RE - 20686 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por JORGE RENÊ PEREIRA JÚNIOR em face da sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2016 no município de Mostardas, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, por violação ao disposto no art. 18, § 1º da mencionada resolução, e determinou o recolhimento da importância de R$ 2.800,00 ao Tesouro Nacional (fl. 47v.).

Em seu apelo (fls. 49-53), o prestador aduz que, no pleito de 2016, foram introduzidas novas regras, o que dificultou a observância por partes dos candidatos. Outrossim, a defesa sustenta a tese de que contribuições oriundas do patrimônio do próprio candidato não podem ser consideradas propriamente doações, o que prejudicaria o regramento utilizado como fundamento da desaprovação. Solicita conhecimento e provimento do recurso.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 70-71).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve a afixação da decisão em mural eletrônico, datada de 07.12.2016, e a interposição ocorreu em 09.12.2016, de forma que foi obedecido o prazo de três dias, indicado no art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão da incontroversa irregularidade na arrecadação de recursos financeiros pelo candidato, porquanto foi recebida doação financeira de valores superiores a R$ 1.064,10, realizadas por meio de depósito em espécie em sua conta-corrente de campanha.

A mácula configurou-se no depósito em conta bancária de campanha, pelo próprio candidato, do valor de R$ 2.800,00, realizado em afronta ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II – doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. (Grifei).

Inicialmente, anoto que, na sistemática da prestação de contas eleitoral, todo ingresso ou arrecadação é considerado doação.

O § 2º do art. 6º da determina a emissão de recibo para toda doação, ao passo que o caput do dispositivo prevê a necessidade de emissão de recibo para “toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet”.

Logo, nesse contexto, é possível deduzir que doação é “toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet”.

Do mesmo modo, a pessoa do candidato e a pessoa do eleitor não são juridicamente o mesmo sujeito, tanto que o candidato, a partir do registro da candidatura, passa a movimentar recursos vinculados ao número de registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), enquanto o eleitor continua identificado pelo número de inscrição no CPF/MF.

Quanto ao argumento utilizado pelo recorrente em relação à inovação do regramento vigente no pleito de 2016, não há como admiti-lo. É mister de quem se lança como candidato estar a par daquilo que lhe é exigido pelo ordenamento jurídico. Tal princípio é expresso no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Ainda, anoto que, por ocasião das Eleições 2016, a Justiça Eleitoral elaborou material de auxílio aos candidatos (Cartilha) e contadores (Manual) em relação à prestação de contas. Este material de apoio foi disponibilizado no site do Tribunal Superior Eleitoral, podendo ser acessado em http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2016/prestacao-de-contas/material-didatico.

Na mencionada cartilha, consta, p. 20:

NOVO!

As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. As doações financeiras realizadas em desacordo com esse procedimento não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, ou, na impossibilidade, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Como se percebe, embora o conhecimento das normas aplicáveis possa ser legitimamente exigido daqueles que participaram do pleito, também a Justiça Eleitoral levou ao conhecimento geral as informações relevantes sobre o tema prestação de contas.

De outra banda, quanto ao recolhimento dos valores arrecadados em campanha com infringência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, este Tribunal firmou posicionamento pela necessidade de seu repasse integral ao Tesouro Nacional:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato.

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(E.Dcl. no RE 203-27.2016.6.21.0092, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, Sessão de 26.7.17.)

Na sequência, anoto que a irregularidade no valor de R$ 2.800,00 representa mais de 51% do total das receitas de campanha (fl. 06), não havendo espaço para aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em conta tanto o valor absoluto quanto o percentual que representa.

Por fim, constatando-se irregularidade nas contas, e não apenas falha formal, não há espaço para a Justiça Eleitoral decidir pela sua aprovação, pois violaria frontalmente o disposto no art. 68, inc. I, do retromencionado diploma normativo:

Art. 68 Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 66, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo:

I – pela aprovação, quando estiverem regulares;

II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade;

III – pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade;

[...].

(Grifei).

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de JORGE RENÊ PEREIRA JÚNIOR referentes à Campanha Eleitoral de 2016 e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 2.800,00.