RE - 20164 - Sessão: 05/09/2017 às 17:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por DANGELO MOTTA SOARES contra sentença do Juízo da 122ª Zona Eleitoral (fl. 37-v.), que desaprovou suas contas referentes à campanha eleitoral de 2016 e determinou, com fulcro no art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.500,00, em face do recebimento de doação mediante depósito bancário em espécie.

Em suas razões (fls. 39-45), o candidato aduz que as arrecadações consideradas de origem não identificada foram realizadas por meio de “depósito identificado” em sua própria conta-corrente, e que foram emitidos os respectivos recibos eleitorais; outrossim, argumenta que, no pleito eleitoral de 2016, foram introduzidas novas regras, o que dificultou a observância total do preceito. Requer, ao final, o provimento do recurso, para que as contas sejam aprovadas.

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 53-54v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão da incontroversa irregularidade na arrecadação de recursos financeiros pelo candidato, porquanto foi recebida doação financeira de valor superior a R$ 1.064,10, realizada por meio de depósito em espécie em sua conta-corrente de campanha.

A mácula configurou-se no depósito em conta bancária de campanha, pelo próprio candidato, da importância de R$ 1.500,00, realizado de forma distinta da opção de transferência eletrônica, o que afronta o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II – doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. (Grifei.)

Inicialmente, embora o recorrente afirme que recursos próprios não são doações, anoto que, na sistemática da prestação de contas eleitoral, todo ingresso ou arrecadação é considerado doação.

O § 2º do art. 6º da resolução supramencionada determina a emissão de recibo para toda doação, ao passo que o caput do dispositivo prevê a necessidade de emissão de recibo para “toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet”.

Logo, nesse contexto, é possível deduzir que doação é “toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet”.

Conclui-se, daí, pela possibilidade jurídica de o candidato fazer doação para si próprio, de forma que deve ser afastado o argumento do recorrente em sentido diverso.

Do mesmo modo, a pessoa do candidato e a pessoa do eleitor não são juridicamente o mesmo sujeito, tanto que aquele, a partir do registro da candidatura, passa a movimentar recursos vinculados ao número de registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), enquanto o eleitor continua identificado pelo número de inscrição no CPF/MF.

Quanto ao argumento utilizado pelo recorrente em relação à modernidade do regramento vigente no pleito de 2016, não há como admiti-lo. É mister de quem se lança como candidato estar a par daquilo que lhe é exigido pelo ordenamento jurídico. Tal princípio é expresso no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Ainda que assim não fosse, anoto que, por ocasião das Eleições 2016, a Justiça Eleitoral elaborou material de auxílio aos candidatos (Cartilha) e contadores (Manual) em relação à prestação de contas. Esse material de apoio foi disponibilizado gratuitamente a qualquer interessado no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, podendo ser acessado em http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2016/prestacao-de-contas/material-didatico.

Na mencionada cartilha, de maneira bastante didática, consta na página 20:

NOVO!

• As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. As doações financeiras realizadas em desacordo com esse procedimento não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, ou, na impossibilidade, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Como se percebe, embora o conhecimento das normas aplicáveis possa ser legitimamente exigido daqueles que participaram do pleito, a Justiça Eleitoral desenvolveu ações buscando levar ao conhecimento geral, de maneira simplificada, as informações relevantes sobre a prestação de contas.

De outra banda, quanto ao recolhimento dos valores arrecadados em campanha com infringência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, esta Corte recentemente firmou posicionamento no sentido da necessidade de seu repasse integral ao Tesouro Nacional. Vejamos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato.

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(E.Dcl. no RE 203-27.2016.6.21.0092, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, Sessão de 26.7.2017.)

Em respeito ao precedente e com intuito de dar aplicação ao disposto no art. 926 do Código de Processo Civil, em relação à jurisprudência dos tribunais e na busca de sua estabilidade, integridade e coerência, deve ser mantida a sentença também nesse ponto.

Na sequência, anoto que a quantia de R$ 1.500,00 equivale 37,85% do total das receitas de campanha (fl. 06), não havendo espaço para aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em conta tanto o valor absoluto quanto o percentual que a irregularidade representa.

Registro que, diferentemente de outros casos apreciados pela Corte, não há, nestes autos, indícios que possam lastrear a origem do depósito de R$ 1.500,00 na conta do candidato.

Com efeito, houve um saque no valor de R$ 1.500,00 da conta pessoal do candidato (fl. 32) em 31.08.2016 e o depósito em sua conta de campanha apenas ocorreu em dinheiro em 26.09.2016 (fl. 31).

Assim, apesar da identidade do valor, não se verifica coincidência temporal, o que inviabiliza a demonstração da gênese do numerário.

Dessa forma, constatando-se irregularidade nas contas, e não apenas falha formal, não há espaço para a Justiça Eleitoral decidir por sua aprovação sem ressalvas, pois violaria frontalmente o disposto no art. 68, inc. I, do retromencionado diploma normativo:

Art. 68 Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 66, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo:

I – pela aprovação, quando estiverem regulares;

II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade;

III – pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade;

IV – pela não prestação, quando, observado o disposto no § 1º:

a) depois de intimados na forma do inciso IV do § 4º do art. 45, o órgão partidário e os responsáveis permanecerem omissos ou as suas justificativas não forem aceitas; ou

b) não forem apresentados os documentos e as informações de que trata o art. 48, ou o responsável deixar de atender às diligências determinadas para suprir a ausência que impeça a análise da movimentação dos seus recursos financeiros. (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de DANGELO MOTTA SOARES referentes à campanha eleitoral de 2016 e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.500,00.