RE - 54121 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 155-160) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença (fls. 147-150v.) do Juízo da 150ª ZE, a qual julgou improcedente representação pela prática de captação e uso irregular de recursos financeiros (art. 30-A da Lei n. 9.504/97) por parte de CILON RODRIGUES DA SILVEIRA (prefeito de Xangri-lá) e ÉRICO DE SOUZA JARDIM (vice-prefeito).

Nas razões, entende necessária a reforma da sentença, questiona a valoração dada pelo Juízo de origem à prova colhida e insurge-se contra a decisão absolutória, de maneira que a conduta dos recorridos amoldar-se-ia à perfeição ao disposto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Refere, dentre outras circunstâncias fáticas, que nem mesmo as despesas referentes ao Comitê Central da Coligação teriam sido declaradas. Entende que as omissões influenciaram diretamente na lisura do pleito, e requer o provimento do recurso, com o fim de reformar a sentença.

Com contrarrazões (fls. 166-192), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 195-200v.), que opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, interposto dentro do prazo de três dias, previsto no art. 30-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 06.6.2017, conforme certidão da fl. 154, e a irresignação foi protocolada no terceiro dia subsequente, 09.6.2017, conforme fl. 155.

Sem preliminares.

A demanda funda-se no art. 30-A da Lei das Eleições, que possui o seguinte teor:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

De início, cumpre tecer algumas considerações sobre a matéria.

O art. 30-A da Lei n. 9.504/97 trata da captação e dos gastos ilícitos de recursos, ambos com finalidade eleitoral.

Portanto, para a aplicação do art. 30-A, o ingresso e o dispêndio do recurso financeiro na campanha eleitoral há de ser realizado em desacordo ao disposto na Lei n. 9.504/97, especificamente no que concerne às regras reguladoras da arrecadação e dos gastos de recursos durante a campanha.

Nessa linha de ideias, a ilicitude poderá estar na forma de recebimento de recursos que seriam, em princípio, lícitos – por exemplo, valores que não tenham transitado pela conta obrigatória do candidato, consoante o art. 22, caput, da Lei n. 9.504/97, ou ainda, no recebimento de recursos ilícitos em si mesmos, v.g., doação efetuada por concessionário ou permissionário de serviço público - fonte vedada, conforme o art. 24 do mesmo diploma.

O comando legal visa evitar o desequilíbrio da disputa entre os candidatos. De modo reflexo, há o prestígio da transparência na arrecadação e nos gastos dos candidatos que participam do processo eleitoral com obediência às normas da Lei n. 9.504/97.

Nesse viés, tanto a doutrina aponta que o art. 30-A protege “a higidez das normas relativas à arrecadação e gastos eleitorais” e “a lisura da campanha eleitoral” (ZÍLIO, 2012, p. 567 e seg.) quanto a jurisprudência do TSE refere que o bem jurídico tutelado pelo mencionado dispositivo é a moralidade das eleições. (TSE, RO n. 1540, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 01.6.2009.)

O referido julgado deixou assentado ainda que o juízo de procedência da representação por captação e gastos ilícitos de recursos deve ser pautado pelos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade, pois “a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2° do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

A partir de então, a praxe de julgamento da Justiça Eleitoral – no que se refere ao sancionamento pela desobediência ao art. 30-A – tem passado, invariavelmente, pela realização de juízo de ponderação frente ao quadro fático/probatório. Tal raciocínio se presta, por vezes, para afastar a pena de cassação (TRE-RS, RE n. 254-30, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 02.8.2017; TRE-RS, RE 451-58, Relator Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 02.8.2017) e, noutras, para aplicar a reprimenda mais gravosa (TRE-RS, Rp n. 4-63, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado em 10.5.2011).

E há critérios para mensurar a gravidade da conduta.

A jurisprudência do TSE indica que, para a aplicação da severa pena de cassação do registro ou diploma, devem estar evidenciados dois requisitos: a comprovação da arrecadação ou gasto ilícito, bem como a relevância da conduta praticada:

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE n. 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei n. 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 274641, Acórdão de 18.9.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 199, Data 15.10.2012, Página 3.)

 

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. 1. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 2. No caso dos autos, as omissões relativas a determinados gastos de campanha não possuem gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente, na medida em que no ficou comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois. 3. Recurso ordinário provido.

RECURSO ORDINÁRIO n. 393-22.2011.6.04.0000/AM Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 01.8.2014.)

Ainda, a ponderação é de ser feita no momento do sancionamento da conduta, pois a caracterização da infração do art. 30-A independe de prova da lesão. E o TSE consolidou o entendimento de que é desnecessária a prova da potencialidade da conduta em influir no resultado do pleito, pois a exigência tornaria “inócua a previsão contida no art. 30-A, limitando-o a mais uma hipótese de abuso de poder”. Para a Corte Superior, “o bem jurídico tutelado pela norma revela que o que está em jogo é o princípio constitucional da moralidade (CF, art. 14, incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97”, sendo necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato, e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Ao caso concreto.

O juízo a quo entendeu por negar procedência à representação, fundamentalmente por entender que os fatos ocorridos – discrepâncias contábeis na prestação de contas dos recorridos – não possuem relevância suficiente para a caracterização do ilícito previsto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Em resumo, a magistrada procedeu a uma cisão entre as irregularidades de cunho contábil – presentes na prestação de contas desaprovada dos candidatos eleitos CILON e ÉRICO – e as alegações de prática de arrecadação e gasto ilícito de recursos eleitorais, conhecida também por “caixa dois”.

Transcrevo trecho da sentença, especialmente aquele constante às fls. 148-150, adotando, desde já, como razões de decidir, tanto a descrição dos fatos como a fundamentação para a improcedência da demanda:

No caso em tela, noticia o representante a existência de despesas realizadas pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT de Xangri-Lá em prol da campanha dos representados, sem ter ocorrido o correspondente registro na prestação de contas destes dos recursos estimados recebidos da agremiação.
As despesas declaradas pelos representados estariam bem aquém das despesas declaradas pelos concorrentes ao mesmo cargo, revelando forte indício do denominado “caixa dois”.

Em que pese o argumento lançado pelo Parquet, acerca da desarmonia verificada entre as despesas declaradas pelos representados e os concorrentes ao mesmo cargo, verifico que, conforme consta da inicial e documentos juntados com esta, as despesas totais registradas que constam na prestação de contas do Partido somam o montante de R$ 51.140,00, sendo que os concorrentes ao mesmo cargo, Antônio Bento Carvalho e Celso Bassani Barbosa, declararam despesas no montante de R$ 41.653,00 e R$ 48.024,35, respectivamente, não havendo, portanto, disparidade significativa entre as despesas declaradas pela agremiação e as despesas declaradas pelos concorrentes.

Ademais, o valor das despesas contabilizado pela agremiação, R$ 51.140,00, encontra-se bem aquém do limite de gastos, estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral para o cargo de prefeito no município de Xangri-Lá, qual seja R$173.501,70.

Com isso, no que tange o valor das despesas declaradas pelo Partido, não vislumbro do conjunto probatório carreado aos autos a evidência de abuso de poder econômico ou existência de ilícitos que possuam relevância jurídica com o condão de comprometer a moralidade da eleição realizada, porquanto o valor das despesas declarado pelo Partido Democrático Trabalhista PDT de Xangri-Lá é compatível com o valor declarado pelos concorrentes e encontra-se dentro do limite de gastos, estabelecido para o cargo de prefeito naquele município, relativo às Eleições Municipais de 2016.

Da mesma forma, quanto ao indicativo da existência do denominado “caixa dois”, não há nos autos dúvidas acerca da origem e destinação dos recursos arrecadados e aplicados na campanha eleitoral dos representados.

Embora os recursos arrecadados pelo Partido tenham sido direcionados para a campanha eleitoral dos representados, sem a devida contabilização na prestação de contas destes, ficou comprovado pelos documentos carreados com a inicial e pela defesa apresentada que todas as despesas foram devidamente contabilizadas na prestação de contas do Partido Democrático Trabalhista PDT de Xangri-Lá (PC 504-91.2016.6.21.0150), não havendo elementos aptos, portanto, para ensejar uma condenação à cassação dos diplomas conquistados pelos candidatos eleitos, sob o argumento da existência do denominado “caixa dois”.

[...]

Outrossim, não há nos autos, da mesma forma, a comprovação de que o Partido Democrático Trabalhista - PDT de Xangri-Lá tenha arrecadado recursos de fontes ilícitas, para após serem direcionados para a campanha dos representados, resultando em infração ao art. 30-A da Lei das Eleições.

O Processo PC 504-91.2016.6.21.0150 foi julgado antes da presente representação, sendo que desaprovei as contas apresentadas pela agremiação, com base no art. 29, inc. XIV, art. 48, inc. I, “e”, e art. 68, inc. III, todos da Resolução TSE 23.463/2015, não constando, contudo, dos referidos dispositivos legais, qualquer menção à identificação de fontes vedadas na referida prestação de contas apresentada, conforme proibição contida no art. 25 daquela Resolução.

Por derradeiro, cumpre esclarecimento acerca de argumentos lançados pelos representados, conforme defesa e alegações finais apresentadas, pois tenho que devem ser vistos com cautela.

Primeiramente, a transparência das contas apresentadas, tanto pela agremiação quanto pelos representados, restou maculada sim por conta de infração ao art. 48, inc. I, “e” da Resolução TSE 23.463/15, pois o Partido deveria ter registrado as doações realizadas aos representados, e infração ao art. 48, inc. I, “c” do mesmo diploma legal, pois os representados deveriam ter lançado na respectiva prestação de contas as doações estimadas recebidas do Partido, não prosperando os argumentos dos representados acerca da desnecessidade de lançamento dos referidos valores, pois todas as informações que constam no art. 48, inc. I da referida Resolução deveriam ter sido lançadas diretamente no Sistema SPCE, inclusive as referentes a doações e recebimentos de recursos estimados.

Não prospera, ainda, a alegação de que para a prestação de contas apresentada pelo Partido seja adotado o sistema simplificado, eis que o referido sistema simplificado é aplicável somente a candidatos, conforme expressamente previsto no art. 57, da resolução TSE 23.463/15.

A ausência do registro das doações realizadas pelo Partido aos candidatos ao pleito majoritário, bem como do registro do recebimento por parte destes, conforme verificado nos processos de prestação de contas envolvidos, comprometeu a transparência das contas apresentadas, porquanto não é possível a qualquer cidadão a consulta ao Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de verificar a aplicação dos recursos arrecadados e aplicados pelos prestadores, a menos que consulte a presente representação, o que vai de encontro ao estabelecido no art. 89, §único, da Resolução TSE 23.463/15.

A transparência foi comprometida nos processos de prestação de contas dos representados e do Partido, ensejando a desaprovação das referidas contas, sem, contudo, ter o condão para condenação daqueles por infração ao art. 30-A da Lei das Eleições.

Outra tese apresentada pelos representados e que também merece ser vista com reservas, consta da recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (fls. 103/104), pois a denominada "desorganização contábil da campanha eleitoral" não deve ser vista como uma regra em pequenos municípios, mas sim como uma exceção.

No município de Xangri-Lá concorreram três chapas ao pleito majoritário, sendo que a denominada "desorganização contábil de campanha" foi verificada somente na chapa dos representados.

Necessário salientar que este Juízo realizou reunião preparatória para as Eleições Municipais de 2016, em 13.07.2016, direcionada aos representantes partidários pertencentes a esta Jurisdição, da qual participaram os representados, tendo como pauta assuntos relacionados a registro de candidaturas, propaganda eleitoral e prestação de contas, com recomendações expressas visando a uma melhor organização dos eventuais concorrentes ao pleito.

O representado Cilon Rodrigues da Silveira acumulou durante a campanha eleitoral 2016 as funções de presidente do Partido Democrático Trabalhista - PDT de Xangri-Lá, representante da Coligação "Xangri-Lá no Caminho Certo", prefeito de Xangri-Lá e candidato à reeleição.

O exercício simultâneo de tantas funções por uma única pessoa certamente foi um dos fatores que contribuiu para a alegada "desorganização contábil da campanha eleitoral".

Portanto, em homenagem ao princípio Nemo Auditur Propriam Turpitudinem Allegans, inaceitável o argumento de que a desorganização contábil seria uma situação normal em pequenos municípios, quando o candidato Cilon Rodrigues da Silveira, de forma temerária, acumulou todas as tarefas anteriormente citadas.

Tanto assim que as falhas verificadas revelaram-se plenamente aptas a ensejar a desaprovação das contas dos representados, bem como das contas do Partido Democrático Tabalhista - PDT de Xangri-Lá.

Contudo, como já mencionado anteriormente, a desaprovação da contas, por si só, não a induz a procedência automática de representação por abuso de poder econômico, abuso este que precisa ser devidamente comprovado, o que não se verificou no caso dos autos, cujo caderno probatório carreado revelou-se insuficiente para condenação dos demandados pela infração capitulada no art. 30-A da Lei das Eleições.

Pois bem.

Conforme ZILIO (Direito Eleitoral, 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 664):

Captar é atrair, conquistar, obter recursos. Em suma, a conduta de captação pressupõe o ingresso efetivo de recursos materiais no âmbito da campanha eleitoral. Assim, o mero pedido de recurso, a oferta do crédito ou a promessa de doação futura não configuram o elemento normativo do tipo. A captação pressupõe o ingresso do recurso financeiro no caixa de campanha; portanto, é um ato de conduta material. Não basta o aporte financeiro para a consumação da figura normativa do art. 30-A da LE, pois é proscrito o ilegal ingresso de recurso financeiro na campanha eleitoral. De conseguinte, o recurso financeiro deve ser necessariamente ilícito para a configuração do tipo previsto no art. 30-A da LE. Somente o efetivo aporte ilegal de recursos financeiros na campanha eleitoral é que configura o ilícito. (Grifei.)

Como já indicado, a captação ilícita de recursos pode se dar sob dois caminhos: o primeiro, a figura conhecida do “caixa dois”, qual seja, a movimentação financeira estranha à prestação de contas, aqueles valores que, utilizados na campanha eleitoral, não foram devidamente indicados pelo partido, coligação ou candidato. Essa é a figura clássica do art. 30-A e, uma vez comprovada a prática, é suficiente para a incidência da norma.

A segunda via da prática reprimida pelo art. 30-A é daquele recurso que, devidamente declarado na prestação de contas, tem sua origem ilícita. Neste caso, contudo, há a necessidade de prova da origem ilegal do valor, não bastando a presunção de que ele, por possuir origem desconhecida ou não comprovada, venha carregado de ilicitude na obtenção.

E, de fato, nas prestações de contas relativas à campanha eleitoral para o pleito majoritário, é clara a “falta de sintonia” entre o total de despesas declarado pelo PDT de Xangri-lá – R$ 51.140,00 – e o valor indicado pelos recorridos como total de receitas oriundas da agremiação – R$ 10.292,00 –, conforme parecer técnico contábil constante à fl. 56 dos autos.

Não escapa, igualmente, “na desorganização contábil”, que a quantidade de material de propaganda eleitoral utilizada pela candidatura dos recorridos, assim como aquele disponibilizado para a utilização em programa de radiodifusão e a ausência de registros de tais despesas na respectiva prestação de contas configuraram falhas que acarretaram a desaprovação das contas, ocorrida no processo n. 376-71.2016.6.21.0150, como ressaltado pelo juízo de origem.

Contudo, para a análise sob a ótica do art. 30-A, o patamar probatório para uma condenação não foi alcançado, pois os valores constam na prestação de contas da candidatura – ou seja, não há como se concluir, ao menos nos autos, que tenha havido a prática de “caixa dois” – manejo de valores à margem da conta de campanha eleitoral –, tampouco resta comprovada a origem ilícita dos recursos – houve irregularidades e acumulação de funções de parte de CILON RODRIGUES DA SILVEIRA, circunstâncias que não demonstram, em si mesmas, a gênese ilícita dos recursos alegada pelo Ministério Público Eleitoral.

É que aqui, na representação com suporte no art. 30-A, a prova da origem ilícita dos recursos cabe a quem alega, viés de ônus probatório diverso dos processos de prestações de contas, feitos nos quais, para receber a aprovação, devem os candidatos comprovar, minudentemente, a origem de todo e qualquer valor que envolva a respectiva campanha eleitoral.

Há, é certo, prova de irregularidades de cunho contábil: a ausência de dados de receita, a discrepância de valores recebidos do partido político, a omissão de gastos relativos a aluguel e demais despesas de campanha.

Todavia, após a verificação dessas falhas contábeis, para a condenação do art. 30-A da Lei das Eleições, tornava-se imperiosa a demonstração da origem ilegal; por exemplo, recebida de governo estrangeiro, de pessoa jurídica ou de entidade de classe (origem ilegal em si), ou ainda a prova cabal de trânsito irregular de valores (valores inicialmente legais que, devido ao procedimento de remessa ou recebimento, tornaram-se recursos ilícitos).

Nos autos, não há tal comprovação. Há, é inegável, uma sensação de “estranheza” – para usar o termo exato utilizado pelo Ministério Público recorrente –; contudo,  insuficiente para a construção de um juízo condenatório.

Portanto, o que se extrai dos autos (em que pese o cuidadoso recurso) é a ausência de consistência probatória no relativo à ilicitude na arrecadação, absolutamente necessária para suportar um juízo condenatório, mormente se consideradas duas circunstâncias: a primeira, a natural primazia de legitimidade, que é inerente ao resultado das urnas; a segunda, a gravidade da pena de cassação de diploma. Somente uma estrutura de prova robusta seria capaz de romper tais situações, o que não ocorre no caso.

Nessa linha, a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. AIJE. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. REVOLVIMENTO. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO. PRECLUSÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme dicção do art. 138, § 1 0, do CPC, impedimento de magistrado deve ser suscitado em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que couber à parte interessada falar nos autos, o que não se verificou na espécie. Ocorrência de preclusão. 2. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 3. No caso, a Corte Regional assentou a inocorrência de abuso de poder e captação ou gastos ilícitos de campanha, não sendo possível extrair do quadro fático delineado na origem, elementos hábeis a subsidiar conclusão em sentido diverso. Incidem as restrições das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF. 4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AI n. 1588-72-SP. Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO. Unânime, julgado em 27.5.2014.) (Grifei.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. IMPROCEDÊNCIA. PREFEITO E VICE. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. CONTA DE CAMPANHA. FONTES NÃO IDENTIFICADAS. CAIXA DOIS. ORIGEM ILÍCITA. NÃO COMPROVADO. DESPROVIMENTO. ELEIÇÃO 2016.

Qualquer partido poderá representar à Justiça Eleitoral para apurar condutas relativas à arrecadação e gastos ilícitos de recursos. O art. 30-A da Lei das Eleições tem por desiderato fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente. A medida repressiva de cassação ou denegação do diploma deve ser proporcional à gravidade da conduta praticada, devendo ser aplicada quando comprometer seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos.

Realizados depósitos em espécie na conta de campanha, em infringência à legislação que prevê a obrigatoriedade de transferência bancária. Valores de origem não identificada. Não comprovada a prática de “caixa dois”, pois as quantias constam na prestação de contas da candidatura, e tampouco a origem ilícita dos recursos. Caracterizada, somente, irregularidade de cunho contábil a ser considerada no processo próprio. Ausência de consistência probatória no relativo à ilicitude na arrecadação, circunstância que impede eventual juízo condenatório. Provimento negado.

(RE n. 310-48, julgado em 23.8.2017, de minha relatoria. Unânime.)

 

Diante da ausência de provas cabais da prática de captação e gastos ilícitos eleitorais, o recurso deve ser desprovido.

Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso.