RE - 43190 - Sessão: 08/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ODEMAR CONSALTER SCHENATTO, candidato não eleito ao cargo de prefeito, e por JOCELI LUIZ CONSALTER, eleito vereador do Município de São João da Urtiga, nas eleições municipais de 2016, em face da sentença que julgou procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (fls. 220-224v.) ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de declarar sua inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2016, e condenar o candidato eleito à cassação do diploma de vereador, por prática de abuso de poder econômico e utilização indevida de meio de comunicação social mediante uso da emissora de radiofusão de propriedade dos candidatos para favorecimento na campanha eleitoral.

Em suas razões (fls. 239-259), arguem as preliminares de ofensa ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que o pedido de produção de prova oral foi indeferido pelo juízo a quo, e de decadência do direito de ajuizar a ação, ao argumento de que a demanda não teria sido proposta no prazo legal. No mérito, alegam a ausência de provas do dolo de agir e a ausência de prova robusta para amparar a condenação, devendo ser aplicado ao caso o princípio da insignificância. Sustentam que os fatos não tiveram potencialidade lesiva para influenciar no resultado da eleição, porquanto a chapa majoritária encabeçada por ODEMAR CONSALTER SCHENATTO restou derrotada nas urnas. Postulam a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a reforma da decisão ou a fixação somente de pena pecuniária.

Com contrarrazões (fls. 266-270), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo afastamento da matéria preliminar e desprovimento do recurso (fls. 274-285).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, adequado e tempestivo.

Além disso, o apelo foi automaticamente recebido nesta Corte no duplo efeito, decorrência legal da disposição contida no § 2º do art. 257 do Código Eleitoral.

Passo ao enfrentamento da matéria preliminar suscitada pelo recorrente.

 

1. Preliminar de decadência do direito de ajuizamento da ação

Merece ser afastada a prefacial de decadência do direito de ajuizamento da presente AIJE, uma vez que a ação foi tempestivamente apresentada.

A diplomação dos candidatos eleitos no Município de São João da Urtiga ocorreu em 15.12.2016, data final para a propositura de ação de investigação judicial eleitoral, e a ação foi apresentada em 05.12.2016, conforme folha 02 dos autos, sendo o feito manifestamente tempestivo, conforme sedimentada jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRAZO. PROPOSITURA. DIPLOMAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, as ações de investigação judicial eleitoral (AIJE) fundamentadas em abuso de poder e condutas vedadas a agentes públicos podem ser propostas até a data da diplomação.

(TSE, RO 1.453, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 5.4.2010.)

Portanto, rejeito a prefacial.

 

2. Preliminar de ofensa ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa

Igualmente, merece ser afastada a alegação de que a ausência de prova oral acarretou o cerceamento de defesa dos candidatos recorridos.

Conforme bem aponta a nobre Procuradoria Regional Eleitoral, os candidatos deixaram de apresentar a peça defensiva acompanhada do rol de testemunhas, nos termos do rito aplicável às ações de investigação judicial eleitoral.

Houve apenas pedido genérico de produção de prova testemunhal, em desacordo com o art. 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90, c/c art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.462/15, que preconizam o dever do investigado de apresentar a peça defensiva obrigatoriamente acompanhada do rol de testemunhas, tendo em vista a celeridade do rito procedimental:

Art. 22, LC n. 64/90.

[…]

V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;

[…]

Art. 27, Resolução TSE n. 23.462/15.

[…]

§1º As testemunhas deverão ser arroladas pelo representante, na inicial, e, pelo representado, na defesa, com o limite de seis para cada parte, sob pena de preclusão.

[…]

Apenas tardiamente a defesa nomeou as testemunhas que pretendia ouvir, sem sequer demonstrar a utilidade da prova, pois deixou de esclarecer quais fatos pretendiam comprovar com os depoimentos postulados.

Além disso, a decisão que indeferiu a prova está devidamente fundamentada, merecendo reprodução (fl. 174):

[…]

No tocante ao pedido de provas, vejo que houve requerimento de produção de prova oral, além de prova pericial. Nesse ponto, tenho que o processo e suas provas servem ao juízo de convencimento, e, aqui, tenho que a matéria é de direito e de fato, estando toda ela já demonstrada pelos documentos trazidos aos autos. Não vejo necessidade e muito menos utilidade na colheita de depoimento pessoal da parte.

[…]

Gize-se que a preliminar foi arguida na petição recursal; mas, em nenhum momento, os recorrentes demonstram qual o prejuízo diante do indeferimento da produção de prova oral, ou quais fatos poderiam ser comprovados com o acolhimento da pretensão, aplicando-se à hipótese o disposto no caput art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual não será pronunciada nulidade sem a efetiva demonstração de prejuízo.

Com idêntica conclusão, colho no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 276v.):

Entende-se que a preliminar não deve prosperar, pois não existe nulidade por cerceamento de defesa a ser pronunciada quando o juiz - responsável por conduzir a atividade probatória e destinatário da prova-, fundamenta adequadamente sua decisão, como no caso, afirmando ser prescindível deferi-la para fins de formar o seu convencimento e dar a solução da causa.

Questão similar foi objeto de exame por este Tribunal, recebendo igual tratamento:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso do poder político. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016. 1. Afastada a preliminar de cerceamento de defesa. Prova testemunhal não requerida na inicial, precluindo o direito para tal providência, à luz do disposto no art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.462/15. 2. A utilização da Câmara de Vereadores para a realização de ato de campanha eleitoral não afronta o art. 51 da Lei n. 9.096/95, que assegura a partidos políticos a utilização gratuita de casas legislativas para a realização de suas reuniões. Abuso de poder político não vislumbrado. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 22453, ACÓRDÃO de 05.12.2016, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data 07.12.2016, Página 6.)

Com essas razões, rejeito a prefacial.

 

3. Da adequação do polo passivo

Antes de adentrar no exame do mérito recursal, ressalto não haver vício ou nulidade no feito devido à ausência de formação de litisconsórcio passivo com o candidato a vice-prefeito que concorreu pela chapa integrada pelo representado Odemar Consalter Schenatto, uma vez que os candidatos foram derrotados na eleição.

Mantida a decisão recorrida, os efeitos dela decorrentes não poderão eventualmente repercutir na capacidade eleitoral passiva do candidato a vice, porquanto apenas a sanção de cassação do registro ou do diploma poderia contaminar toda a chapa.

Ademais, nos termos da jurisprudência firmada pelo c. TSE, a declaração de inelegibilidade jamais poderia decorrer do princípio da indivisibilidade da chapa majoritária, visto que, para a sua decretação, é indispensável demonstrar a participação do candidato nos fatos apurados, no bojo do processo que der origem à condenação eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. CONDENAÇÃO ELEITORAL. CASSAÇÃO REFLEXA DE MANDATO DE VICE-PREFEITO EM DECORRÊNCIA DA CASSAÇÃO DO TITULAR. NÃO INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE DA ALÍNEA J DO INCISO I DO ART. 1º DA LC N. 64/90.

1. Não incide a inelegibilidade da alínea j do inciso I do art. 1º da LC n. 64/90 se o candidato teve cassado o seu mandato de vice-prefeito apenas por força da indivisibilidade da chapa, tendo o aresto condenatório consignado expressamente que ele não teve participação nos fatos apurados nos processos que deram origem à condenação eleitoral. Precedente.

2. Recurso especial não provido.

(REspe n. 334-21/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23.10.2012 - Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ESPECIAL. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA j DO INCISO I DO ART. 1º DA LC Nº 64/90. CONDENAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ELEIÇÕES DE 2004. PREFEITO. PARTICIPAÇÃO DO VICE-PREFEITO. NÃO COMPROVADA. INELEGIBILIDADE. CARÁTER PESSOAL. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ALÍNEA d DO MESMO DISPOSITIVO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. As causas de inelegibilidades introduzidas pela LC n. 135/2010 incidem em relação a fatos anteriores à sua entrada em vigor e em condenações já transitadas em julgado, mesmo com eventual cumprimento da sanção imposta.

2. Condenado o então prefeito por captação ilícita de sufrágio, o vice-prefeito que compunha a mesma chapa, Recorrido, também teve cassado seu mandato somente por via reflexa, motivo pelo qual não se aplica a este a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea j, da LC 64/90, pois não foi comprovada sua participação na conduta ilícita, conforme consignado no acórdão regional.

3. Para a incidência da alínea j do inciso I do artigo 1º da LC n. 64/90, não basta a existência de condenação de perda do mandato se esta não resultar do reconhecimento de uma das condutas ilícitas previamente tipificadas, sob pena de instituir-se, à revelia da Lei, uma causa isolada de inelegibilidade.

4. A declaração de inelegibilidade possui caráter pessoal; dessa forma, quando se refere a apenas um dos membros da chapa majoritária, não alcança a esfera jurídica do outro (artigo 18 da LC n. 64/90).

5. A matéria que não foi objeto de debate pela Corte de origem - artigo 1º, inciso I, alínea d, da LC n. 64/90 - não pode ser analisada em sede de recurso especial diante da ausência do indispensável prequestionamento.

6. Dissídio jurisprudencial não demonstrado.

7. Recurso desprovido.

(REspe n. 108-53/PI, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18.10.2012.)

Assim, há manifesta ausência de prejuízo à esfera jurídica do candidato a vice-prefeito, o que, por conseguinte, conduz à conclusão de que não houve vício na formação da relação processual.

 

4. Mérito

No mérito, a sentença recorrida considerou que as provas juntadas aos autos pelo agente ministerial comprovaram as práticas de abuso de poder econômico e de uso indevido de meio de comunicação social, sob o fundamento de que Odemar Consalter Schenatto (candidato não eleito ao cargo de prefeito de São João da Urtiga) e Joceli Luiz Consalter (eleito ao cargo de vereador no município), na condição de sócios-proprietários da emissora de rádio local “Rádio Educadora de São João da Urtiga”, utilizaram-se do referido meio de comunicação para alavancar sua candidatura e as de seus correligionários.

De acordo com o juízo a quo, os candidatos incrementaram o tempo de propaganda da coligação partidária pela qual concorriam, em detrimento da diminuição de tempo de publicidade dos candidatos adversários, nos termos de investigação realizada pela Promotoria Eleitoral, e da ação cautelar para produção antecipada de provas ajuizada perante a origem, apensa aos autos.

Transcrevo os fundamentos da decisão (fls. 222v.-224):

No caso dos autos, conforme narrado na inicial, em razão da quantidade de partidos coligados, a Coligação Unidos para Mudar, composta pelos partidos PT, PTB, PPS e PSB, possuía o tempo diário de 16 minutos e 50 segundos para inserção de propaganda referente à Eleição Majoritária, a qual tinha o representado ODEMAR CONSALTER SCHENATTO como candidato representante da agremiação como concorrente a Prefeito Municipal.

Já a Coligação - União Democrática Progressista-, composta pelos partidos PP, PDT, PMDB, PR e PSDB, possuía o tempo de veiculação de 25 minutos e 09 segundos para inserção da propaganda eleitoral, a qual tinha o candidato eleito Armando Dupont como concorrente ao cargo de Prefeito Municipal.

Para o Pleito Proporcional, a Coligação Unidos para Mudar possuía o tempo diário de 14 minutos e 35 segundos, a ser dividido de forma igualitária entre os candidatos a vereador, enquanto a Coligação União Democrática Progressista possuía o tempo diário de 13 minutos e 24 segundos.

Contudo, os documentos acostados às fls. 07/40, demonstram que a Rádio Educadora do Município de São João da Urtiga, que tem como proprietários e sócios-administradores os representados ODEMAR CONSALTER SCHENATTO e JOCELEI LUIZ CONSALTER FLORES, agiu ilicitamente, utilizando de forma indevida os meios de comunicação social, visto que extrapolou o limite temporal permitido de veiculação das inserções de propaganda eleitoral diária em favor da coligação Unidos Para Mudar, da qual os mesmos são integrantes e diminuiu o limite temporal permitido à coligação contrária União Democrática Progressista, tanto quanto à propaganda para pleito majoritário, quanto para o proporcional.

Note-se que as provas dos autos e as provas produzidas nos autos da Ação Cautelar n. 249-07.2016.6.21.0095, demonstram o excesso na inserção das propagandas eleitorais quanto à coligação Unidos para Mudar, da qual fazia parte o proprietário da rádio ODEMAR CONSALTER SCHENATTO, sendo verificado no dia 06.9.2016 o excesso de 15 segundos; o excesso de 16 minutos e 02 segundos no dia 13..9.2016; o excesso de 08 minutos e 41 segundos no dia 15.9.2016 e o excesso de 04 minutos e 37 segundos no dia 20.9.2016.

Não bastasse isso, também restou verificado que nos referidos dias os áudios das propagandas da coligação - União Democrática Progressista-, coligação contrária a que pertencia o representado ODEMAR, proprietário da rádio, foram inseridos e veiculados em tempo inferior à determinação da Justiça Eleitoral, que era de 25 minutos e 09 segundos.

No tocante à eleição para Vereador, também restou devidamente comprovado o excesso do tempo da propaganda eleitoral em favor da - Coligação Unidos para Mudar-, bem como a diminuição dos áudios das propagandas eleitorais da coligação contrária -União Democrática.

Note-se que o Ministério Público realizou a análise das mídias das inserções das propagandas eleitorais, restando devidamente demonstrado que as inserções do candidato JOCELEI LUIZ CONSALTER FLORES, ora representado, foram superiores à média diária de veiculação que deveria ser de 01 minuto e 12 segundos por postulante ou de 04 minutos e 48 segundo na soma dos quatro dias analisados.

Assim, verifica-se um excesso total de 08 minutos e 10 segundos nas inserções do ora representado.

Destarte, resta comprovada a configuração do abuso do poder econômico e do uso indevido dos meios de comunicação, na medida em que ficou demonstrada a gravidade da conduta perpetrada pelos representados em relação à isonomia no pleito, visto que, valendo-se da condição de proprietários da Rádio Educadora de São João da Urtiga, realizaram a inserção de propagandas eleitorais em tempo superior à determinação da Justiça Eleitoral, em benefício da coligação -Unidos para Mudar-, da qual o representado ODEMAR CONSALTER SCHENATTO era candidato a prefeito e, também, em benefício ao candidato a vereador e ora representado JOCELEI LUIZ CONSALTER FLORES.

Portanto, evidente o abuso do poder econômico que dispunham os ora representados para beneficiar-se no pleito eleitoral.

Além disso, há que salientar que antes do desencadeamento do pleito eleitoral do ano de 2016, o Ministério Público havia encaminhado a Recomendação n. 002/2016, aos Diretores da Rádio Educadora de São João da Urtiga (fls. 11/13) com os nortes de como proceder durante a realização do período eleitoral, o que demonstra que os representados tinham plena ciência da proibição dos atos ilegais apontados e ainda assim agiram com afronta a lei.

No mais, observa-se que os representados não lograram comprovar as alegações apresentadas na defesa, limitando-se a apresentar alegações genéricas, desacompanhadas de indícios ou qualquer prova.

Se limitaram, isso sim, a falar em perícias e provas testemunhais, como se tais pudessem macular o fato concreto de veiculação das mídias submetidas a todos os ouvintes e eleitores, deixando apenas se presumir que pudessem estar apostando na demora processual. Diante do contexto probatório carreado aos autos, tem-se que, de fato, a normalidade e a lisura das eleições proporcionais no Município de São João da Urtiga foram sensivelmente deturpadas pelos abusos apurados nestes autos.

Destarte, considerando que restou amplamente demonstrado que os atos ilegais praticados pelos representados resultaram no desequilíbrio da igualdade de chances entre os concorrentes, atingindo gravemente a normalidade e a legitimidade das eleições, a presente ação merece ser julgada procedente, a fim de que seja declarada cassação do diploma dos candidatos eleitos e a declaração de inelegibilidade, nos termos do artigo 22 da LC 64/90.

Conforme se verifica, a magistrada eleitoral da 95ª Zona – Sananduva analisou exaustivamente os fatos e, de forma bem fundamentada, harmônica com a prova juntada aos autos, concluiu pela procedência da ação, reconhecendo a configuração do abuso de poder econômico e do uso indevido dos meios de comunicação, na medida em que os candidatos, valendo-se da condição de proprietários da Rádio Educadora de São João da Urtiga, realizaram a inserção de propagandas eleitorais em tempo superior ao concedido pela Justiça Eleitoral, em benefício da Coligação Unidos para Mudar, pela qual Odemar Consalter Schenatto, candidato a prefeito, concorria, e da candidatura à vereança de Jocelei Luiz Consalter Flores.

De gizar ser digno de elogios o trabalho incansável realizado pela operosa Promotoria Eleitoral de Sananduva, que, de modo bastante claro e elucidativo, produziu os gráficos juntados aos autos às fls. 09-40, demonstrando que os candidatos, por dias consecutivos durante a eleição, foram beneficiados com excesso de tempo de propaganda, em prejuízo aos adversários.

Pela clareza das conclusões expressas, cumpre transcrever as considerações do órgão ministerial com atribuição junto à origem (fl. 267v.-268):

[…]

A principal prova produzida foi apresentada pelos próprios réus e demonstra que se valeram eles do poder econômico de que dispunham para realizar inserções de propagandas eleitorais em tempo exorbitantemente superior à Coligação opositora, em clara violação às normas de direito eleitoral atinentes à espécie. A alegação de ausência de dolo dos representados também não convence.

Como já destacado na inicial e em sentença, o Ministério Público Eleitoral expediu Recomendação advertindo expressamente os representados para que atentassem contra a prática de atos ilegais, os quais não seriam tolerados pela Justiça Eleitoral.

Todavia, em total audácia e destemor, os representados, valendo-se da rádio de que são proprietários, desatenderam as regras estabelecidas e as orientações recomendadas e realizaram inserções de propaganda eleitoral em completa afronta às determinações eleitorais, em benefício próprio e prejuízo dos demais candidatos, violando deliberadamente a lisura do pleito eleitoral.

A prova é consistente e clara para demonstrar a conduta abusiva dos réus, não havendo que se falar em insuficiência de provas, na medida em que basta a simples aferição das mídias apreendidas nos autos para verificar-se que não se trata de mero equívoco pontual a inserção em tempo superior ao dos demais candidatos, mas sim de estratégia eleitoral escusa e direcionada, eis que apenas os representados foram beneficiados com as inserções fraudulentas e com tempo completamente destoante do tolerável, comprovando que se valeram do meio de comunicação ao seu dispor para cometer abuso do poder econômico na campanha.

Nesse cenário, o exame do caderno probatório demonstra que as razões de reforma não merecem guarida, uma vez que o inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90 é claro ao dispor que, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Acerca do alcance do termo abuso para a efetiva configuração do ilícito eleitoral, colho da doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte. 5ª Edição, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Trago à colação, ainda, excerto do magistério do distinto Promotor de Justiça e Professor Rodrigo Zilio, relativo à análise dos elementos necessários à configuração do abuso de poder após a edição da Lei Complementar 135/10 (Revista TRE-RS, Porto Alegre, v.16, n.33. jul./dez.2011, p. 28):

Em conclusão, pois, pode-se aduzir que, atualmente, o ato de abuso de poder, em sua acepção genérica, restará configurado, conforme estatui o art. 22, XVI, da LC nº 64/90, a partir da gravidade de suas circunstâncias concretas em cotejo com a normalidade e legitimidade do pleito. A gravidade do ato ilícito isoladamente praticado, de per si, não é suficiente para reconhecer como configurado ato de abuso apto a levar a procedência de uma ação de abuso genérico (AIJE, AIME, RCD), já que o bem jurídico protegido pelas ações genéricas não restará afetado pela conduta perpetrada.

Por conseguinte, na análise da “gravidade das circunstâncias” do ato de abuso, conforme estabelecido pelo inciso XVI do art. 22 da LC n. 64/90 (com redação dada pela LC n. 135/10), revela-se adequado e necessário aferir a forma, natureza, finalidade e os efeitos do ato praticado – sendo indispensável, na avaliação da extensão do dano causado, a visualização dos critérios1 cronológico (temporal), quantitativo e em relação ao impacto junto ao eleitorado. Neste diapasão, ainda, o critério quantitativo de votos entre os candidatos é elemento a ser devidamente sopesado, não de modo isolado, mas a partir de uma avaliação conjuntural com as demais circunstâncias inerentes à qualidade do ato praticado. Assim, importa – e é fator a ser sopesado pelo juízo – o desempenho eleitoral do candidato em eleições passadas e, até mesmo, a comparação de dados obtidos em pesquisa eleitoral com o resultado do pleito.

Ao fim, conclui-se que as observações traçadas no presente trabalho têm por desiderato, apenas, estabelecer diretrizes concretas para servir de suporte ao julgador, evitando a sobreposição de critérios excessivamente subjetivos e sem base científica minimamente razoável, de modo a causar – ainda mais – instabilidade no trato das ações eleitorais. Daí, pois, reconhecidos os critérios basilares de avaliação da gravidade das circunstâncias do ato de abuso (v.g., forma, natureza, finalidade, os efeitos do ato praticado – critérios cronológico, quantitativo e de impacto junto ao eleitorado), como exigido pelo art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/90, em cotejo com o bem jurídico tutelado (normalidade e legitimidade do pleito), é tarefa do julgador, no enfrentamento do caso concreto e com base na prova exposta em juízo, concluir pela ocorrência (ou não) do ilícito eleitoral.

No tocante à ocorrência e caracterização do uso indevido de veículo ou meio de comunicação, destaco, ainda da obra de Rodrigo Zilio (Direito Eleitoral, 3.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 440):

A utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre sempre que um veículo de comunicação social (v.g., rádio, jornal, televisão) não observar a legislação de regência, causando benefício eleitoral a determinado candidato, partido ou coligação. Inegável, e cada vez maior, a influência dos meios comunicação de massa na sociedade atual, cuja característica principal é a imediatidade da circulação de informação. FÁVILA RIBEIRO (pp. 45-48), após aduzir que os meios de comunicação devem ser tratados como poder social, sendo, pois, passíveis de controle, assevera que “as comunicações não tem sido compativelmente tratadas pela condição de poder que adquiriram no contexto da sociedade de massas, com a concentração de uma potencialidade informativa a se propagar com inusitada velocidade a pontos mais remotos”, concluindo que “no momento em que se afirma como poder, [o meio de comunicação] fica afetado pela tendência congênita a abuso, não que programe desencadear o mal, mas em proteger desregradamente os seus afeiçoados, abalando a regra igualitarista no âmbito do processo eleitoral”. A configuração da hipótese em apreço pressupõe que o ilícito tenha participação, direta ou indireta, por parte do veículo de comunicação social ou, ainda, que haja anuência do meio de comunicação social no ato de abuso praticado por outrem. Dito de outro modo, não se configura o uso indevido do meio de comunicação social quando terceiro (seja candidato, partido, coligação ou pessoa física) dá concreção ao ato de abuso, utilizando-se, v.g., de um jornal, sem o conhecimento do veículo de comunicação social. Assim, no caso de um partido político, por exemplo, comprar espaço na imprensa escrita, fazendo menção a resultado de pesquisa eleitoral (previamente encomendada pela agremiação), cuja autoria é atribuída ao jornal, sendo que o partido, por sua própria conta, encarta o folheto com os dados da pesquisa no jornal, dando a impressão de que a pesquisa é obra da imprensa, e, ao depois, adquire tiragem expressiva do jornal, distribuindo-o à parcela expressiva do eleitorado da circunscrição, é inequívoco o reconhecimento de um ilícito eleitoral. Todavia, não é possível a configuração do uso indevido dos meios de comunicação social, na medida em que o órgão da imprensa foi utilizado, sem sua anuência, na prática do ilícito. Pode-se cogitar, porém, de ato de abuso de poder econômico (tanto na compra da pesquisa encomendada como na aquisição dos jornais), além da fraude eleitoral (ao incutir ao eleitorado inverídico resultado de pesquisa, imputada indevidamente ao jornal).

Acerca da gravidade dos fatos apurados nos autos, é importante considerar os argumentos delineados pelo Ministério Público Eleitoral nas contrarrazões apresentadas (fl. 269):

[…]

No caso dos autos, a conduta, além de grave, influenciou diretamente a eleição para o cargo de vereador, pois Jocelei acabou eleito, ao passo que pôs em sério risco a legitimidade do pleito para o cargo de prefeito, para o qual havia apenas duas chapas registradas.

Com efeito, os réus se valeram da rádio de que são proprietários para inserir propagandas eleitorais durante a programação normal em detrimento e prejuízo dos demais candidatos, restando provado que agiram em benefício próprio e que a conduta, além de se revestir de séria gravidade (o que já é suficiente para a procedência da ação) também influenciou diretamente no resultado da disputa para vereador.

Em resumo, o acolhimento do pedido condenatório independe de lesividade concreta à eleição, bastando que a conduta se revista de seriedade tal que possa influenciar no desequilíbrio da corrida eleitoral, exatamente como ocorreu no caso dos autos.

Concluo, assim, pela manutenção da sentença recorrida.

 

Diante do exposto, afasto as preliminares suscitadas e VOTO pelo desprovimento do recurso, confirmando a sentença condenatória, para declarar a inelegibilidade de ODEMAR CONSALTER SCHENATTO, candidato não eleito ao cargo de prefeito, e de JOCELI LUIZ CONSALTER, eleito vereador do Município de São João da Urtiga, para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2016.

Em relação ao candidato eleito, mantenho a condenação à cassação do diploma de vereador, por prática de abuso de poder econômico e utilização indevida de meio de comunicação social, mediante uso da emissora de radiofusão de propriedade dos candidatos para favorecimento na campanha eleitoral, e determino que, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos conferidos a JOCELI LUIZ CONSALTER sejam computados para a coligação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente da coligação. Determino, ainda, que:

a) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se a Zona Eleitoral para cumprimento do acórdão;

b) Transitada em julgado a decisão, efetue-se o registro da existência de inelegibilidades perante o sistema de informações da Justiça Eleitoral.