RE - 40612 - Sessão: 13/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) DE ROLADOR em face da sentença que julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada contra PAULO ROGÉRIO DE MENEZES PEIXOTO e MAURO DOS SANTOS, reeleitos prefeito e vice-prefeito do Município de Rolador, nas Eleições 2016, para o fim de condenar os candidatos ao pagamento de multa de R$ 5.320,50, por infração ao disposto no art. 73, incs. V e VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, devido à remoção de servidora pública municipal e instalação de placa de obra em praça pública.

Nas razões, o recorrente, à guisa de preliminar, sustenta deva ser considerada lícita a gravação ambiental que comprovaria o primeiro fato alegado na inicial, relativo à exoneração da função de confiança ocupada pelo servidor Cleber da Luz Schinvelski, realizada pela vítima, assim como o depoimento judicial prestado pelo servidor. Assevera ter sido suficientemente demonstrada a prática de abuso de poder político com gravidade para influenciar no resultado do pleito. Postula o prequestionamento da matéria infraconstitucional invocada na peça recursal e do art. 14, § 9º, do art. 93, inc. IX, c/c art. 5º, incs. II e XII, da Constituição Federal. Requer a majoração das penas de multa impostas aos candidatos recorridos e a sua condenação à cassação dos diplomas, à declaração de inelegibilidade, e a consequente realização de novas eleições majoritárias na cidade de Rolador.

Com as contrarrazões, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso e extração de cópia dos autos.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, observo ter sido incluída na autuação do recurso, como parte recorrida, a Coligação União por Rolador, pela qual concorreram os candidatos recorridos. No entanto, deve ser considerado o apontamento realizado pelo juízo a quo no sentido de que a ação não foi direcionada à referida coligação, mas apenas aos candidatos.

Assim, a  Coligação União por Rolador deve ser excluída da qualidade de recorrida da autuação do presente recurso.

a) Preliminar de licitude da gravação ambiental juntada aos autos

Com a inicial, o partido recorrente juntou mídia (fl. 30), contendo gravação de áudio de uma conversa travada entre o prefeito e candidato à reeleição Paulo Rogério de Menezes Peixoto e o servidor Cleber da Luz Schinvelski, realizada no gabinete do administrador na Prefeitura de Rolador e registrada pelo próprio servidor público.

A sentença considerou a prova ilícita porque não foi precedida de autorização judicial nem utilizada para defesa no âmbito de ação penal, mas para fazer prova de conduta ilícita. Ponderou que o local da gravação – gabinete do prefeito – é ambiente no qual o administrador espera a preservação da privacidade.

Além disso, por ser decorrência do referido áudio, considerou ilícito também o testemunho judicial prestado pelo servidor Cleber da Luz Schinvelski.

Inicialmente, cumpre sublinhar que a gravação juntada aos autos não foi obtida por meio de interceptação, meio de prova no qual terceiro, geralmente estranho aos interlocutores, capta o conteúdo de diálogos. Tal modo de produção probatória é efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Aqui, houve gravação, de fato clandestina, sem o conhecimento de um dos interlocutores, e a clandestinidade não implica, necessariamente, ilicitude, como se verá.

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em necessidade de autorização judicial ou de existência de procedimento criminal, pois não houve interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo.

Nesse cenário, gizo que o STF, em regime de repercussão geral, já assentou a validade da gravação ambiental como espécie de prova:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

(RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.) (Grifei.)

É cediço que, em algumas hipóteses, o conteúdo da gravação ambiental deve estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, mormente naquelas situações em que a conversa, em si, tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais e, com o devido sopesamento, conclua-se pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se, topicamente, a primazia do interesse público.

Contudo, tais restrições tratam de hipóteses extremas, de especial tutela da intimidade – aquelas que nem mesmo o interlocutor poderia vir a testemunhar sobre o conteúdo versado.

Nessas hipóteses, há que se sopesar os assuntos passíveis de gravação ambiental daqueles em que ela não é possível: o direito fundamental à intimidade visa preservar o assunto conversado, e não o método de prova. Ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada do interlocutor pode ser, sim, objeto de gravação ambiental.

Não desconheço as decisões do TSE que limitaram a utilização de tal espécie probatória para as eleições municipais de 2012. No entanto, de acordo com a jurisprudência da mais alta Corte do país, tal tipo de prova é válido quando ausente causa legal de reserva de sigilo.

Nessa linha, julgados deste Tribunal Regional Eleitoral, representados pelas ementas abaixo colacionadas:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria. Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.) (Grifei.)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n. 573-28, acórdão de 17.02.2017, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. DEJERS de 21.02.2017.) (Grifei.)

No caso dos autos, a gravação de conversa entre o prefeito e o servidor público, no gabinete localizado na sede da prefeitura, e efetuada por um dos interlocutores, não reflete situação em que haja privacidade a ser protegida.

Além disso, conforme defende a Procuradoria Regional Eleitoral, a gravação serve à comprovação da prática de ilícito eleitoral – conduta vedada –, tutelando, pois, indiretamente, a legitimidade e normalidade das eleições, insculpidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, e diretamente, a liberdade do eleitor e o equilíbrio de oportunidade entre os candidatos, como corolários da cidadania, soberania popular e do regime democrático previstos nos arts. 1º e 14 da Carta Maior.

Portanto, a gravação afigura-se como expediente proporcional, pois permite a efetivação da tutela da soberania popular em face de singelo afastamento da tutela à intimidade.

Assim, acolho a preliminar e considero lícitos tanto o áudio acostado aos autos, na mídia da fl. 30, quanto o depoimento prestado pelo servidor envolvido, Cleber da Luz Schinvelski.

 

b) Mérito

No mérito, a inicial imputa aos recorridos cinco fatos caracterizadores de condutas vedadas a agentes públicos, conforme síntese extraída da sentença:

O primeiro ato relacionado na inicial: praticado em desfavor de servidor público municipal ocupante de cargo de provimento efetivo no Município de Rolador/RS, Cleber da Luz Schinvelski. No dia 03 de agosto de 2016, aproximadamente as 9 horas da manhã, no gabinete do Prefeito Municipal de Rolador e candidato à reeleição Paulo Rogério de Menezes Peixoto, Cleber, servidor municipal efetivo, foi convocado ao gabinete de Paulo Rogério para ser obrigado a fazer campanha política para ele, conforme áudio da conversa gravado por Cleber. Afirmou o representante que diante da desistência da mãe de Cleber de concorrer à reeleição para Vereadora, Paulo Rogério quis obrigar Cleber a apoiar outro candidato do seu partido para Vereador, bem como sua própria candidatura à reeleição, utilizando-se do seu poder de mando e de concessão de benefícios (gratificações) ao servidor Cleber, que manifestou que apoiaria candidato a Vereador de partido adversário do representado. Sustentou que o investigado Paulo Rogério usou de seu poder político e de sua autoridade e fez uso da máquina pública em favor de sua candidatura, inclusive dispensando Cleber da função gratificada que percebia, consumando a ameaça.

O segundo fato relacionado na inicial: praticado em desfavor de Rosecler da Silva Lima, servidora municipal ocupante de cargo efetivo na Prefeitura Municipal de Rolador/RS. No dia 23 de agosto de 2016 a servidora foi removida da Secretaria onde originalmente laborava para outra Secretaria, em ato de perseguição praticado pelo representado Paulo Rogério, pois Rosecler é esposa de Vanio Roger de Lima Silva, filiado e convencional do Partido Progressista de Rolador, apoiador da coligação adversária de Paulo Rogério. Afirmou a representante que no dia 29 de agosto de 2016 a Portaria de remoção da servidora foi revogada, pois os investigados perceberam que a servidora não aceitaria a injustiça.

O terceiro fato relacionado na inicial: praticado em desfavor de Vantuir Ariel da Rocha, servidor municipal de Rolador. Relatou o representante que Vantuir foi dispensado da função gratificada que ocupava, confirmando trecho da gravação promovida pelo servidor Cleber da Luz Schinvelski, por ser filiado e convencional do Partido Progressista de Rolador, apoiador da coligação adversária de Paulo Rogério.

O quarto fato relacionado na inicial: praticado em desfavor de Geferson de Oliveira Freitas, servidor municipal de Rolador/RS. Sustentou o representante que como o servidor Geferson pré-candidatou-se a Vereador pelo PDT, partido adversário dos investigados, foi destituído da função gratificada que exercia e mesmo assim continuou a exercer idênticas atribuições.

O quinto fato relacionado na inicial consiste na afirmação de que Paulo Rogério fez constar em obra pública - praça municipal - ampla placa mencionando a conclusão da obra pública em julho de 2016, arrolando o nome de várias autoridades, inclusive o seu, do Vice-Prefeito, dos Secretários Municipais e de alguns servidores públicos, caracterizando promoção pessoal das referidas pessoas, na véspera do período eleitoral. Asseverou o representante que houve violação pelos investigados dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, demandando gasto público com claro e notório desvio de finalidade, qual seja, promoverem-se às custas do erário em período pré-eleitoral.

O juízo a quo entendeu pela procedência do pedido condenatório quanto ao segundo e ao quinto fatos, relativos à remoção da servidora ocupante de cargo efetivo na Prefeitura de Rolador, Rosecler da Silva Lima, da Secretaria Municipal onde originalmente laborava, e à instalação de placa de conclusão de obra pública em praça municipal, ambas condutas praticadas durante o período vedado de três meses que antecedem o pleito, previstas no art. 73, incs. V e VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

[...]

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

Contra esse ponto da decisão não houve recurso dos candidatos, razão pela qual a matéria resta incontroversa nos autos.

Observa-se também não haver irresignação recursal da agremiação representante relativamente à dispensa das funções gratificadas ocupadas pelos servidores públicos Vantuir Ariel da Rocha e Geferson de Oliveira Freitas, narrada no terceiro e no quarto fatos da inicial.

As razões recursais apresentadas pelo partido representante, por sua vez, limitam-se a requerer: a) a reforma da decisão para o fim de ser julgada procedente a ação quanto ao primeiro fato – exigência de apoio político ao servidor público Cleber da Luz Schinvelski, bem como dispensa da função gratificada por ele ocupada junto à administração municipal – com o reconhecimento da licitude da gravação ambiental acostada aos autos; e b) a majoração das penas pecuniárias fixadas na sentença, assim como a condenação dos recorridos à cassação dos diplomas de eleitos e à declaração de sua inelegibilidade.

Efetivamente, a dispensa da designação de funções gratificadas ou comissionadas constitui ressalva expressa da al. “a” do inc. V do art. 73 da Lei das Eleições.

Quanto à insurgência pela exoneração da função de confiança exercida por Cleber da Luz Schinvelski, inexiste, em tese, vedação à nomeação ou exoneração de cargos em comissão, ou designação e dispensa de funções de confiança, durante o período eleitoral, cabendo à parte que alega a ilicitude a prova de prática abusiva, para efeito de afastar a presunção de legalidade do ato administrativo.

Essa prova foi devidamente demonstrada pela gravação de áudio da folha 30 e pelo depoimento prestado pelo servidor.

Conforme degravação contida no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o diálogo demonstra que o prefeito exigiu o voto e o apoio político do servidor em troca da permanência de sua designação para função gratificada junto à administração pública.

Além disso, do testemunho prestado por Cleber tem-se que estavam presentes, no momento da reunião, além do Prefeito Paulo Rogério de Menezes Peixoto, o Vice Mauro dos Santos e o Secretário Municipal Odair da Rocha – a quem o prefeito ordenou realizar a portaria de destituição de Cleber da função gratificada em questão:

PAULO: Tranquilo?

CLEBER: Tudo bem, lidando.

PAULO: Cabeça, eu quero bota outro vereador, ta? Aí quem é que tu vai pega pra trabalha. Pode escolher a Maria, o Chico, Doca, Agenor…

CLEBER: Pois é, eu já falei com uns aí, eu... o negócio do Henrique não "concorre", que nós tava fechado pra apoiar ele.

PAULO: Hum.

CLEBER: Aí... eu, por questão até de parentesco, né. Depois o Geferson é... arrumou 30 votos pra Joelize lá na...

PAULO: (...) nenhum (...) O Geferson é o pior funcionário que eu tenho aqui. Isso ai, eu não aceito, ta ganhando FG, eu quero que tu trabalhe pro candidato meu e quero que faça campanha pra mim também. Quem é meu CC, quem ganha FC: ou trabalha pra mim ou trabalha pro Eloi. Se tu quer trabalhar pro Jeferson...

CLEBER: Não, eu até não vou faze questão de pedi voto pra ele. Mas, eu lá em casa, eu tenho que, eu já disse, eu vou voto pra ele. Não tem. Eu... eu tive que sai, o negócio do Henrique concorre lá, eu tive que sai cata voto pra lá. E eu sou assim, se eu sou de dizer pra pessoa, eu não volto atrás.

PAULO: A (...) volto pra (...), a (...) vota dentro do PMDB, muitos votam, (...) nos fizemos (...) todo mundo (...).

CLEBER: É não, não, Paulo. Aí, aí eu tenho que discordar um pouco porque teve muito gente com o pé nosso aí que foi pressionado pra vota no Henrique.

PAULO: Não, tu que sabe.

CLEBER: Claro.

PAULO: O Vantuir já se decidiu, abriu mão e vai vota contra mim, parabéns. E tu? Se tu quer ficar comigo, tu fica. Se tu que fica com o Geferson, fica. Só que eu não vou fica dando gratificação pra quem é contrário meu. Me desculpe, Cabeça, mas vamos fala português (…)

CLEBER: Tá, não, tranquilo.

PAULO: Tu é homem, eu sou homem.

CLEBER: Claro, eu não vou pode fazer campanha pra um vereador, eu vou vota nele, como é que vou sai fazendo campanha pra outro?

PAULO: Eu não tenho cara de bobo, de acha que tu vai fazer campanha e votar pro cara e (…). Bobo não. Então. E outra coisa se tu quer tirar aquele (adesivo) do teu auto, tira logo, pra não fica chato aquilo ali, né. Vai bota atrás, bota um outro logo.

CLEBER: Eu ó, o seguinte, tem umas quantas coisas assim ó, o Geferson foi o único que foi lá e me prometeu e não pediu um real, sabe, pra faze campanha pra nós. E ó eu não vou sai de casa em casa pra pedi voto pra ele, só que eu disse ó, lá em casa vai ter que sai voto pra ele. Não adianta.

PAULO: Ta bom. (...). Não tem problema.

CLEBER: Não tem.

PAULO: Se é assim, faz a portaria depois lá. Então.

CLEBER: Não tranquilo, Paulo, assim á, eu até te entendo, sabe? Eu não vou te promete um negócio assim, trabalha, e não fazer o serviço, sabe? Eu não vou promete isso aí, porque eu fechei com ele lá.

PAULO: (...) Querem votar no Eloi?

CLEBER: Eu te entendo. Não, e outra coisa o Eloi que se vira, vai custa o trabalho dele, só que... Nós lá com a mãe mesmo, tu sabe.

O conteúdo do diálogo é bastante revelador. O Prefeito Paulo Rogério de Menezes Peixoto deixa claro a Cleber da Luz Schinvelski que só o manteria no exercício da função gratificada se o servidor realizasse campanha, e votasse, em um dos candidatos a vereador por ele apoiados. Diante da negativa de Cleber, o chefe do Executivo afirma que a portaria de dispensa da função seria publicada.

Em contrarrazões, os candidatos recorridos afirmam que a conversa se tratou de uma trama arquitetada pelo servidor devido ao seu vínculo político com os candidatos que faziam oposição ao prefeito.

Todavia, resta cristalina a prática abusiva realizada pelo candidato à reeleição como prefeito, uma vez que a militância partidária do funcionário público envolvido nos fatos não tem o condão de afastar a prova de que o voto e o apoio na campanha eleitoral era exigência em troca da designação para função gratificada junto à municipalidade.

Essa conclusão é corroborada pelo depoimento judicial prestado por Cleber (fls. 194-200), no qual o servidor reitera a finalidade eleitoral da conversa travada com o Prefeito Paulo:

Testemunha: Eu declaro que eu fui, no primeiro momento, tinha sido já convocado para uma conversa no gabinete dele para pedir que fosse apoiado a candidatura dele pra concorrer e eu resolvi não me manifestar e já sabendo da situação, que viria uma carga de pressão sobre mim, fui chamado em um segundo momento, que aí eu já me preveni e fiz uma gravação, que foi da minha pessoa, com consta, um áudio, pra mim me comprovar que eu tava sendo pressionado, sendo que eu trabalho há cinco anos lá, já e não queria fazer parte assim, me manifestar politicamente, com o direito de cada um e aí é o que fiz no áudio lá, e eu fiz isso por causa que eu já sabia que... tava prevendo já que ia sofrer esse tipo de pressão, eu acho que é irregular.

Juíza: Que tipo de pressão o senhor sofreu, pra apoiar a campanha do Paulo Rogério ou de outros candidatos? Testemunha: Eu sofri a pressão na questão seguinte, de apoiar candidaturas a vereador no lado da coligação do atual prefeito e a ele, e eu disse que não poderia, que eu não poderia assumir compromisso com tal.

Juíza: O senhor tava ocupando função gratificada, como que era a sua situação na época?

Testemunha: Sim. Eu recebia uma função gratificada de identificação, eu faço identidade lá no município e a junta de serviço militar, alistamento. Trabalho no RH também, sou agente administrativo concursado, já há cinco anos e desde então, eu recebo já essas funções e no momento que eu não aderi a situação, como mostra documentos aí, que eu fui exonerado dessas funções.

Juíza: Após essa conversa aqui, o senhor foi exonerado?

Testemunha: Sim.

Juíza: Aham, tá. E quanto tempo fazia que o senhor ocupava essa gratificação, função gratificada?

Testemunha: Em torno de cinco anos, também. Juíza: Quase cinco anos?

Testemunha: É.

Juíza: Mas o motivo do senhor ter que sair da função gratificada, foi por que o senhor manifestou que não ia apoiar?

Testemunha: Sim. Juíza: É isso?

Testemunha: É isso aí. Nunca teve problema de (reclamação). […]

Juíza: Que que você falasse sobre um trecho específico aqui, que consta como fala do Paulo Rogério. “Eu não tenho cara de bobo, de achar que tu vai fazer campanha e votar pro cara e vai […] pra mim e pro Eloi. Bobo não, então. E outra coisa, se tu quer tirar aquele adesivo do teu auto, tira logo, pra não ficar chato aquilo, né. Vai botar atrás, bota um outro logo”. O senhor foi inclusive, nesse aspecto... aconteceu isso?

Testemunha: Aconteceu, no caso eu... como o advogado aqui já citou, eu sou filiado no PMDB, né? Minha mãe é vereadora pelo quarto mandato lá, do PMDB.

Juíza: Quem é a sua mãe?

Testemunha: Cledi Schinvelski. Até paramos com a política, ela não concorreu mais e aí eu tinha obrigação com o Geferson Oliveira, que era candidato da situação, da oposição do atual prefeito, por causa de parentesco, sabe? E eu deixei bem claro, que eu teria que apoiar, pelo menos a minha situação, apoiar esse... agora pra prefeito, eu não tinha me manifestado nada, só que o atual prefeito não me deixou opções, ele disse “ou está do meu lado, ou está do lado do adversário”. Então... e aí que aconteceu dele mandar tirar o adesivo, como tá.

Juíza: E o que o seu Paulo quis dizer “se é assim, faz a portaria depois lá, então”. Testemunha: Era questão pra tirar as minhas gratificações. Juíza: O senhor tinha que fazer então... (saindo) da gratificação.

Testemunha: Não, aí tava o secretário, o Adair da Rocha, na sala, é meu chefe até hoje e aí o prefeito autorizou ele a fazer a portaria, como eu tava prevendo já que ia acontecer isso, aí a portaria que ele se referiu é a gratificação.

Juíza: E isso tá tudo documentado que foi nesse contexto da conversa, na sequência veio a exoneração, foi isso?

Testemunha: Sim.

Juíza: E tem toda a documentação, relativa?

Testemunha: Tem, cópias da portaria e tudo.

[…]

Procurador do Representante: Apenas para deixar mais claro, na frase que a doutora leu pra você, falado pelo prefeito “eu não tenho cara de bobo, de achar que tu vai fazer campanha e votar pro cara”, a quem ele se refere isso aí? Você tem lembrança, recordação?

Testemunha: Sim, no caso, se eu fosse apoiar Geferson, que é o vereador da oposição e apoiar ele, ele não acreditou que eu iria votar pra pessoa dele e sim pro prefeito que é da coligação do Geferson.

Procurador do Representante: E o prefeito que é da coligação do Geferson, o nome dele é Eloi?

Testemunha: Eloi.

Procurador do Representante: A testemunha recorda também ter sido pronunciado pelo prefeito investigado, a seguinte frase "o Geferson é o pior funcionário que eu tenho aqui, isso aí eu não aceito, tá ganhando FG, eu quero que tu trabalhe por candidato meu e quero que faça campanha pra mim também, quem é meu CC, ganha FG ou trabalha pra mim ou trabalha pro Eloi. Se tu quer trabalhar pro Geferson", lembra desse instante, desse momento?

Testemunha: Sim.

Procurador do Representante: Foi mais ou menos nesses termos?

Testemunha: Exatamente.

Procurador do Representante: Quantos dias após essa conversa saiu a portaria de exoneração das suas gratificações?

Testemunha: No outro dia.

Procurador do Representante: No dia seguinte? A testemunha, como declarou que trabalha no RH, sabe informar se o Geferson também ganhava gratificação ou função gratificada?

Testemunha: Sim.

Procurador do Representante: Ganhava ou não ganhava? Testemunha: Ganhava.

Procurador do Representante: E sabe se foi cortada essa gratificação dele?

Testemunha: Foi.

[...]

O fato em questão é corroborado pelo histórico funcional do servidor às fls. 110-111 e pelas portarias de dispensa de função gratificada n. 4.191 e n. 4.192, ambas de 03 de agosto de 2016 (fls. 39-40 e 116-117).

Desse modo, tenho por comprovado, à saciedade, o desvio de finalidade e a prática abusiva praticada pelos candidatos recorridos no tocante ao primeiro fato narrado na inicial, objeto da irresignação recursal.

As condutas vedadas constituem-se em espécie do gênero “abuso de poder”, e o fato considerado como conduta vedada (art. 73 da Lei das Eleições) pode ser apreciado como abuso de poder apto a gerar a inelegibilidade prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Precedentes.

O abuso de poder político ou de autoridade consiste em ação ímproba do administrador com o objetivo de influenciar o pleito de forma ilícita, usando indevidamente do cargo ou da função pública para beneficiar determinada candidatura, situação evidenciada do exame dos autos.

Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 3. ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2012, p. 503-504) traz lição sobre as condutas vedadas, no sentido de que estas visam tutelar o princípio da isonomia entre os candidatos, sendo desnecessária a verificação de ofensa à lisura, normalidade ou legitimidade da eleição, pois é suficiente que seja afetada a igualdade entre os candidatos:

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores. [...]

Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73, da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

No caso, indiscutível a prática de condutas vedadas, o que faz incidir de forma obrigatória o art. 73, incs. V e VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, independentemente da efetiva influência dos fatos no resultado do pleito.

Configura prática de abuso de poder político e de autoridade, nos termos do que dispõe o art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90, a dispensa de servidor de designação de função gratificada em razão da negativa de apoio eleitoral.

 

c) Sanção aplicável aos recorridos

Os candidatos recorridos Paulo Rogério de Menezes Peixoto e Mauro dos Santos foram condenados ao pagamento de multa individualizada de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), apenamento mínimo previsto no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 62, § 4º, da Resolução TSE n. 23.457/2015.

Para a aplicação da penalidade pecuniária e da severa sanção de cassação do diploma de candidato eleito pelo sufrágio popular, há de se observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, realizando-se a ponderação entre o bem jurídico tutelado – a igualdade na disputa eleitoral – e a gravidade da conduta.

Considerando a prática de conduta vedada e de abuso de poder no tocante a três fatos descritos a inicial, tenho que merece ser majorada a sanção, não se afigurando razoável ou proporcional que a multa permaneça no menor patamar previsto na legislação.

Além disso, há jurisprudência consolidada no sentido que a sanção deve ser aplicada às partes condenadas de forma individual, sendo incabível a condenação ao pagamento solidário em sede de imputação de multa eleitoral por ato ilícito:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. FAC-SÍMILE. DISPENSABILIDADE. APRESENTAÇÃO. ORIGINAIS. APLICAÇÃO. RES.-TSE N° 21.711/2004. AÇÕES. ELEITORAIS. PREVALÊNCIA. RATIO PETENDI SUBSTANCIAL. ABUSO DE PODER. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESVIRTUAMENTO.

FESTIVIDADE PRIVADA. PATROCÍNIO. PREFEITURA. PROMOÇÃO. PESSOAL. BENEFÍCIO. CANDIDATURA. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, DA LEI Nº 9.504/97. CESSÃO. BENS. MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA. MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

4. De acordo com o art. 73, § 8º, da Lei nº 9.504/97, estarão sujeitos à multa do § 4º os agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas, bem como os partidos, coligações e candidatos que se beneficiarem com a prática ilícita, sendo, portanto, desnecessária a demonstração da participação ativa do candidato, para a aplicação da penalidade pecuniária.

5. No caso, é suficiente a aplicação tão somente da pena de multa, porquanto a cassação dos diplomas se revelaria, no contexto dos autos, medida desproporcional à ilicitude cometida, uma vez não prejudicada a normalidade do pleito, tampouco a essência do processo democrático, pela disputa livre e equilibrada entre os candidatos.

6. Recursos especiais parcialmente providos, para afastar as sanções de inelegibilidade e cassação do diploma, aplicando-se, contudo, multa individual aos representados no valor de 50 mil (cinquenta mil) UFIRs, com fundamento no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 13433, Acórdão, Relator Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 189, Data 05.10.2015, Página 137.)

 

Representação. Propaganda eleitoral gratuita. Televisão. Condutas vedadas. Art.73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97. Art. 40 da Lei n. 9.504/97. Emprego do rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Utilização de bens e serviços ligados à segurança pública em favor da candidatura majoritária. Fatos incontroversos. Suspensão liminar da veiculação. Eleição 2014.

Compete ao Ministério Público Eleitoral - dominus littis - oferecimento da denúncia em relação a ocorrência, em tese, de uso de símbolos e imagens oficiais na propaganda (art. 40 da Lei das Eleições).

Emprego de filmagem no interior de imóveis afetados aos serviços de órgão da segurança pública, protagonizada por policiais militares fardados, em horário de expediente, com depoimentos adrede preparados, em prol da candidatura majoritária.

Caracterizadas as infrações dos incs. I e III do art. 73 da Lei das Eleições, afigurando-se a ruptura da igualdade de disputa entre os candidatos ao cargo maior do Poder Executivo Estadual.

Aplicação de multa individual.

Procedência.

(TRE-RS, Representação n. 137994, ACÓRDÃO de 29.10.2014, Relator DES. FEDERAL OTAVIO ROBERTO PAMPLONA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 5.11.2014, Página 02.)

Na hipótese vertente, a pena adequada ao caso concreto deve afastar-se do mínimo legal, cabendo o aumento de quantia, equivalente à metade do mínimo de R$ 5.320,50, à razão de R$ 2.660,25, totalizado o montante de R$ 7.980,75, valor que se mostra adequado ao sancionamento dos ilícitos praticados.

Portanto, fixo o valor da multa em R$ 7.980,75 para cada um dos candidatos, prefeito e vice-prefeito, de forma individual.

Outrossim, considero que, conquanto antijurídicos, os atos praticados não tiveram gravidade para, por si só, desequilibrar o pleito a ponto de afetar a legitimidade e a normalidade das eleições.

A respeito deste tema, a elucidativa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral assenta que, para afastar determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar a existência de ilícito eleitoral grave o suficiente para ensejar as severas e excepcionais sanções de cassação de diploma e de declaração de inelegibilidade:

ELEIÇÕES 2008. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo. A posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave abuso, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade.

2. Quanto ao abuso de poder, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Todavia, por se referir ao pleito de 2008, aplica-se ao caso dos autos a jurisprudência da época que ainda condicionava a configuração do abuso de poder à análise da potencialidade apta a desequilibrar o pleito.

3. Subsiste interesse recursal em decorrência do advento da Lei Complementar nº 135/2010.

4. Abuso do poder político e econômico. Doação de material esportivo mais de 1.000 pares de tênis distribuídos em junho e julho de 2008 com ampla divulgação, atingindo praticamente todos os alunos da rede pública municipal. O acórdão regional demonstrou que: i) o programa social não se encontrava em execução orçamentária em 2007, tampouco existia lei a amparar a doação realizada por meio de abertura de créditos adicionais especiais, porquanto a lei que os haveria aprovado também teria condicionado sua utilização ao exercício do ano de 2007; ii) a conduta teve potencialidade para desequilibrar a eleição.

5. Inviável no caso concreto novo reenquadramento jurídico dos fatos, pois necessário seria o reexame das provas dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral.

6. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1627021, Acórdão de 30.11.2016, Relator Min. GILMAR MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 20.3.2017, Página 90.) (Grifei.)

Assim, ainda que a ação seja processada com base no rito do art. 22 da LC n. 64/90, a penalidade de inelegibilidade prevista no inc. XIV do referido dispositivo legal depende de juízo de ponderação da gravidade das circunstâncias que envolvem os fatos, pois de acordo com o TSE “nem toda conduta vedada e nem todo abuso do poder político acarretam a automática cassação de registro ou de diploma, competindo à Justiça Eleitoral exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta” (REspe 33645, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 17.04.2015).

A cassação do registro ou do diploma não é medida impositiva, uma vez que o § 5° do art. 73 da Lei das Eleições apenas dispõe estarem os candidatos beneficiados sujeitos à cassação do registro ou do diploma.

Na hipótese dos autos, é suficiente à reprimenda da conduta vedada em questão a pena pecuniária, nos termos fixados pelo juízo a quo, pois a cassação do diploma não atenderia ao princípio da proporcionalidade, em relação ao seu subprincípio ou máxima parcial da necessidade ou exigibilidade, nos termos da mais moderna doutrina (Exames inerentes à proporcionalidade, em: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos -, 11 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 167-169).

Com essas razões, tenho que a violação mostra-se demasiadamente diminuta para atrair as sanções de cassação do diploma e de declaração da inelegibilidade, medidas que se apresentam fora dos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade de apenamento para este tipo de conduta.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, III, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a incidência das sanções de multa e de cassação do diploma (art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97) deve observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

2. No caso dos autos, os agravados foram multados pela prática da conduta vedada do art. 73, III, da Lei 9.504/97, pois o Secretário Adjunto de Saúde de Pirapora/MG e sua assistente ordenaram que duas agentes comunitárias convidassem gestantes durante o horário de expediente para palestras e consultas médicas que ocorreriam em 1º.9.2012. Esse convite, porém, teve como real objetivo a participação dessas pacientes na gravação de programa eleitoral.

3. Considerando que o ilícito foi praticado uma única vez e contou com a participação de somente quatro servidores, a imposição de multa no mínimo legal a cada um dos agravados revela-se consentânea com esses princípios.

4. Agravos regimentais desprovidos.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 122594, Acórdão de 25.06.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 148, Data 12.8.2014, Página 100-101.)

 

Recurso. Representação. Conduta vedada a agente público. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Multa. Eleições 2012. Alegada utilização de servidores municipais, em horário de expediente, para campanha eleitoral. Conduta vedada comprovada apenas em relação a um servidor público. Reconhecido o evidente benefício à campanha dos candidatos da chapa majoritária. Imposição da reprimenda prevista no § 8º do art. 73 da Lei das Eleições. Fato, entretanto, sem gravosidade suficiente a ensejar a penalidade de cassação do diploma. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 34505, Acórdão de 12.11.2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 207, Data 14.11.2014, Página 02.)

 

Recurso eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Conduta vedada aos agentes públicos. Pedido de cassação de registro ou diploma. Pedido de decretação de inelegibilidade. Aplicação de multa. Prefeito, candidatos à eleição majoritária e assessor jurídico do município.

Não há litisconsórcio passivo necessário entre coligação e candidatos em sede de AIJE para apuração de condutas vedadas.

Cedência e uso dos serviços advocatícios de servidor público em horário de expediente. Jornada de trabalho declinada como " à disposição do prefeito " não flexibiliza expediente mínimo prefixado, ao revés, dilata esse horário. O exercício legal de advocacia privada é exceção às condutas vedadas e deve ser provado nos autos, não sendo suficiente a sua mera alegação. Ônus da prova incumbe a quem alega a exceção.

Multa cominada em seu valor mínimo, ausente gravidade que justifique a cassação de diploma.

Não cabe cominar inelegibilidade quando o único sustentáculo da ação é conduta vedada.

Deram provimento ao recurso.

(TRE-RS,Recurso Eleitoral n. 32688, Acórdão de 23.09.2014, Relator DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 172, Data 25.09.2014, Página 2.)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Eleições 2012.

Interposição contra prefeito e vice eleitos, além de chefe anterior do executivo municipal. Alegada prática das condutas vedadas capituladas nos incisos I e III do art. 73 da Lei das Eleições e abuso de poder político. Procedência da demanda no juízo originário. Cassação dos registros de candidatura dos mandatários recentemente eleitos e declaração de inelegibilidade dos três recorrentes por oito anos. Fixação de multa, aplicada individualmente. Comprovado o aproveitamento de servidores municipais habilitados para o exercício da advocacia, em horário de expediente, para representação e defesa dos interesses da coligação e dos candidatos recorrentes, caracterizando a prática continuada da conduta vedada prevista no inc. III do art. 73 a Lei n. 9.504/97. Inexistência de nexo de causalidade entre as ilegalidades supostamente havidas nos contratos de transporte escolar celebrados pelo município e a contratação de transporte feito pela Coligação durante a campanha. Inocorrência, igualmente, do alegado uso indevido de bem público, não restando  configurada a prática de abuso de poder prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para afastar a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos e a declaração de inelegibilidade imposta aos atuais mandatários e ao ex-prefeito demandado. Manutenção da sanção pecuniária individual a todos os representados, no valor de 25.000 UFIR.

Ação cautelar extinta.

Parcial provimento ao recurso.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 19153, Acórdão de 13.03.2013, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 47, Data 15.03.2013, Página 6.)

 

Diante do exposto, acolho a matéria preliminar para declarar lícita a gravação ambiental que acompanha a inicial, e VOTO pelo provimento parcial do recurso, majorando a pena imposta a cada um dos candidatos recorridos para R$ 7.980,75 (sete mil, novecentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), com fundamento no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97, nos termos da fundamentação.

Autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópia dos autos, conforme solicitado.

Retifique-se a autuação, na forma da fundamentação.