contas de candidato a Prefeito do Município de Alvorada/RS, pleito eleitoral de 2016 – declarações que nele deveriam constar.

O denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, candidato a Prefeito Municipal de Alvorada, deixou de declarar em sua Prestação de Contas perante a 124a Zona Eleitoral (como doação estimável) o empréstimo de um veículo de propriedade da empresa JRS Automóveis, pertencente a JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, para que fosse utilizado em prol de sua campanha, consoante relatório de inteligência elaborado pelo GAECO, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, que captou diálogo entre Vânio Presa e João Luiz Patrício da Silva acerca do referido empréstimo.

VÂNIO PRESA prestou serviço de intermediação e negociação na campanha, intermediando o empréstimo do veículo de João para buscar materiais de campanha eleitoral, o que não foi declarado na prestação de contas.

Por sua vez, JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA deixou de formalizar a cessão de uso do veículo em prol da campanha eleitoral do denunciado JOSÉ ARNO APOLLO DO AMARAL.

ASSIM AGINDO, o denunciado JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL incorreu no tipo penal previsto no art. 350, caput, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), 4 vezes, na forma dos arts. 29, caput, e 69, caput, ambos do Código Penal, JOÃO MARAFIGA DIAS incorreu no tipo penal previsto no art. 350, caput, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), 2 (duas) vezes, na forma dos arts. 29, caput, e 69, caput, ambos do Código Penal, VÂNIO PRESA, VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS e JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA incorreram no tipo penal previsto no art. 350, caput, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65) – uma vez, na forma do art. 29, caput, do Código Penal, pelo que o Ministério Público oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, sejam os denunciados citados para todos os termos do devido processo legal.

 

Inicialmente, da exposição dos fatos contida na denúncia entendo que procede o pedido de emendatio libelli proposto pelo Ministério Público Eleitoral.

A acusação de prática do tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral, mediante omissão ou inserção de dados falsos em processo de prestação de contas, amolda-se à falsidade ideológica em documento público, e não documento particular. Na lição doutrinária, documento público é o escrito emanado de funcionário público no exercício das suas funções (Sylvio do Amaral, Falsidade Documental, 4. Ed., Campinas: Millenium, 2000, p. 10-11).

Nesse sentido, cito jurisprudência do TRE-PR:

EMENTA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - AÇÃO PENAL - DECISÃO QUE REJEITOU A PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO - ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - FALSIDADE IDEOLÓGICA - OMISSÃO DE DECLARAÇÃO QUE DEVIA CONSTAR - PRESTAÇÕES DE CONTAS - DOCUMENTO DE NATUREZA PÚBLICA - PENA MÁXIMA DE 5 ANOS - PRESCRIÇÃO EM 12 ANOS - ARTIGO 109, III, DO CÓDIGO PENAL - RÉU MAIOR DE 70 ANOS - CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL PELA METADE - ARTIGO 115 DO CÓDIGO PENAL - RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ANTES DE DECORIDOS 6 ANOS DOS FATOS - INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.

1. Nos termos do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a prestação de contas eleitoral é documento de natureza pública.

2. A denúncia imputa ao recorrente a conduta de omissão de declaração que devia constar da prestação de contas, logo, o delito imputado é de falsidade ideológica em documento público, cuja pena máxima cominada pelo artigo 350 do Código Eleitoral é de 5 (cinco) anos.

3. Nos termos do artigo 109, III, do Código Penal, os crimes cuja pena máxima está entre 4 e 8 anos prescrevem em 12 anos.

4. Contando o recorrente com mais de 70 anos, aplica-se a regra disposta no artigo 115 do Código Penal, contando-se a prescrição pela metade.

5. Considerando que os fatos tratados na denúncia ocorreram em novembro de 2010 e a denúncia foi recebida em outubro de 2016, não se verifica a ocorrência da prescrição.

6. Recurso em Sentido Estrito desprovido.

(PROCESSO n 618, ACÓRDÃO n 52941 de 17.4.2017, Relator(a) NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 24.4.2017 )

 

Não há nenhum obstáculo à aplicação do instituto da emendatio libelli, pois o réu defende-se dos fatos e não da capitulação legal contida na denúncia.

Nos termos do art. 383 do CPP: “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. O art. 617, por sua vez, estabelece que “o tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, (...) não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”.

Com essas considerações, passo ao exame dos fatos narrados.

 

a) 1° Fato – Doação eleitoral de R$ 35.000,00

O órgão ministerial acusa o denunciado José Arno Appolo do Amaral de ter praticado o delito do art. 350 do Código Eleitoral pelo recebimento, durante a campanha de 2016 para o cargo de Prefeito de Alvorada, de uma doação em dinheiro no valor de R$ 35.000,00, realizada por Vânio Presa e registrado na sua prestação de contas o recebimento de somente R$ 9.300,00, via transferência eletrônica entre contas, ocultando o ingresso, na campanha, de R$ 25.700,00.

Vânio Presa teria praticado o tipo do art. 350 do Código Eleitoral por ter firmado o recibo eleitoral da fl. 131 dos autos (numeração da 124ª Zona Eleitoral), de doação de R$ 9.300,00.

Ocorre que a única prova a fundamentar o pedido de condenação e o cometimento do suposto crime de falso consiste no diálogo de conversa travada entre Vânio Presa e Marcio Souza Barcellos no dia 25.8.2016, no qual o acusado afirma: “já botei trinta e cinco mil, eu não vou botar mais (…) na campanha onde todo mundo vai usufruir do governo”.

Transcrevo o trecho considerado como incriminador pela acusação:

VM1: Mas é a falta de grana, né Márcio? Falta de grana.

MÁRCIO: E o Valter fez o depósito?

VM1: Não, confirmou hoje que vai fazer o depósito de vinte, NE?

MÁRCIO: Sim.

VM1: Só que os outros...ah, hoje é… até liguei pro Valter agora, não sei se os caras vão se queixar pra ele, eu peguei os mesmos (presidentes) do partido antes: “Ô meu, tem três só botando dinheiro na campanha, vocês vão me desculpar gurizada, não sei se vocês tem ou se vocês vão captar, mas… mas só tem três botando dinheiro na campanha. Não boto mais, eu já to falando pra vocês que eu não vou botar mais, já botei trinta e cinco mil, eu não vou botar mais. Eu não vou tá trabalhando na pizzaria pra botar dinheiro na campanha onde todo mundo vai usufruir do governo”. Bah, peguei pesado, NE Márcio? Peguei pesado, pra mim acabou. Eu, a minha cota pra colocar nessa eleição acabou, eu não coloco mais, cara. Porque se todo mundo tiver o mesmo compromisso que eu to tendo… eu não sou candidato.

MÁRCIO: Pois é.

VM1: Eu não sendo candidato, to fazendo isso, eu quero que os outros no mínimo… não precisa fazer igual eu to fazendo, mais tem que ajudar. Bah, peguei pesado com ele. Bah, peguei pesado.

A interceptação foi realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) na Operação Alderman (vereador, em inglês), que resultou na propositura da Ação Penal n. 003/2.16.0009064-9, da 2ª Vara Criminal e Infância e Juventude da Comarca de Alvorada (fl. 1804), na qual o denunciado Vânio Presa e outras quatro pessoas foram condenados por lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Quanto à prova oral, a testemunha arrolada pela acusação, Débora Vargas Paynes Schaf, é servidora do Ministério Público Estadual que trabalhou no Núcleo de Inteligência atuante na Operação Alderman, razão pela qual apenas reafirmou o conteúdo das conversas interceptadas (fl. 71 do Anexo 1).

A testemunha também declarou que as interceptações revelaram promessa realizada pelo candidato José Arno Appolo do Amaral no sentido de que Vânio Presa seria contemplado com um cargo de secretário municipal em caso de vitória na eleição.

Contudo, esse tipo de promessa, apesar de desconcertante, é típica dos bastidores da política e se justifica pela relação de proximidade entre os interlocutores, merecendo ser levado em conta que Vânio Presa desempenhava a função de coordenador da campanha de José Arno Appolo do Amaral e, antes disso, havia sido convidado para integrar sua chapa na condição de candidato a vice-prefeito.

Da mesma forma ocorre quanto ao diálogo transcrito, uma vez que Vânio Presa e Marcio Souza Barcellos eram correligionários e manifestos apoiadores da campanha do candidato José Arno Appolo do Amaral.

As outras testemunhas de acusação ouvidas em juízo, a Policial Militar Fernanda Schneider Mumbach e o Promotor de Justiça Marcelo Tubino Vieira, em nada contribuíram para elucidar o fato (fls. 80-81 e mídia de fl. 82 do Anexo I).

Aliás, embora a referência do Promotor Marcelo Tubino Vieira quanto ao afastamento dos sigilos bancário e fiscal do candidato, essa quebra de sigilo não logrou contribuir como prova sobre a prática do crime eleitoral.

Assim, muito embora a acusação assevere que Vânio Presa “tinha disponibilidade financeira suficiente para injetar trinta e cinco mil reais na campanha eleitoral majoritária do PMDB em Alvorada”, não há nenhuma prova segura de que esse dinheiro tenha efetivamente ingressado na campanha de José Arno Appolo do Amaral, sendo parcos os elementos indiciários a apontar nessa direção.

Outra questão levantada na denúncia e reprisada nas alegações escritas da acusação, mas que não será valorada como prova, é a circunstância de que a doação declarada por Vânio Presa, no valor de R$ 9.300,00, corresponderia a exatos 10% dos seus rendimentos brutos declarados no Imposto de Renda de 2015, que é o limite legal de doação para pessoas físicas.

Examinei repetidas vezes os 9 volumes dos autos principais e seus 2 volumes anexos e não logrei encontrar a referida prova. Todos os documentos resultantes da quebra dos sigilos bancário e fiscal dos réus foram juntados aos autos do Anexo Sigiloso 2 e, na sua fl. 1357, há um relatório de dados fiscais de Vânio Presa que não aponta o valor declarado no IRPF 2015, somente indicando os dados de exercícios fiscais anteriores.

De qualquer sorte, é certo que esse elemento não teria o condão de servir como prova de que Vânio Presa alcançou à campanha doação além da declarada nas contas.

Concluo, assim, pela existência de meros indícios da prática delitiva, os quais são insuficientes para considerar comprovado o fato criminoso, merecendo os acusados ser absolvidos com fundamento no inc. VII do art. 386 do Código de Processo Penal.

 

b) 2º e 3° Fatos (pedido de absolvição da acusação) e 4° Fato – cessão de veículos para campanha

Os fatos 2, 3 e 4 da denúncia merecem análise conjunta.

Inicialmente, observa-se que, nas alegações escritas, a acusação pede a absolvição dos réus, por falta de provas, da imputação descrita no 2° e 3º fatos da denúncia, e a condenação de José Arno Appolo do Amaral e Vânio Presa pela prática do 4° fato.

Nesses fatos, o Ministério Público Eleitoral acusa Vera Lúcia Oliveira de Souza, Sergio Ivã Nunes dos Santos e João Luiz Patrício da Silva (que aceitou a proposta de suspensão condicional do processo) da prática do tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral por terem omitido cessão de automóveis na prestação de contas do candidato José Arno Appolo do Amaral.

O denunciado João Marafiga Dias, por sua vez, é acusado de praticar o mesmo delito pela condução dos veículos sem declarar o serviço na prestação de contas de campanha de José Arno Appolo do Amaral, enquanto que ao candidato foi imputado o crime por ter deixado, igualmente, de registrar os recursos em questão em suas contas.

Vânio Presa, a seu turno, foi acusado de ter intermediado o empréstimo do veículo fornecido por João Luiz Patrício da Silva, proprietário da locadora de veículos JRS Automóveis, em benefício da campanha de José Arno Appolo do Amaral.

Ocorre que, em relação aos denunciados que não concorreram como candidatos nas eleições de 2016, os fatos são atípicos.

A denúncia postulou a condenação dos acusados nas penas do art. 350 do Código Eleitoral, que dispõe sobre o delito de falsidade ideológica eleitoral, verbis:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Como se vê, no tocante à prática omissiva, o tipo prevê a conduta de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, para fins eleitorais.

Logo, para a caracterização do delito em sede de prestação de contas eleitoral, a elementar “declaração que dele devia constar” demanda análise das disposições da Lei das Eleições e da Resolução TSE n. 23.463/15, que regulamenta a prestação de contas da campanha de 2016.

Contudo, os arts. 20 e 21 da Lei das Eleições determinam que apenas o “candidato a cargo eletivo” e “a pessoa por ele designada” são os responsáveis pela administração financeira, pela regular prestação de contas e pelo registro dos recursos movimentados durante a campanha.

De igual modo, o art. 41 da Resolução TSE n. 23.463/15 estabelece que apenas os candidatos e os órgãos partidários têm o dever de “prestar contas à Justiça Eleitoral”.

Ora, se são os candidatos e os partidos políticos os responsáveis pela emissão de recibos eleitorais das doações recebidas (Resolução TSE n. 23.463/15, arts. 3º e 6°) e pela veracidade das informações financeiras e contábeis da campanha (Resolução TSE n. 23.463/15, art. 41, § 2°), somente eles podem ser os sujeitos ativos de falsidade ideológica eleitoral, mediante omissão de dados em prestação de contas de campanha.

Ou seja, se eventuais doadores não têm a responsabilidade de prestar contas à Justiça Eleitoral, não podem ser criminalmente responsabilizados pela omissão de dados nas contas dos candidatos.

Não é só.

A doação de bens estimáveis em dinheiro está regulamentada pelos arts. 53 e 55 da Resolução TSE n. 23.463/15, e o inc. I do § 3º do art. 55 é expresso ao estabelecer a dispensa de comprovação na prestação de contas “a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente”. Veja-se:

Art. 55. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 3º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

Na hipótese dos autos, o limite não parece ter sido extrapolado, pois para cada um desses fatos (2°, 3° e 4°) aponta-se ter havido uma mera cessão temporária do serviço de motorista, em somente duas oportunidades (João Marafiga Dias), e de bens estimáveis em dinheiro, relativos ao uso de três veículos em três oportunidades (pertencentes, respectivamente, aos réus Vera Lúcia Oliveira de Souza, Sergio Ivã Nunes dos Santos e João Luiz Patrício da Silva).

Igualmente, no tocante à imputação atribuída ao denunciado Vânio Presa, consigno que a conduta narrada no 4° fato não constitui tipo penal, sendo atípica a ação de “intermediar” empréstimo de veículo para utilização em benefício de campanha eleitoral.

Assento, assim, ser do candidato e da pessoa por ele designada a responsabilidade pela prestação de contas de campanha à Justiça Eleitoral, sendo a omissão dos eventuais doadores fato atípico do ponto de vista penal eleitoral.

Essa constatação de atipicidade sobrepõe-se à conclusão do órgão acusatório no sentido de que não houve prova suficiente da prática delitiva quanto ao 2° e 3° fatos, conforme consta de suas alegações escritas:

Não há dúvidas de que o veículo Ecosport placas MIK 3428 pertence à VERA LUCIA, e de que o veículo Parati IJI 5566, pertence a SERGIO IVA; bem como que ambos automóveis continham adesivo da campanha eleitoral de APPOLO (fls. 08-18).

Contudo, não há provas de que os veículos tenham, efetivamente, sido cedidos para utilização em prol da campanha de APPOLO, tampouco de que JOÃO MARAFIGA tenha dirigido estes ou outros veículos para promover aquela candidatura.

Contudo, registro que após toda a instrução processual sobressai mais que verdadeira a versão dos acusados Vera Lúcia Oliveira de Souza e Sergio Ivã Nunes dos Santos no sentido de que não cederam seus automóveis e tão somente adesivaram os carros por apoiar a candidatura de José Arno Appolo do Amaral.

Por fim, resta somente analisar o pedido de condenação do candidato José Arno Appolo do Amaral pela prática do 4º fato narrado na denúncia, o único que foi comprovado no bojo da presente ação penal.

Tal imputação refere-se à ausência de registro, na prestação de contas de campanha, de que no dia 26.8.2016 um carro da locadora de veículos JRS Automóveis - empresa cujo proprietário é João Luiz Patrício da Silva, o qual aceitou a suspensão condicional do processo - foi cedido a título gratuito em benefício da candidatura de José Arno Appolo do Amaral para fazer uma viagem de ida e volta de Alvorada a Tramandaí, a fim de buscar sua propaganda eleitoral.

Conforme as alegações escritas da acusação, o fato foi devidamente comprovado pelos seguintes elementos de prova: 

(1) o conteúdo das interceptações telefônicas capturadas no dia 26-08-2016, no sentido de que VÂNIO PRESA tomou emprestado veículo da empresa de JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, a fim de que terceiro fosse até Tramandaí buscar material gráfico;

(2) a existência de relação de compra e venda de material gráfico entre a candidatura de APPOLO e a Gráfica Nochang (aferível pela DANFE emitida no dia 31-08-2016);

(3) a confissão judicial de VÂNIO, no sentido de que efetivamente intermediou empréstimo de veículo utilizado, por terceiro, para buscar material de campanha na Gráfica Nochang;

(4) a ausência de declaração do uso do veículo na prestação de contas da candidatura de APPOLO e

(5) a ausência de comprovação, pelas defesas, de que o material gráfico seria destinado às candidaturas proporcionais e, por isso, estaria declarado nas prestações de contas dos candidatos a vereador, impõem a condenação de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VÂNIO PRESA pela prática do crime de falsidade ideológica com finalidade eleitoral descrito no quarto fato da denúncia.

Cumpre transcrever o trecho da interceptação considerada incriminadora pelo Parquet Eleitoral:

– Diálogo do dia 26/08/2016 às 14h50min13s- números de telefone: (51)92375899 (Alvo da operação) e (51) 92375899 (interlocutor):VM1: Fala, man!Alô! Vânio: Viu, meu, é o Vânio, teu...teu escravo. VM1: Fala, meu amor. Vânio: Cara, ontem eu acertei com o João aí, que ele vai me emprestar um carro aí, tá? Só que assim, eu to tentando falar com ele, não consigo. Eu preciso mandar um cara a Tramandaí agora, buscar um material lá na gráfica. E o cara...esse cara tá sem veículo. Tu consegue autorizar a liberação sem falar com ele? Porque eu não to conseguindo falar com ele. Só...eu não vou ficar com esse carro, só vou a Tramandaí e volto. VM1: Só um pouquinho que eu passo pra ele, tá aqui na frente. Vânio; Mas ele...né, e o celular dele não atende. VM1: É, ele tá lá dentro, tá atendendo...tá atendendo um cliente. Vânio: Tá, tá. VM1: Aguenta aí só um pouquinho. João: Oi. Vânio: João, amor da minha vida, você tá bem, meu amor? João: Tô (ininteligível)...Vânio: Tu tá bem meu amor? João: Tô bem, tô bem, tô em (ininteligível). Vânio:Ah, então tá. Então tá. Ô meu, preciso uma mão tua urgentemente. Eu preciso...eu preciso de um carro pro cara, só ir em Tramandaí buscar um material lá na gráfica, lá na (ininteligível), que eu to aqui em Porto Alegre. Tu pode emprestar um Celtinha desse aí? João: Tá, eu vou ter que ligar… (ininteligível)? Vânio: Agora, ele já tá indo aí, já autorizei pra ir aí. Eu te...eu te...depois eu já te reembolso a gasolina. Eu não vou ficar com ele agora, eu vou ficar com ele só a partir de setembro. Mas eu já te reembolso a gasolina. João: Tá mas ele (ininteligível) com esse carro hoje? Vânio: Volta, volta, seis horas ele tá de volta. Só ir lá e voltar. João: Tá bom. Vânio: Tá? Um beijo. Depois eu passo aí. João: Tá bom. Outro Tá bom, feito.

– Diálogo do dia 26/08/2016 19:30:05 - números de telefone: (51)92375899 (Alvo da operação) e (51) 31020101 (interlocutor) Vânio: Alô.vm1: quem fala?Vânio: oi, por gentileza locação de veículos. VM1: é esse número mesmo. Vânio:Quem tá falando é o Leonardo? VM1: Isso. Vânio: Oh seu Leonardo eu gostaria de locar uma BMW. VM1: Bah...mas daí o Sr. Tem que ir na Eurobike. Vânio: Ah o bichona. O meu preciso devolver aí o Celtinha e pegar o carro do cara que ficou aí na frente da loja. Abre aí pra ele?VM1: Quem é ...quem é que tá falando?Vânio: é o Vânio cara.... VM1: ah e AÍ Vânio.Vânio: eu preciso devolver o Celtinha que eu peguei só pra pegar um material em Tramandaí...já tinha falado com teu pai. E O carro do cara ficou aí na frente da loja, certo?. VM1: Qual carro? Vânio: é um carro que tem aí na frente aí. VM1: NÃO tem nenhum carro aqui. Vânio: tem, estacionado aí na na avenida mesmo. VM1:não tem cara. Vânio: tem sim cara. VM1: o meu cara to olhando na frente da loja Vânio, não tem nada. Vânio: é, ele estacionou do outro lado da rua então. VM1: uhum uhum. Vânio: não não sei.VM1:é um Gol? Vânio: é, é um Gol. VM1:ah tá, tá estacionado do outro lado da rua. Vânio:é tá, é, tá e aí, tu recebe o carro? VM1:sim, diz só pra ele buzinar que eu abro o portão pra ele ali. Vânio: ele tá chegando aí, ele tá chegando aí. VM1: tá, tá bom, só diz pra ele buzinar. Vânio: tá...depois eu vejo com o teu pai o que deu de gasolina aí, daí eu acerto aí. Vm1: tá bom, feito. Vânio: valeu, valeu, feito. M1: Feito.

– Diálogo do dia 26/08/2016 20:45:18- números de telefone: (51)92375899 (Alvo da operação) e (51) 99114310 (interlocutor) VM1:O tu queria falar com o Leonardo, fio. Eu já falei com teu filhinho do coração, amado, idolatrado, salve salve VM1: ah. Vânio: coitado do Bernardo, o único que me atendeu foi o Bernardo. VM1: O q que era? Vânio: era pra entregar o carro.VM1: manda levar amanha de manha lá na loja lá se tu… Vânio: não, já ajeitei com o Leonardo já falei, já ajeitei tudo com ele. VM1: o que tu ajeitou? Vânio: ele vai abrir o portão, ele tá lá. VM1: ah tá, então tá, tá bom. Vânio:ele já abriu o portão. Depois eu vou lá pagar a gasolina, vê lá contigo, depois eu vou lá. VM1: Não vai vir hoje aqui?Vânio: não consigo cara, de baixo e mal tempo. VM1: Vânio, tem que jogar aqui cara. Vânio: eu sei disso, vou perder os votos, vou perder os votos. Onde q tu tá? VM1: to aqui jogando pôquer É meu. Vânio: aí no no no no Jande?VM1: é, ahan. Vânio: ah, não não não tenho como não tenho como. VM1? É? Vânio: tá meu tá bom? depois falamo aí, um abraço VM1: tá bom outro.

Todavia, considero que essa omissão é penalmente irrelevante e não tem força suficiente para atrair a responsabilização criminal do candidato, uma vez que a jurisprudência deste Tribunal está firmada no sentido de que a cessão temporária e pontual de veículo para uso em campanha, sem registro como doação de bem estimável nas contas, constitui falha inexpressiva e incapaz de conduzir ao juízo de desaprovação.

Diante desse tipo de impropriedade, realiza-se somente o aponte de ressalva nas contas, sendo desarrazoada e desproporcional a condenação do candidato por esse motivo na esfera penal. Cito, nessa linha, os seguintes precedentes:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Bens ou serviços estimáveis em dinheiro. Art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica. Doação em desconformidade com o citado regramento. Considerando o valor doado de pequena monta, e a possibilidade de identificação do doador, plausível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 15123, ACÓRDÃO de 11.5.2017, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 80, Data 15.5.2017, Página 4-5)

Recurso. Prestação de contas. Eleições 2008. Doação de material publicitário para campanha sem a correspondente emissão de recibo eleitoral. Desaprovação no juízo originário.

Necessidade de lançamento dos recursos estimáveis em dinheiro na prestação de contas, ainda que provenientes de doações efetuadas dentro do próprio partido.

Irregularidade que, apesar de caracterizar erro material, representa menos de dez por cento do total de despesas da candidata, não comprometendo a fiscalização e a regularidade das contas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 427, ACÓRDÃO de 07.7.2011, Relator DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 118, Data 11.7.2011, Página 02 )

Conforme leciona Suzana de Camargo Gomes, o tipo do art. 350 do Código Eleitoral constitui crime comum, doloso, omissivo ou comissivo, de maior potencial ofensivo (não sujeito aos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95) e gerador de inelegibilidade (Crimes Eleitorais. São Paulo: RT, 3.ed., 2008, p. 341-343).

Nesse crime, o bem jurídico tutelado é a fé pública eleitoral, que deve ser abalada de forma relevante, ou seja: a potencialidade lesiva da conduta praticada - deduzida dos fatos descritos à luz das provas carreadas - deve ser aferida no caso concreto.

No caso concreto, a cópia do extrato da prestação de contas final apresentada pelo candidato - contida na fl. 56 dos autos - aponta que, durante sua campanha para o cargo de prefeito nas eleições de 2016, José Arno Appolo do Amaral recebeu receitas no valor de R$ 122.519,00.

Nessas circunstâncias, é certo que, se estivéssemos julgando as contas do candidato, a ausência de escrituração do uso do veículo da locadora JRS Automóveis para fazer um deslocamento pontual em benefício de sua campanha seria considerada uma falha de natureza formal que jamais causaria prejuízo à integralidade da transparência das contas.

Portanto, a omissão efetivada é incapaz de alterar a condição jurídica das contas do candidato, que foram aprovadas com ressalvas no Juízo da 74ª Zona Eleitoral (PC n. 207-21), sem a interposição de recurso por parte do Ministério Público Eleitoral.

De acordo com remansosa jurisprudência, a omissão que enseja enquadramento normativo como falsidade ideológica deve ser juridicamente relevante, deve objetivar a ocultação de um dado fático capaz de alterar uma situação jurídica para fins eleitorais. Confira-se:

[…] 3. O tipo do art. 350 do Código Eleitoral crime de falsidade ideológica eleitoral requer dolo específico. A conduta de omitir em documento, público ou particular, informação juridicamente relevante, que dele deveria constar (modalidade omissiva) ou de nele inserir ou fazer inserir informação inverídica (modalidade comissiva) deve ser animada não só de forma livre e com a potencial consciência da ilicitude, como também com um "especial fim de agir". E essa especial finalidade, que qualifica o dolo como específico, é a eleitoral. [...] (TSE-Recurso Especial Eleitoral n. 202702, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 65)

[…] 3. Esta Corte firmou a compreensão de que, para caracterização do delito descrito no artigo 350 do Código Eleitoral, exige-se que o documento no qual conste a informação falsa tenha sido preparado para provar, por seu conteúdo, fato juridicamente relevante. […] (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 105191, Acórdão de 01.8.2014, Relatora Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 154, Data 20.8.2014, Página 66-67)

[…] 2. Na espécie, a declaração falsa do paciente de que não havia efetuado movimentação financeira na conta bancária de campanha é irrelevante no processo de prestação de contas de campanha, visto que o art. 30 da Resolução TSE 22.715/08 exige a apresentação do extrato bancário para demonstrar a movimentação financeira. Desse modo, a conduta é atípica, pois não possui aptidão para lesionar a fé pública eleitoral. […]

(Habeas Corpus n. 71519, Acórdão de 20.3.2013, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 77, Data 25.4.2013, Página 63)

Assim, para a configuração da tipicidade material é necessário que a conduta seja juridicamente relevante e capaz de lesionar o bem jurídico tutelado pelo tipo: a fé pública eleitoral, por aplicação direta do princípio da lesividade ou da ofensividade.

Acrescento a esse entendimento a visão garantista que tenho aplicado aos feitos de minha relatoria, no sentido de que em Direito Penal deve prevalecer o princípio da intervenção mínima ou da ultima ratio, não se prestando para atacar ato juridicamente irrelevante do ponto de vista civil.

Concluo, assim, que da narração fática e do caderno probatório constante dos autos extrai-se que a conduta é atípica em virtude da irrelevância da omissão.

Outra questão que corrobora a atipicidade da conduta imputada ao candidato é a falta de demonstração da existência do elemento subjetivo do tipo penal, relativo ao dolo do seu agir.

Conforme se extrai dos autos, a utilização do veículo da locadora JRS Automóveis foi tratada por telefone entre Vânio Presa e João Luiz Patrício da Silva, não tendo sido produzida qualquer prova de que José Arno Appolo do Amaral soubesse do fato.

Porém, para a configuração do ilícito de falsidade ideológica eleitoral deve haver, de forma concomitante, além da realização de algum dos verbos nucleares, o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar o delito, uma vez que não há responsabilização objetiva do candidato.

De todo este cenário, conclui-se que os fatos são atípicos, merecendo ser absolvidos os acusados com fundamento no inc. III do art. 386 do CPP.

Dessa forma, a denúncia merece ser julgada improcedente.

Por fim, cumpre determinar a extensão dos efeitos da decisão absolutória ao acusado João Luiz Patrício da Silva, anteriormente beneficiado com a suspensão condicional do processo, por analogia ao art. 580 do Código de Processo Penal, na linha do entendimento adotado por este Tribunal no julgamento da AP n. 135214, da relatoria do Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, conforme ementa do precedente:

Ação Penal. Crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Prefeito e candidato à reeleição. Eleições 2012. Competência originária deste Regional para julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função. Proposta de suspensão condicional do processo aceita por duas denunciadas. Suposto oferecimento de unidade habitacional e de dinheiro a eleitora em troca do voto. Conjunto probatório alicerçado em depoimentos que não transmitem segurança quanto à materialidade dos fatos alegados. Tampouco evidenciado o dolo específico, consistente na mercancia exigida para a caracterização do tipo penal. Extensão dos efeitos da absolvição às corrés beneficiadas com a suspensão condicional do processo. Improcedência.

(TRE-RS - AP: 135214 ESTÂNCIA VELHA - RS, Relator: DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Data de Julgamento: 02.8.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 141, Data 04.8.2016, Página 9 - 10)

Sobre o tema, cumpre colacionar elucidativa ementa de julgado do TRE-MG no sentido de que a extensão da absolvição ao beneficiado pela suspensão condicional do processo sequer demanda necessidade de revogar a suspensão já homologada, uma vez que a decisão colegiada substitui, naturalmente, quaisquer decisões em contrário:

Ação Penal nº 4461-58.2014.6.13.0000 Zona Eleitoral: 65ª, de Campos Gerais, Município de Campo do Meio/MG Denunciante: Ministério Público Eleitoral Denunciados: Robson Machado de Sá, Prefeito; Vilson Rodrigues Pereira, ex-Prefeito; Guilherme Miarelli Machado, Vice-Prefeito Relator: Juiz Carlos Roberto de Carvalho ACÓRDÃO AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DA LEI Nº 4.737/65. PREFEITO, VICE-PREFEITO E EX-PREFEITO. 1. HOMOLOGAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO EM RELAÇÃO A UM DOS DENUNCIADOS.

(...)

6. EXTENSÃO DA ABSOLVIÇÃO A CORRÉU, GUILHERME MIARELLI QUE ACEITOU A PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. Extensão da absolvição em razão de atipicidade ou por ausência de provas contra os réus. À fl. 580, em audiência no Juízo da 65ª Zona Eleitoral, de Campos Gerais, o Procurador Regional Eleitoral apresentou a oferta de suspensão condicional do processo para todos os acusados. Todavia, somente, o denunciado Guilherme Miarelli aceitou a proposta de suspensão condicional do processo, com as condições impostas à fl. 580, que foi homologada por este Relator, conforme decisão monocrática à fl. 574. Tendo em vista que estou absolvendo os denunciados Robson Machado de Sá e Vilson Rodrigues Pereira e os motivos do crime não são exclusivamente de caráter pessoal, ou seja, ausência de pedido de compra de voto, sendo atípico o fato, portanto, entendo que nesse caso, deve-se estender a absolvição a Guilherme Miarelli que aceitou a proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. A extensão dos efeitos da absolvição a corréu que não recorreu ou porque aceitou suspensão condicional do processo ocorrerá em razão da atipicidade da conduta ou em razão de falta de provas para condenação dos acusados. No concurso de pessoas, não importa o numero de acusados, mas sim que haja apenas um só delito. Os requisitos do concurso de agentes são: 1) pluralidade de comportamentos, 2) nexo de causalidade, 3) vínculo subjetivo ou psicológico, identidade de crime. Presentes esses requisitos no concurso de agentes, pode-se, então, aplicar a regra do art. 580 do CPP, como é o caso dos autos, pois os acusados respondem pelo único crime do art. 299 do Código Eleitoral. A jurisprudência é farta no sentido de que a absolvição por ausência de provas também enseja a aplicação do art. 580 do CPP. Cito julgado do Supremo Tribunal Federal. Revogação ou não da decisão que homologou a suspensão condicional do processo. Outra questão é saber se há necessidade de anular ou revogar a decisão que homologou a suspensão condicional do processo para aplicação do art. 580 do CPC. Entendo que é desnecessário revogar ou anular a referida decisão, uma vez que a decisão colegiada de absolvição substituirá quaisquer decisões contrárias proferidas nos autos. Ademais, a revogação ou anulação de ato jurídico deve ocorrer somente se houve algum vício, mas esse não é ocaso dos autos. Consigno farta jurisprudência tanto do TSE quanto de outros Tribunais Regionais acerca da não necessidade de anular/revogar suspensão condicional do processo para extensão da absolvição. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, PARA ABSOLVER OS DENUNCIADOS ROBSON MACHADO DE SÁ E VILSON RODRIGUES PEREIRA. Com base no art. 580 do CPP, estendo a absolvição a Guilherme Miarelli que aceitou a proposta de suspensão condicional do processo, sem, no entanto, necessidade de revogar a suspensão já homologada, uma vez que esta decisão colegiada substituirá, naturalmente, quaisquer decisões em contrário.

(TRE-MG - AP: 446158 CAMPO DO MEIO - MG, Relator: CARLOS ROBERTO DE CARVALHO, Data de Julgamento: 23.8.2016, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 08.9.2016)

Dessa forma, o denunciado João Luiz Patrício da Silva deve ser alcançado pela presente decisão, que se lastreia na inteligência de não constituir o fato infração penal, conforme disposto no art. 580 do Código de Processo Penal (efeito extensivo do recurso).

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente a denúncia para:

a) acolher o pedido de emendatio libelli proposto pelo Ministério Público Eleitoral, reconhecendo que a prática do tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral em sede de prestação de contas se amolda à falsidade ideológica em documento público;

b) ABSOLVER os acusados JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VÂNIO PRESA dos crimes que lhe foram imputados no 1° Fato com fundamento no inciso VII do art. 386 do CPP;

c) ABSOLVER os acusados VERA LÚCIA OLIVEIRA DE SOUZA, JOÃO MARAFIGA DIAS, SERGIO IVÃ NUNES DOS SANTOS, JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VÂNIO PRESA da acusação de prática 2°, 3° e 4° Fatos com fundamento no inciso III do art. 386 do CPP;

d) ESTENDER os efeitos da absolvição da conduta imputada no 4° Fato ao denunciado JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA, nos termos da fundamentação.

Comunique-se a presente decisão ao Juízo da 124a Zona de Alvorada, devendo o denunciado JOÃO LUIZ PATRÍCIO DA SILVA ser intimado pessoalmente do acórdão.