RE - 365 - Sessão: 14/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença (fls. 310-317) que julgou improcedente a representação por captação ou gasto ilícito de recursos – art. 30-A da Lei n. 9.504/97, ajuizada contra WAMBERT GOMES DI LORENZO, eleito vereador do Município de Porto Alegre nas eleições de 2016.

Em suas razões (fls. 322-328), o Parquet insurge-se contra a conclusão sentencial, no sentido de que o candidato não realizou captação ilícita de recursos. Sustenta que o recorrido recebeu recursos em espécie durante a campanha eleitoral, repassados por sua esposa e por sua genitora, no valor total de R$ 110.000,00. A quantia foi depositada em sua conta pessoal, com transferência de R$ 95.711,58, para a conta de campanha, montante que representou 85,50% do total arrecadado. Alega que o valor não foi declarado por ocasião do registro de candidatura, contrariando a legislação eleitoral, ilegalidade cometida por má-fé do candidato, pois a sua genitora obteve os valores por meio de empréstimo pessoal. Defende que isso comprometeu a higidez e a transparência dos mecanismos de fiscalização das contas de campanha, e interferiu na igualdade entre os candidatos. Afirma que a irregularidade é grave o suficiente para conduzir ao juízo de cassação do diploma expedido ao candidato, pois sem tais valores não teria logrado vencer a eleição para o cargo de vereador. Aponta ter sido fraudado o art. 15, e o art. 19, § 1º, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15, pois os recursos em espécie não eram originalmente do candidato, consubstanciando doação eleitoral realizada por terceiros. Assevera que a conjugação de rendimento de casal unido pela comunhão parcial de bens não dá azo ao desrespeito às normas eleitorais. Colaciona jurisprudência e postula a reforma da decisão para o fim de ser cassado o diploma do recorrido.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 334-338), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 344-350v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de analisar o cometimento da infração prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, que dispõe sobre a captação e os gastos ilícitos em campanha eleitoral:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Conforme narrado na sentença, a prestação de contas de campanha do candidato recorrido foi julgada desaprovada pelo juízo a quo em face do recebimento de recursos em espécie não declarados no registro de candidatura, nos seguintes termos: em 29.8.2016, a mãe do candidato transferiu para a conta pessoal deste o valor de R$ 35.000,00, conforme extrato da conta e TED juntados às fls. 218 e 220. Após, em 19.9.2016, a esposa do candidato contratou um empréstimo pessoal “consignado”, no valor de R$ 75.000,00, com a Caixa Econômica Federal, conforme contrato e extrato anexado às fls. 226-230. O valor total de R$ 110.000,00 ingressou na conta-corrente pessoal do candidato (fl. 224) e, depois, houve transferência de R$ 95.711,58 para a sua conta de campanha.

A decisão que julgou as contas considerou a existência das seguintes irregularidades: a) arrecadação de R$ 22.711,58 sem identificação do CPF do doador; b) recebimento de recursos por meio de empréstimos pessoais tomados de sua mãe e de sua esposa, contabilizados como próprios, no montante de R$ 88.211,98; e c) os saques registrados nos extratos bancários não correspondem à integralidade dos pagamentos em espécie declarados.

A sentença recorrida, embora considerando a irregularidade da forma de arrecadação realizada pelo candidato, concluiu que o fato não constitui captação ilícita de recursos, devido à ausência de repercussão para desequilibrar o pleito, uma vez que a forma pela qual obtidos os recursos – empréstimos bancários – é juridicamente lícita e representa prática comumente realizada entre cônjuges e genitores.

Confira-se os fundamentos da decisão recorrida (fls. 313-316):

No caso, não se tratou de recursos oriundos de alienação de patrimônio próprio. Tratou-se, isso, sim, em parte, de alegado empréstimo feito por sua genitora a ele. Por óbvio que tal tipo de negócio (empréstimo, ou, como se alegue, doação) é lícito, juridicamente disciplinado, e relativamente comum entre genitores e filhos. Em se tratando de empréstimo, nesse âmbito, é costume a ausência de fixação de prazo para devolução, ausência de cobrança de juros, etc. Em se tratando de doação, nada dispondo o doador em contrário, no momento da doação ou até mesmo em testamento, tais doações representam adiantamento de legítima, na forma prevista no art. 544 do Código Civil. Como o filho pretende empregar tal numerário é questão que só a ele diz respeito, pois com o mútuo ou com a doação, o numerário passa legitimamente a lhe pertencer. Portanto, não há como se deduzir, sem nenhuma evidência em contrário, que a mãe do Representado tenha feito uma doação para a campanha. Ela beneficiou a pessoa de seu filho.

Por outro lado, a esposa do Representado igualmente de forma legal, contraiu empréstimo bancário, sendo o valor creditado na conta pessoal do seu marido. Se fosse o próprio Representado a ter feito o empréstimo, teria havido alguma ilegalidade a ponto de comprometer a higidez de sua eleição? Creio que não. Tendo o dinheiro se tornado disponível, poderia ele licitamente tê-lo transferido para sua conta-campanha e o usado. Tratando-se de empréstimo consignado, a razão do empréstimo ter sido feito pela sua esposa, e não por ele próprio, provavelmente se deu em razão da renda fixa mais elevada que ela recebe mensalmente, o que permitia a obtenção de um valor maior. O casal está unido pelo regime da comunhão parcial de bens, o que significa que todos os aquestos acabam ingressando na comunhão. Se a esposa do Representado achou por bem destinar o valor mutuado para a conta pessoal deste, isso é questão que diz respeito somente às conveniências do casal. E se o Representado entendeu usar parte substancial desse valor para a sua campanha, transferindo o valor de sua conta pessoal para a conta-campanha, isso igualmente é questão que interessa apenas ao casal, não identificando a signatária qualquer ilegalidade nessa conduta. Se ele vai devolver à sua esposa o valor emprestado, ou vai assumir as prestações da parcela, ou se entre eles haverá ou não qualquer tipo de acerto a respeito, igualmente é questão imune ao escrutínio da justiça eleitoral.

Num país tão atordoado e indignado com tamanha desfaçatez de nossos políticos, envolvidos em campanhas bilionárias e corrupções do mesmo quilate, com o sistema de caixa 2 sendo praticamente a regra na forma pela qual os políticos de todos os partidos vem sendo eleitos, como o noticiário dos últimos longos meses vem comprovando, chega a ser no mínimo incongruente pensar-se em cassar o mandato de um Vereador legitimamente eleito, por ter ele sido ajudado por empréstimos ou doações pessoais que recebeu da sua mãe e da esposa. Tais valores, repito, passaram a integrar seu patrimônio pessoal, de onde posteriormente foi deslocado para a conta campanha. Não há nada nos autos que aponte para uma verdadeira doação para campanha eleitoral.

A jurisprudência relativa ao dispositivo invocado pelo Ministério Público costuma reiterar que ele visa resguardar três bens jurídicos fundamentais ao direito eleitoral: igualdade política, a higidez e lisura da competição e a transparência, buscando conter o abuso do poder econômico. De modo que é exigido não apenas a ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de recurso, mas ilegalidade qualificada pela má-fé do candidato, em grau suficiente para macular a lisura do pleito. Parece claro à signatária não ser essa a situação presente, não tendo o ocorrido afetado qualquer daqueles três bens jurídicos acima citados.

Além disso, está pacificado o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que na aplicação de qualquer sanção, inclusive essa que decorre da norma em exame, é necessária a existência de proporcionalidade entre a conduta tida como ilícita, e a sanção que se pretende aplicar. Ou seja, há que se examinar a integralidade da conduta do candidato no contexto da campanha eleitoral. Examinando-se os fatos, percebe-se nitidamente que não haveria a menor proporcionalidade entre aplicar a pena da cassação do diploma do candidato, frustrando seus eleitores, e a conduta praticada pelo Representado. Essa, pelo seu contexto, configura uma irregularidade, por não estarem os valores já disponibilizados no seu patrimônio pessoal no período anterior ao pedido de registro de sua candidatura, como prescreve o art. 19, §1º, da Resolução TSE n. 23.483/15. Todavia, tal irregularidade, que efetivamente está presente, não é de molde a ensejar a cassação do diploma do Representado, frustrando a vontade popular, por flagrantemente violar o princípio da proporcionalidade entre a importância da irregularidade e os drásticos efeitos da sanção pretendida.

De fato, tem-se entendido que a simples presença de uma irregularidade não é suficiente, per se, para caracterizar a prática de arrecadação e gastos ilícitos de recursos de campanha, quando a conduta não possui relevância jurídica para comprometer a moralidade e transparência da eleição de modo a justificar a grave sanção de cassação do diploma.

Fato relevante, que se deve ter sempre presente, é a circunstância de que o Representado foi eleito pelo voto popular, para representar seu eleitorado junto à Câmara de Vereadores, como uma das mais nítidas formas de exercício democrático da soberania popular. Portanto, a intervenção da Justiça Eleitoral, em tal contexto, deve ocorrer de forma absolutamente excepcional, atingindo somente os casos em que se tem presente a nítida violação da legislação eleitoral. As normas que regem o processo eleitoral buscam garantir a lisura das campanhas eleitorais, coibindo-se tanto quanto possível o abuso do poder econômico, buscando-se igualar, tanto quanto possível, as chances dos candidatos.

A conclusão sentencial encontra guarida na jurisprudência do TSE, materializada pelo RESPE n. 181, de relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJ de 29.4.2015), segundo o qual o disposto no art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97 somente se configura quando os candidatos utilizam recursos vindos de fonte ilícita ou obtidos de modo ilícito, ainda que de fonte lícita. Confira-se o precedente:

ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO COM BASE NO ART. 30-A DA LEI N. 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO CASSADOS. CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

2. A posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave violação ao art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito, além de ensejar a sanção de cassação de diploma, afasta o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alínea j, da LC nº 64/1990), o que pode representar sua exclusão de disputas eleitorais.

3. O art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, estabelece: "qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos". O § 2º do referido artigo assim dispõe: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado". A norma tutela os princípios da moralidade das disputas e da lisura das eleições, buscando coibir precipuamente condutas à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, recebimento de recursos de fontes vedadas ou gasto ilícito de campanha.

4. Revela a moldura fática do acórdão regional: i) o valor de R$100.920,00 (cem mil, novecentos e vinte reais) passou pelos órgãos de controle da Justiça Eleitoral, o que já exclui a qualificação da conduta como "caixa 2"; ii) o Tribunal Regional não desconsiderou os gastos realizados com esse montante, mas assentou que os candidatos não conseguiram comprovar que os recursos eram oriundos da venda de sacas de café realizada pelo vice-prefeito; iii) não há a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 do mesmo diploma legal, ou, ainda, que se tratava de recursos que nem sequer passaram pelo crivo da Justiça Eleitoral, impedindo a análise não apenas de sua origem, mas, sobretudo, de como foram gastos; iv) não há questionamento formal ou material em relação à nota fiscal apresentada pelo vice-prefeito sobre a venda de sacas de café, mas apenas que ela era anterior ao pedido de registro de candidatura e não constou na declaração de bens fornecida à Justiça Eleitoral.

5. Conquanto competisse ao candidato comprovar valores arrecadados e gastos na respectiva prestação de contas de campanha eleitoral, o fato de o Tribunal Regional não aceitar a origem de determinados recursos (provenientes de vendas de sacas de café), no bojo do processo de contas, não conduz, necessariamente, à conclusão de que se trata de recursos provenientes de fontes consideradas vedadas pela legislação eleitoral, fontes ilícitas. Podem ser lícitas ou ilícitas, competindo ao representante comprovar a origem ilícita dos recursos, não se admitindo a intolerável condenação por presunção, em flagrante desrespeito ao devido processo legal e à soberania popular.

6. A desaprovação de contas de campanha decorrente da não comprovação pelo candidato da origem de determinado recurso inclusive ratificada pelo TSE, não autoriza, por si só, a cassação de diploma com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, pois a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma da doação, devidamente identificada no âmbito da prestação de contas, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional.

7. Segundo entendimento do TSE, a declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral não precisa corresponder fielmente à declaração apresentada à Receita Federal, razão pela qual competia ao representante requerer a produção de outras provas admitidas em direito, inclusive para comprovar eventual falsidade da nota fiscal apresentada, mormente quando o Regional, acolhendo manifestação ministerial, concluiu que a atividade do vice-prefeito ficou comprovada e que existia patrimônio compatível.

8. O Tribunal Regional Eleitoral incorreu em verdadeira inversão do ônus da prova, exigindo do candidato, no âmbito da representação fundada no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, a comprovação da origem lícita dos recursos doados pelo vice-prefeito, quando competia ao autor da representação provar que decorreram de fontes vedadas pela legislação eleitoral, provenientes de "caixa 2", ou a má-fé do candidato, marcada pela tentativa de embaraçar, induzir a erro ou evitar a fiscalização pelos órgãos de controle da Justiça Eleitoral, conforme tem exigido a reiterada jurisprudência do TSE.

9. Recursos providos para julgar improcedente o pedido formulado na representação. Cautelar prejudicada.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 181, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 29.4.2015, Páginas 168-169.)

Na hipótese dos autos, não obstante as judiciosas razões apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral, a prova dos autos não demonstra que recursos impugnados são oriundos de fonte de vedada ou fruto de caixa dois, não sendo possível se exigir a prova de fato negativo a fim de ser prestigiada a soberania popular.

Sobre a matéria, importa tecer algumas considerações.

Conforme leciona José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016), a configuração da infração descrita no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 verifica-se depois de evidenciados dois requisitos: (1) comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e (2) relevância da conduta praticada.

Em relação às condições necessárias à configuração do ilícito e para aplicar a sanção de cassação do registro ou diploma, Rodrigo López Zilio conclui (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015):

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário n. 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.4.2009).

No pertinente à caracterização da conduta ilegal, o TSE tem entendimento firmado de que para a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, é necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Assim, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido.

Na hipótese dos autos, é preciso sopesar o desvalor da falta de declaração dos recursos quando do registro de candidatura e o fato de terem sua fonte devidamente demonstrada nos autos.

A conduta, embora irregular, não se afigura grave o suficiente sob o prisma da lisura da competição eleitoral. Ainda que tal fato tenha sido determinante para a campanha do candidato, a ausência de mínima indicação de que o recurso tenha partido de fonte ilícita mitiga o juízo desabonatório.

Ademais, o valor efetivamente transitou pela conta bancária do candidato, tendo sido objeto da análise técnica das contas de campanha.

Desse modo, o cenário posto nos autos, à míngua de maiores elementos de convicção, não torna possível concluir que esse valor se tratava de caixa dois de campanha, circunstância que afasta a tese de que a infração foi orquestrada, ou que partiu de evidente má-fé.

Com esse entendimento, os seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

2. O art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, estabelece: "qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos". O § 2º do referido artigo assim dispõe: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado". A referida norma, introduzida como uma forma de responder ao alegado "caixa dois" ocorrido no denominado processo do "Petrolão", tutela os princípios da moralidade das disputas na perspectiva da lisura das eleições, buscando coibir precipuamente condutas à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, pautadas pela má-fé dos candidatos.

3. A moldura fática do acórdão regional revela:

i) ausência de abertura de conta bancária específica para o candidato, ressaltando que a movimentação financeira ocorreu na conta do comitê; ii) realização de contrato de comodato de sala comercial utilizada para a instalação do comitê de campanha antes do prazo permitido por lei; iii) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - a utilização de veículos dos candidatos; iv) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - produção de um jingle doado por artista da região; v) R$1.200,00 (mil e duzentos reais) de gastos com material de propaganda ficaram sem registro de pagamento por meio de chegue nominal ou transferência bancária; vi) R$6.216,01 (seis mil, duzentos e dezesseis reais e um centavo) arrecadados a maior e não declarados na prestação final; vii) gastos de R$5.898,09 (cinco mil, oitocentos e noventa e oito reais e nove centavos) não contabilizados na prestação de contas final; viii) as despesas de e de lubrificantes não foram emitidas para o CNPJ de candidatura, mas para o CPF do candidato.

4. Conquanto as irregularidades tenham repercussão no âmbito da prestação de contas, não ensejam procedência do pedido da representação do art.30-A da Lei nº 9.504/1997. Não há no caso concreto a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 da Lei nº 9.504/1997. Tampouco é possível concluir que se tratava de caixa dois de campanha, pois os valores arrecadados a maior na campanha (R$6.216,01) estão devidamente comprovados por recibos eleitorais, enquanto as despesas que não constaram na prestação final (R$5.898,09) também foram demonstradas, o que, longe de revelar algo orquestrado, com evidente má-fé, demonstra uma clara desorganização contábil da campanha, compreensível em municípios de pequeno porte do nosso país.

5. A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva "em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das contas" (RO nº 780/SP, rel. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE.

6. Agravo regimental desprovido. Ação Cautelar nº 1363-28/RS prejudicada.

(Recurso Especial Eleitoral nº 172, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data 03/02/2017, Página 119/120).

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI 9.504/97. "CAIXA 2". NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Comprovado por provas documentais e testemunhais que todas as despesas de campanha com a locação de veículos automotores foram efetivamente declaradas na prestação de contas, não há falar na prática de "caixa 2" no caso dos autos.

2. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 55557, Acórdão de 29.4.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 100, Data 30.5.2014, Página 55.)

Dessa forma, mostra-se insuficiente o conjunto probatório para comprovação das práticas ilícitas descritas na inicial.

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso interposto.