RE - 38873 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por VAGNER DOMINGUES GARCIA, referente à campanha eleitoral de 2016, contra sentença que julgou desaprovadas suas contas, ante as irregularidades identificadas, com fundamento no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional (fls. 71-73 e v.).

Nas suas razões (fls. 118-124), alega que a não conversão do rito em ordinário prejudicou a sua defesa. Sustenta a regularidade da escrituração dos serviços advocatícios, ao argumento de terem sido destinados à consultoria jurídica, e não à atuação no processo judicial da prestação das contas. Ao final, requer a reforma da sentença, a fim de aprovar as contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento dos documentos juntados após a sentença e, no mérito, pelo desprovimento do apelo (fls. 129-134).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no mural eletrônico em 14.12.2016, quarta-feira (fl. 74), e o recurso apresentado em 19.12.2013, segunda-feira (fl. 29), em observância ao prazo indicado no art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Preliminarmente, o candidato alega a inobservância da conversão do rito para o ordinário, prevista no art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15, em prejuízo ao seu direito de apresentação das contas retificadora.

Na espécie, verifico que, após análise técnica da escrituração, o recorrente foi intimado para se manifestar acerca das irregularidades (fl. 63), tendo o prazo transcorrido in albis.

Logo, não houve cerceamento de defesa.

Ademais, conforme se extrai do contido no art. 62 da Res. 23.463/15 do TSE, a conversão do rito em ordinário é faculdade do magistrado, sendo limitada às hipóteses em que restar inviabilizada a análise das contas pelo procedimento simplificado.

Colaciono, nesse sentido, precedente desta Corte:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Art. 6º da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento da documentação apresentada em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(Recurso Eleitoral nº 52591, Acórdão de 15/03/2017, Relator(a) DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 17/03/2017, Página 7 ) (Grifo meu)

Como o juízo entendeu possível a prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não há se falar prejuízo ao procedimento, máxime quando oportunizada manifestação, nos termos do § 3º do art. 59 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Rejeito a preliminar.

Ainda, destaco a prefacial relativa ao conhecimento documentos apresentados em grau recursal.

Como já destacado em julgamento anterior desta Corte (RE PC n. 282-92.2016.6.21.0128, relator o Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 16.5.17), a apresentação de novos documentos com o recurso, nesta classe processual especialmente, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. Transcrevo a ementa do referido julgado:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Eleições 2016.

Matéria preliminar. 1. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar. 2. A ausência de manifestação sobre eventual irregularidade nas contas não se confunde com a invalidade da sentença. Observado o regular procedimento na análise das contas ofertadas pelo candidato. Nulidade afastada.

Mérito. Falta de registro de despesa com serviços contábeis e gastos lançados com combustível sem consignar o aluguel ou cessão de veículo. Inconsistências sanadas com a juntada de novos documentos quando da interposição do recurso, que comprovam receita estimável em dinheiro referente ao serviço de contabilidade e juntada de termo de cessão de veículo para uso na campanha.

Desacolhido o pedido ministerial, nesta instância, de arrecadação de valores ao Tesouro Nacional em razão de recebimento de quantia não identificada, a fim de evitar a “reformatio in pejus”.

Aprovação das contas. Provimento.

Nessa linha, visa-se sobretudo a salvaguardar o “interesse público na transparência da contabilidade de campanha, aliada à ausência de prejuízo à célere tramitação das contas”, de forma que caracteriza formalismo excessivo a vedação de novos documentos em segundo grau, como salientado no corpo do voto do acórdão paradigma.

Dessa forma, entendo possível a juntada dos novos documentos com o recurso, ainda que a parte tenha sido, na origem, intimada a se manifestar e não tenha esclarecido totalmente os apontamentos.

No mérito, a sentença desaprovou as contas em razão da existência de irregularidades nas contas, relativas à falta de apresentação do comprovante de recolhimento das sobras de campanha; à ausência de identificação da doação no importe de R$ 1.000,00; à omissão de receitas provenientes do Diretório Estadual; a divergências na escrituração das despesas com honorários advocatícios.

Relativamente à falta de comprovação do recolhimento à agremiação das sobras partidárias, observo que o recorrente apresentou os documentos que atestam o cumprimento ao disposto no art. 46, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 46. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.(Grifei.)

Com efeito, ainda que o prestador não tenha apresentado o respectivo comprovante por ocasião da apresentação das contas, os documentos acostados aos autos (fls. 108-109), demonstram que a transferência da quantia, de valor módico (R$ 4,00), foi realizada em 31.10.2016, ou seja, dentro do prazo assinalado na norma eleitoral.

Desse modo, entendo que não subsiste a inconsistência apontada.

No que se refere à falta de identificação do depósito da quantia de R$ 1.000,00, realizado na conta de campanha no dia 30.8.2016, verifico que o candidato apresentou comprovante de depósito (fl. 107), que atesta a indicação da inscrição do número do CPF do doador, em observância à regra do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. (Grifei.)

Ressalta-se que a quantia depositada dispensa a realização de transferência bancária entre contas, sendo considerada como de pequeno valor, porquanto inferior a R$ 1.064,10.

Por conseguinte, não havendo irregularidade no aporte da quantia, deve ser afastada a determinação de recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, uma vez que não se trata de recurso de origem não identificada, na dicção do art. 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15.

Quanto à omissão de receitas, o exame das contas constatou a existência de doação realizada pelo diretório estadual, sem a devida escrituração nas contas do candidato.

Nas razões recursais, a recorrente pugna pelo recebimento da prestação de contas retificadora, a fim de incluir o registro da receita estimada em dinheiro oriunda do órgão partidário.

A respeito dos gastos eleitorais realizados pelo partido em benefício de candidato, os §§3º e 4º do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15, dispõem:

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução:

[...]

§ 3º Os gastos efetuados por candidato ou partido em benefício de outro candidato ou outro partido político constituem doações estimáveis em dinheiro.

§ 4º O pagamento dos gastos eleitorais contraídos pelos candidatos será de sua responsabilidade, cabendo aos partidos políticos responder apenas pelos gastos que realizarem e por aqueles que, após o dia da eleição, forem assumidos na forma do § 2º do art. 27.

No tocante ao candidato beneficiário, à luz do art. 52, § 2º, da multicitada Resolução, é igualmente exigível o registro das referidas doações estimáveis em dinheiro na contabilidade da campanha.

Ocorre que, não obstante incontroverso que o recorrente não tenha realizado o registro da receita, restou demonstrada a origem da receita, de modo que não se trata de recurso recebido de fonte vedada. Igualmente não se vislumbra extrapolação ao limite de gastos na campanha, pois o total de recursos arrecadados correspondeu à quantia de R$1.700,00 (fl. 20).

Além disso, destaca-se que o valor absoluto do recurso estimado abrange a cifra de R$ 150,00, representando 8,8% das receitas contabilizadas na campanha. Portanto, não há prejuízo à fiscalização das contas do recorrente, tampouco mácula à lisura e à credibilidade da escrituração.

Assim, entendo por aplicar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, seguindo sedimentada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, e entender a irregularidade como uma ressalva nas contas do candidato.

Por oportuno, transcrevo o recente precedente:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRÍNCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017)

Por fim, em relação à divergência quanto à contabilização das despesas com serviços advocatícios, noto que o recorrente demonstrou a distinção realizada entre a contabilização da quantia despendida para o pagamento das despesas com assessoria jurídica, da relativa à atuação em processo jurisdicional, que prescinde de registro, nos termos do art. 29, §1º-A da Resolução TSE n, 23.463/15. Por elucidativo, transcrevo o dispostivo:

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual. (Incluído pela Resolução nº 23.470/2016

Esse é o entendimento remansoso do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 1°.3.2016. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.4.2016, Páginas 53-54.) (Grifei)

Portanto, escorreita a contabilidade nesse particular, razão pela qual não se sustenta a irregularidade identificada no juízo a quo.

Dessarte, merece parcial provimento o recurso, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a ordem de recolhimento.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a ordem de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.