RE - 15205 - Sessão: 18/07/2017 às 17:00

VOTO-VISTA

Trago em mesa voto-vista relativo aos recursos interpostos contra a sentença do Juízo Eleitoral da 128ª Zona – Passo Fundo (fls. 490-492v.) que, no julgamento de representação por prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), concluiu pela improcedência do pedido condenatório quanto à candidata ao cargo de vereador DIANA FRANKINI TEIXEIRA e aos candidatos reeleitos aos cargos de Prefeito e Vice de Mato Castelhano, JORGE AGAZZI e ALEXANDRE TERRES DA ROSA, e pela procedência da ação no tocante aos terceiros não candidatos, JOSÉ ADAIR DA ROCHA e ANDRIGO BONATTO CANAVESE, ambos servidores públicos municipais, e JOEL EDGAR CHIZZONI, condenando-os ao pagamento de multa individual no valor de 3.000,00 UFIR.

Na sessão do dia 29.6.2017, o ilustre relator, Desembargador Luciano Losekann, com a percuciência que lhe é costumeira, apresentou brilhante voto pela manutenção da sentença e consequente desprovimento dos recursos interpostos, concluindo que, embora ausente prova cabal da participação dos candidatos no alegado negócio envolvendo o pagamento de cerca de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao eleitor Gilberto Padilha, para adimplemento de despesas de um veículo recolhido pela Polícia Militar, em troca de votos, estaria comprovada a participação das demais partes representadas.

A par do judicioso voto lançado pelo nobre relator, que com extrema propriedade aquilatou minuciosamente a prova dos autos, pedi vista a fim de melhor analisar a questão acerca da possibilidade de condenação exclusiva do terceiro não candidato, em sede de representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Em verdade, a questão sobre a legitimidade passiva de terceiros, não candidatos, para figurarem como partes em representação fundada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, é matéria bastante controvertida na doutrina.

Tal fato decorre da literalidade do referido dispositivo legal, segundo o qual constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009.)

Defendendo a tese de que apenas o candidato é legitimado ad causam para figurar no polo passivo da representação, a corrente doutrinária encabeçada por Adriano Soares da Costa sustenta que somente o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fático da norma:

Quem pode cometer o ato ilícito é o candidato, e apenas ele. Se alguém, em nome dele, promete, doa, oferece ou entrega ao eleitor algum bem ou vantagem pessoal, com a finalidade de obter-lhe o voto, comete abuso de poder econômico ou corrupção, mas não a captação de sufrágio. O candidato é que tem de ser flagrado praticando o ato ilícito, hipotisado naquele texto legal. Não poderá ser ele acusado de captação de sufrágio se outrem, ainda que em seu nome ou em seu favor, estiver aliciando a vontade do eleitor. Para que a norma viesse de ter esse alcance, haveria de estar prescrevendo que o candidato ou alguém por ele captasse ilicitamente o sufrágio. Dado que não é possível emprestar interpretação elástica às normas que prescrevem sanções, apenas o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fático da norma. A redação do texto legal, como se vê, limitou o campo material de sua incidência, condicionando apenas ao candidato a realização da conduta descrita como antijurídica.

(COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 206.)

Verifiquei que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral alinha-se a essa interpretação, conforme observa-se da leitura da seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA J. LEI COMPLEMENTAR 64/90, ARTIGO 1º, INCISO I. CONDENAÇÃO. CONDUTA VEDADA. AGENTE PÚBLICO. MULTA. CANDIDATO. CASSAÇÃO. INTERPRETAÇÃO. 

[...]

12. Consoante pacífica jurisprudência deste Tribunal, na hipótese de captação ilícita de sufrágio, somente o candidato que praticou a compra de voto ou a ela anuiu tem legitimidade para compor o polo passivo da representação (RO 6929-66, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 30.5.2014; RO 1800-81, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 30.4.2014; REspe 39364-58, rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 3.2.2014; REspe 19.566, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 26.4.2002; RP 3-73, rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 26.8.2005), e, “uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO 791/MT, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe 21.022/CE, rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006” (REspe 277-37, rel. Min. José Delgado, DJ de 1º.2.2008).

[...]

Recursos especiais providos, por maioria.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 40487, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27.10.2016.)

No entanto, merece ser considerada a elucidativa lição do ilustre jurista Rodrigo López Zilio, que, acompanhado por José Jairo Gomes, também renomado doutrinador de Direito Eleitoral, e por Francisco de Assis Vieira Sanverino, bem explica poder ser legitimado passivo da representação, por prática da infração prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito:

Em uma interpretação literal do art. 41-A, caput, da LE, o TSE defende que “o terceiro não candidato não tem legitimidade para figurar no polo passivo da representação calcada no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97” (Recurso Ordinário nº 6929-66 – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 22.04.2014). Contudo, conclui-se que pode ser legitimado passivo da representação pelo art. 41-A da LE, além do candidato, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito. Em síntese, porque: a) é característica da norma proibitiva-sancionatária dirigir-se a todos, indistintamente; b) o fato é objetivamente ilícito (i. e, não existe subjetividade diversa para o candidato ou não-candidato); c) se o TSE admite a possibilidade de punição pelo 41-A da LE da mera participação ou anuência do candidato, é descabido reconhecer a conduta ilícita do terceiro (como autor principal) e não puni-lo; d) o conceito material de ilicitude é unitário, ou seja, a “compra de voto” tem desdobramento penal – art. 299 CE – e extrapenal – art. 41-A da LE (assim, reconhecendo-se a possibilidade de punição de ambos, candidato ou não, no Direito Penal – que tem caráter fragmentário e subsidiário –, deve-se admitir a necessidade de punição também na esfera extrapenal, até mesmo como forma de manter a coerência do sistema); e) no art. 41-A da LE não existe nenhum elemento que exija a caracterização de sujeito passivo qualificado para sua configuração; f) a ausência de punição ao não-candidato, mesmo na qualidade de autor da conduta principal, implica em ofensa ao bem jurídico tutelado (vontade do eleitor), que, embora violado, não teve a proteção integral da norma punitiva; g) a existência de sanção adequada para o terceiro (não-candidato) que é a aplicação de multa. Daí que é possível perquirir que tanto a pessoa física – seja cabo eleitoral, correligionário, simpatizante, familiar ou, mesmo, terceiro sem vinculação direta com o candidato – como a pessoa jurídica – precipuamente a direção de partido político – seja responsabilizado pela infração ao art. 41-A da LE, já que importa mais a prática da conduta ilícita em si mesma (seja de forma direta ou indireta) do que eventual condição pessoal de candidato.

 

SANSEVERINO, de igual sorte, admite a aplicação das sanções do art. 41-A da LE a terceiros, que não sejam candidatos, “na medida em que concorrem para a prática do fato – seja exercendo a conduta prevista no tipo (coautoria), seja contribuindo para tanto, embora não praticando diretamente a conduta prevista no tipo” (p. 268). No entanto, ainda que não exista prova da participação, conduta ou anuência do candidato no cometimento da infração ao art. 41-A da LE, parece lícito sustentar a possibilidade de punição do terceiro (não-candidato), desde que demonstrada sua participação, de qualquer modo, no cometimento do ilícito. Dito de outra forma, a responsabilidade do terceiro se fundamenta exclusivamente na sua participação na prática da infração ao art. 41-A da LE, sem qualquer vinculação ou dependência de participação ou anuência do candidato no ilícito. A responsabilidade individual do candidato e do terceiro são independentes e autônomas, sendo a sanção aplicada a cada qual conforme indicarem os elementos de prova colhidos nos autos.

(LÓPEZ Zilio, Rodrigo. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 578-579; SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Compra de Votos – Análise à Luz dos Princípios Democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, p. 268.)

Essa última posição parece ser a mais consentânea com o anseio social de apuração e punição de todo e qualquer ato de corrupção política ou eleitoral, e com o bem jurídico tutelado pela norma, levando-se em conta que a infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Assim, embora ciente do entendimento firmado pelo TSE sobre a questão, tenho que essas considerações apenas reforçam o fato de que o eminente Desembargador Losekann está muito bem acompanhado relativamente à conclusão adotada para o caso concreto, pois a Justiça Eleitoral não pode deixar de apurar suposto ilícito cometido em razão de interpretação superficial e literal da norma abstrata.

Estabelecidas essas premissas, consigno que estou convencido do acerto do entendimento alcançado pelo distinto relator no sentido da ausência de prova robusta e incontroversa, comumente denominada de “estreme de dúvidas” pela jurisprudência eleitoral, acerca da participação dos candidatos no ilícito em tela, ainda que na forma de mera anuência ou ciência sobre os fatos.

De igual modo, tal qual concluído no acurado voto condutor, o cuidadoso cotejo das provas coligidas demonstra ser incontestável a prática do ilícito pelos recorrentes José Adair da Rocha, Andrigo Bonatto Canavese e Joel Edgar Chizzoni.

Afora a versão do eleitor corrompido com a oferta do pagamento de despesas de seu automóvel em troca do voto, Gilberto Padilha, há nos autos prova documental de que esses representados se encontraram com o eleitor, que as despesas do automóvel foram efetivamente pagas, e que eles inclusive estiveram juntos na agência bancária do Banco Banrisul, instituição financeira responsável pelo recebimento dos valores para a quitação de despesas veiculares, na mesma data do pagamento em questão.

A folha 07 dos autos expõe a foto que retrata os três representados e o ex-proprietário do veículo, Cristiano Bonatto, juntamente com o eleitor Gilberto. Além disso, às fls. 149-152, constam documentos do Banrisul informando sobre imagens da agência da instituição na qual os recorrentes aparecem, e dando conta de que as despesas relacionadas ao referido carro foram quitadas em data compatível com os contatos prévios mantidos entre as partes. Associado a esses elementos, tem-se o depoimento judicial de Gilberto Padilha confessando o pedido de voto em troca da benesse concedida, tudo a redundar na firme convicção de que não há reparos a serem feitos na sentença recorrida.

Assim, o debruçado exame da prova realizado pelo insigne relator demonstra que a decisão pelo desprovimento dos recursos e pela manutenção da sentença vergastada é escorreita e merece ser acompanhada, pois não há outra conclusão a que se possa chegar no caso em apreço.

Com essas razões, acompanho na íntegra o digno relator.