RE - 48694 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ADRIANA SOARES CAVALCANTE contra a sentença (fls. 58-59) que desaprovou a sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 para o cargo de vereador.

Em seu apelo (fls. 64-66), aduz que não pode ser responsabilizada pela desídia do partido, que poderia ter apresentado prestação retificadora para incluir as doações feitas aos candidatos. Diz que houve descompasso e falta de informações e que suas contas seguiram a normatização legal, não representando hipótese de falhas insanáveis.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou (fls. 70-77v.), preliminarmente, pela anulação da sentença, a fim de que seja observado o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15; no mérito, pela desaprovação das contas; e pela determinação, de ofício, do recolhimento do valor de R$ 630,00 ao Tesouro Nacional.

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, prazo que transcorreu in albis (fl. 83).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

Com razão a douta Procuradoria Regional Eleitoral ao suscitar a preliminar de nulidade da sentença.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, era de rigor que o magistrado determinasse o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força da dicção do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei).

Peço vênia para transcrever as razões ministeriais (fls. 70v.-72):

Da nulidade da sentença

A sentença reconheceu a existência de recursos de origem não identificada, contudo, deixou de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacionalda referida quantia por tratar-se de doação estimada em dinheiro, nos seguintes termos:

[…]

Assim, muito embora a intempestividade na apresentação das contas não tenha o condão de ensejar a desaprovação das contas, a divergência encontrada entre as doações estimadas em dinheiro recebidas pelo candidato e aquelas doadas pelo partido representa uma inconsistência gravíssima, atingindo a confiabilidade das contas, devendo estas serem rejeitadas.

Além disso, a inexistência de comprovação da origem dos recursos recebidos constitui-se em recursos de origem não identificadas que, embora não possam serem restituídos - uma vez que estimados em dinheiro-, acarretam a desaprovação das contas. (grifado).

Ocorre que tal entendimento negou vigência à própria legislação eleitoral, mais precisamente ao art. 26 da Resolução do TSE nº 23.463/15, que assim dispõe, in litteris:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (grifado).

Tem-se que, a fim de evitar as doações ocultas - ante a declaração de inconstitucionalidade do recebimento de doações de pessoas jurídicas a partidos e a candidatos-, permitindo uma efetiva fiscalização da Justiça Eleitoral, a legislação eleitoral exige a identificação do doador dos recursos arrecadados, configurando, em caso de inobservância, doação recurso de origem não identificada, nos termos do art. 26, da Resolução do TSE nº 23.463/15.

Dessa forma, ainda com base no referido artigo, percebe-se que a necessidade de identificação do doador originário é consectário legal de norma cogente e de ordem pública, ensejando a sua inobservância o recolhimento do valor recebido ao Tesouro Nacional.

Ademais, sobre a necessidade de recolhimento de valores equivalentes a arrecadações estimadas em dinheiro, assim se pronunciou o TSE:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. APROVADAS COM RESSALVAS. DOAÇÃO DE BEM ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. ART. 26, § 3º, DA RESOLUÇÃO-TSE Nº 23.406/2014. DOADOR ORIGINÁRIO NÃO IDENTIFICADO. IRREGULARIDADE. APLICABILIDADE DO ART. 29 DA MENCIONADA RESOLUÇÃO. PRECEDENTES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DO VALOR CORRESPONDENTE AOS RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. Os doadores de campanha eleitoral devem ser identificados, inclusive nas doações indiretamente recebidas pelos candidatos, a fim de possibilitar a fiscalização por essa Justiça Especializada, notadamente a fim de se coibir a arrecadação de recursos oriundos de fontes vedadas, nos termos do art. 26, § 3º, da Resolução-TSE nº 23.406/2014, inclusive para doação dos bens estimáveis em dinheiro.

2. O art. 29 da mencionada resolução estabelece o recolhimento ao Tesouro Nacional, pelos candidatos, partidos políticos e comitês financeiros, dos recursos de origem não identificada apurados na prestação de contas de campanha.

3. É que a mens legis de exigir a identificação dos doadores é coibir a utilização de recursos cuja origem não possa ser identificada, culminando, nesse contexto, com a edição de norma regulamentar que determina o repasse da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

4. Ademais, a simples reiteração de argumentos já analisados na decisão agravada e o reforço de alguns pontos, sem que haja no agravo regimental qualquer elemento novo apto a infirmá-la, atraem a incidência do Enunciado da Súmula nº 182 do STJ. 5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 174840, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 27.9.2016, Página 87.) (grifou-se.)

Cumpre transcrever relevante trecho do voto do Exmo. Ministro Luiz Fux:

Frise-se que os recursos oriundos de bens estimáveis em dinheiro constituem espécie de doação eleitoral com as mesmas restrições que incidem sobre os recursos financeiros recebidos pelos candidatos, comitês financeiros e partidos políticos.

Ressalto, por oportuno, que o escopo principal dos processos de prestação de contas é a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da lisura e regularidade das receitas movimentadas e despesas realizadas por candidatos, comitês e partidos políticos, não prescindindo, bem por isso, da identificação originária dos doadores de recursos de campanha, ex vi do ad. 26 do mencionado ato normativo, máxime para se evitar a utilização de recursos provindos de fontes vedadas pela legislação eleitoral.

Da exigência de identificação dos doadores de campanha se infere que a mens legis é coibir a utilização de recursos cuja origem não possa ser identificada, culminando, nesse contexto, com a edição de norma regulamentar que determina o repasse da quantia irregular ao Tesouro Nacional, mesmo porque se a quantia não pode ser utilizada, também não pode ficar à disposição de candidato ou partido. Nesse sentido, no REspe n° 2159-67/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016, se ponderou que "a solução de deixar tais recursos no âmbito do partido nem de longe poderia ocorrer, porque isso seria suprema ilegalidade". (grifou-se)

Tem-se, portanto, que a decisão de primeiro grau, ao não determinar o recolhimento da quantia irregular por tratar-se de bem estimado, não só negou vigência ao art. 26, da Resolução do TSE nº 23.463/15 como ao entendimento jurisprudencial.

Os arts. 11 e 489, §1º, ambos do CPC/15 assim disciplinam:

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. [...]

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...]

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (grifado).

Logo, ante o afastamento da incidência do direito objetivo e da própria jurisprudência pátria, bem como por tratar-se de questão de ordem pública, impõe-se o reconhecimento de nulidade da decisão em questão.

Ressalta-se que, em se tratando de matéria de ordem pública – inobservância do ordenamento jurídico –, não há se falar em incidência do instituto da preclusão.

Nesse sentido, o recente precedente desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. SENTENÇA NULA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VÍCIO INSANÁVEL. ELEIÇÕES 2016.

Preliminar de nulidade da sentença acolhida. Silêncio da sentença com relação à penalidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Não operada preclusão, pois matéria de ordem pública. Vício insanável que conduz nulidade absoluta. Retorno à origem.

Nulidade.

(Recurso Eleitoral n. 31530, Acórdão de 27.6.2017, Redator para o acórdão: DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 114, Data 3.7.2017, Página 3.) (Grifei.)

Portanto, o magistrado da 142ª Zona Eleitoral, ao considerar a importância de R$ 630,00 como de origem não identificada, negou vigência ao disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao deixar de determinar o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional.

ANTE O EXPOSTO, acolho a matéria preliminar, ao efeito de anular a sentença para que seja prolatada nova decisão, com a incidência do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

É como voto, Senhor Presidente.