RE - 49641 - Sessão: 27/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MÁRCIO RINALDO OLIVEIRA MOREIRA, concorrente ao cargo de vereador, contra sentença do Juízo da 142ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista a declaração de doações recebidas do partido, sem o correspondente registro nas contas da agremiação (fls. 60-62).

Em suas razões recursais (fls. 67-69), alega que não pode ser prejudicado pela desídia do partido. Argumenta ter sido uma eleição tumultuada, com conflitos e confusões partidárias, situação que perdurou também na fase de prestação de contas. Requer a aprovação destas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 73-80v.).

Em razão da nulidade da sentença suscitada pelo órgão ministerial, foi aberto prazo ao recorrente, para que se manifestasse sobre a preliminar, transcorrendo in albis o prazo (fl. 86).

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR:

Tempestividade:

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no dia 18.5.2017 (fl. 63), quinta-feira, ao que se seguiu a interposição do recurso, no dia 22 do mesmo mês (fl. 67), segunda-feira.

 

Nulidade da sentença:

Preliminarmente, a sentença desaprovou as contas em razão da existência de doação proveniente do partido declarada pelo candidato, a qual, entretanto, não foi registrada na prestação de contas da agremiação.

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à determinação expressa do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual determina o recolhimento ao Tesouro de valores provenientes de origem não identificada.

Ressalta o órgão ministerial que a inobservância do ordenamento jurídico, matéria de ordem pública, não está acobertada pela preclusão, razão pela qual os autos devem retornar à origem, para que nova decisão seja proferida.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Não se verifica, na sentença recorrida, a omissão de um dever legal, mas o entendimento do magistrado em sentido contrário ao adotado pelo órgão ministerial.

A sentença reconhece que a inconsistência das declarações leva à ausência da origem dos recursos; no entanto, justifica o não recolhimento dos valores porque a doação foi estimável em dinheiro (fls. 61-62): “[...] a inexistência de comprovação da origem dos recursos recebidos constitui-se em recursos de origem não identificadas que, embora não possam ser restituídos – uma vez que estimados em dinheiro –, acarretam a desaprovação das contas”. (Sem grifo no original).

Embora a sentença não tenha seguido a orientação firmada pelo TSE, no sentido de que também deve ser determinado o recolhimento do valor equivalente a doações estimáveis em dinheiro (TSE, RESPE n. 175617, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE 15.9.2016), o certo é que fundamentou a sua decisão.

Não se trata, portanto, de omissão da sentença a respeito da consequência de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, mas de uma interpretação da norma, expressamente fundamentada, no sentido da inviabilidade ou da inadequação do recolhimento no caso concreto.

Nesta hipótese, em que a sentença fundamenta a ausência de recolhimento do valor, não se está diante de nulidade, pois o juiz não se omitiu na aplicação de uma norma de ordem pública, mas a interpretou dentro dos limites do razoável, situação que apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei, e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, conforme pacífica jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula n. 28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

Do exposto, máxime em face da ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecidas a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

 

MÉRITO:

No mérito, a sentença desaprovou as contas em razão de divergências existentes entre as contas do candidato e do partido político. O prestador declarou ter recebido doação estimável em dinheiro do órgão de direção municipal, mas tal doação não constou na prestação de contas de campanha da agremiação.

Falhas dessa natureza, decorrentes da inconsistência de informações extraídas de cruzamento de dados, prejudicam a confiabilidade das contas, pois os gastos declarados pelos prestadores não são confirmados por dados externos à prestação de contas, obtidos pela Justiça Eleitoral com o intuito de aferir a segurança das declarações prestadas.

Nesse sentido é a jurisprudência:

Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014. Persistência de irregularidades insanáveis, mesmo após a juntada de documentos e prestação de contas retificadora por parte do candidato. A retificação das contas realizada apenas pelo candidato, com a manutenção da prestação de contas do Comitê Financeiro Único do partido, importou na divergência de informações entre os dados declarados, uma vez que os recibos eleitorais anteriormente informados foram modificados no que tange aos valores e à origem dos recursos. A alteração unilateral, feita pelo candidato, sem a anuência dos doadores originários, carece de confiabilidade. Necessidade de convergência entre as informações sobre os recursos que foram movimentados entre o candidato e o Comitê. Desaprovação.

(TRE-RS, Prestação de Contas n. 240615, ACÓRDÃO de 03.12.2015, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 91, Data 11.12.2015, Página 6.)

Ademais, a doação recebida pelo candidato, ainda que não registrada pela agremiação, pode ser comprovada pelo prestador por meio de recibo eleitoral, de emissão obrigatória para toda arrecadação de recursos de campanha, nos expressos termos do art. 6º da Resolução TSE n. 23.463/15.

Da mesma forma, a jurisprudência admite que a inconsistência seja esclarecida pelo candidato por outros meios de prova idôneos, capazes de justificar a divergência e evidenciar a correção da declaração, como se extrai da seguinte ementa:

[…] DECLARAÇÃO, FEITA PELO PARTIDO, DE DOAÇÕES À CANDIDATA, QUE, CONTUDO, NÃO FORAM REGISTRADAS POR ESTA NAS CONTAS EM EXAME - OMISSÃO DE RECURSOS OCORRIDA POR EQUIVOCO - DIVERGÊNCIA ENTRE AS CONTAS DO PARTIDO DOADOR E AS CONTAS DA CANDIDATA ESCLARECIDA - ANOTAÇÃO DE RESSALVA.

Apesar de ter havido omissão de recursos, anota-se apenas uma ressalva para essa irregularidade, pois, além de os recursos omitidos serem estimáveis em dinheiro, com a manifestação da candidata, corroborada com a apresentação de documentos fiscais, a divergência entre as contas em julgamento e as contas do partido doador restou esclarecida. […] (TRE-SC, PRESTACAO DE CONTAS n. 152117, ACÓRDÃO n. 31007 de 27.7.2015, Relator JOÃO BATISTA LAZZARI, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 130, Data 04.8.2015, Página 6-8.)

Assim, não se trata de responsabilizar o prestador pela desídia do partido, pois teria ele condições de comprovar a sua declaração ou, ao menos, esclarecer a divergência, o que não ocorreu no caso concreto.

Não foram juntados todos os recibos das doações ou notas fiscais capazes de evidenciar a veracidade dos registros realizados. Alegou o prestador que a agremiação teria corrigido a divergência em prestação de contas retificadora, mas tal retificação não foi realizada, conforme registrou a responsável técnica pelas contas (fl. 32 e v.).

Das doações estimáveis não comprovadas, foi demonstrada somente a doação de R$60,00, mediante o recibo eleitoral da folha 28, e de R$ 83,17, mediante o recibo da folha 29, restando sem esclarecimento o valor de R$ 570,00, que corresponde a 37,42% do total arrecadado.

Assim, afigura-se grave a falha apurada, pois diz respeito à segura identificação do doador e representa montante considerável dos recursos arrecadados, devendo-se manter a desaprovação das contas.

 

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar suscitada e pelo desprovimento do recurso.