RE - 45446 - Sessão: 13/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 1696-1702) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 124ª Zona – Alvorada, a qual julgou improcedente representação pela prática de captação e pelo uso irregular de recursos financeiros (art. 30-A da Lei n. 9.504/97) por parte de JOSÉ ARNO APOLLO DO AMARAL (Prefeito de Alvorada) e de VALTER LUIZ SLAYFER (Vice-Prefeito de Alvorada).

Nas razões, sustenta que, conforme as interceptações telefônicas e as quebras de sigilo fiscal e bancário, restou clara a ciência de JOSÉ ARNO das irregularidades existentes na campanha eleitoral da chapa majoritária da COLIGAÇÃO ALVORADA PARA OS ALVORADENSES. Aponta que VÂNIO PRESA teria fornecido “respaldo financeiro considerável” à campanha, em valor de R$ 35.000,00 e não apenas de R$ 9.300,00, conforme declarado na prestação de contas de campanha.

Entende que o aporte financeiro ilícito alcançou a fatia de 24% dos recursos totais, em montante suficiente para desequilibrar a campanha. Dá ênfase à “carta branca” recebida por VÂNIO, no que diz respeito à coordenação da campanha de JOSÉ ARNO, pois VÂNIO captaria recursos e doações, e tomaria providências diversas. Aponta a circunstância de que VÂNIO viria a ocupar posição administrativa de grande importância na estrutura da Prefeitura do Município de Alvorada. Requer o provimento do apelo para declarar a inelegibilidade de JOSÉ ARNO APOLLO DO AMARAL, de VALTER LUIZ SLAYFER e de VÂNIO PRESA, além de cassar o registro de candidatura e o diploma de JOSÉ ARNO e de VALTER (fls. 1696-1702).

Com contrarrazões (fls. 1707-1730), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 1741-1747), que opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, interposto dentro do prazo de três dias, previsto no art. 30-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A demanda se funda no art. 30-A da Lei das Eleições, que possui o seguinte teor:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

De início, cumpre tecer considerações sobre a matéria.

O art. 30-A da Lei n. 9.504/97 trata da captação e dos gastos ilícitos de recursos, ambos com finalidade eleitoral. Portanto, para a aplicação do art. 30-A, o ingresso e o dispêndio do recurso financeiro na campanha eleitoral há de ser realizado em desacordo com o disposto na Lei n. 9.504/97, especificamente no que concerne às regras reguladoras da arrecadação e dos gastos de recursos durante a campanha.

Nessa linha de ideias, a ilicitude poderá estar na forma de recebimento de recursos que seriam, a princípio, lícitos – por exemplo, valores que não tenham transitado pela conta obrigatória do candidato, consoante o art. 22, caput, da Lei n. 9.504/97 - ou, ainda, no recebimento de recursos ilícitos em si mesmos, v.g., doação efetuada por concessionário ou permissionário de serviço público,  fonte vedada, conforme o art. 24 do mesmo diploma.

O comando legal visa a evitar o desequilíbrio da disputa entre os candidatos. De modo reflexo, há o prestígio da transparência na arrecadação e nos gastos dos candidatos, obedientes à Lei n. 9.504/97.

Nesse viés, tanto a doutrina aponta que o art. 30-A protege “a higidez das normas relativas à arrecadação e a gastos eleitorais” e “a lisura da campanha eleitoral” (ZÍLIO, 2012, p. 567 e seg.), quanto a jurisprudência do TSE refere que o bem jurídico tutelado pelo art. 30-A é a moralidade das eleições (TSE, RO n. 1540, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 01.6.2009).

O referido julgado deixou assentado, ainda, que o juízo de procedência da representação por captação e gastos ilícitos de recursos deve ser pautado pelos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, pois “a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2° do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

A partir de então, a praxe de julgamento da Justiça Eleitoral - no que se refere ao sancionamento pela desobediência ao art. 30-A - tem passado invariavelmente pela realização de juízo de ponderação frente ao quadro probatório. Tal raciocínio se presta, por vezes, para afastar a pena de cassação (TRE/RS, RE n. 254-30, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 02.8.2017; TRE/RS, RE 451-58, Relator Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 02.8.2017) e, noutras, para aplicar a reprimenda mais gravosa (TRE/RS, Rp n. 4-63, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado em 10.5.2011).

E há critérios para mensurar a gravidade da conduta.

A jurisprudência do TSE indica que para a aplicação da severa pena de cassação do registro ou do diploma, devem estar evidenciados dois requisitos: (1) a comprovação da arrecadação ou do gasto ilícito, bem como, (2) a relevância da conduta praticada.

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE nº 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 274641, Acórdão de 18.9.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 15.10.2012, Página 3.)

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. 1. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 2. No caso dos autos, as omissões relativas a determinados gastos de campanha não possuem gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente, na medida em que no ficou comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois. 3. Recurso ordinário provido.

(RECURSO ORDINÁRIO n° 393-22.2011.6.04.0000/AM Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 01.8.2014.)

Ainda, a ponderação deve ser feita no momento do sancionamento da conduta, pois a caracterização da infração do art. 30-A independe de prova da lesão. O TSE consolidou o entendimento de que é desnecessária a prova da potencialidade da conduta para influir no resultado do pleito, pois a exigência tornaria “inócua a previsão contida no art. 30-A, limitando-o a mais uma hipótese de abuso de poder”. Para a Corte Superior, “o bem jurídico tutelado pela norma revela que o que está em jogo é o princípio constitucional da moralidade (CF, art. 14, incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97)”, sendo necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato, e não, da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Ao caso concreto.

O juízo a quo entendeu por negar procedência à representação, fundamentalmente por entender que o fato ocorrido não possui relevância suficiente para a aplicação da cassação dos representados.

Os fatos são, em resumo, os seguintes: VÂNIO PRESA, pessoa alegadamente de grande influência na campanha eleitoral da COLIGAÇÃO ALVORADA PARA OS ALVORADENSES composta por JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL (prefeito) e VALTER LUIZ SLAYER (vice-prefeito), teria realizado doações no valor total de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), e não de R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais), como declarado na prestação de contas n. 0000207-21.2016.6.21.0074, aprovada com ressalvas e transitada em julgado na data de 15.12.2016.

Além, os valores repassados por VÂNIO PRESA seriam provenientes de crimes – tráfico de drogas, agiotagem, fraudes em licitações, lavagem de dinheiro e organização criminosa - conforme provas colhidas pela 2ª Vara Criminal de Alvorada (operação Alderman, n. 003/2.16.0005077-9 e 003/2.16.0005123-6) e compartilhadas com a Promotoria Eleitoral da 124ª ZE.

Ato contínuo, a diferença de valores equivalente a R$ 25.700,00 (pois declarados R$ 9.300,00 de uma doação real de R$ 35.000,00) teria sido mascarada pela declaração falsa de JOSÉ ARNO, no sentido de que haveria doado R$ 50.000,00 de recursos próprios para a campanha. O que não teria ocorrido, até mesmo por efeito da ausência de capacidade financeira deste, JOSÉ ARNO, em realizar aporte de tal monta.

A corroborar tal versão, a interceptação telefônica obtida via compartilhamento de prova com os feitos criminais relativos à operação Alderman, mormente a passagem em que VÂNIO PRESA afirma: “eu já coloquei trinta e cinco mil, não vou colocar mais”, em diálogo com o cunho de desabafo, realizado com Márcio, interlocutor da ocasião.

Pois bem.

A tese ministerial tem linha coerente e linear. Foi afastada pelo juízo de origem, em resumo, pela ausência de elementos de prova, nos autos, a confirmar o relato da ilicitude.

E, de fato, assim ocorre. A sentença não merece reparos.

A prova carreada é, em uma palavra, fronteiriça. Nesse panorama, impõe-se negar provimento ao recurso.

Trago à colação trecho da sentença em razoável extensão, presente nas fls. 1687 a 1689 dos autos, pela análise minudente da prova colhida, bem como, pelas fundamentações trazidas, de maneira que, expressamente, adoto a transcrição como razões de decidir:

Ainda, insta salientar que não se pode embasar a procedência da demanda em meras suposições; não há como afirmar que este ou aquele valor é compatível com o “patamar de gastos que se espera para alguém que receba os valores que o candidato está acostumado a receber em função de suas atividades”, já que não há qualquer indicativo de gastos superiores à sobra (R$ 12.494,00 em dois meses), não cabendo ao juízo, impor ou supor, o padrão de vida que as pessoas devem ter, de acordo com suas remunerações, ainda mais se considerado o período eleitoral, no qual mostra-se plenamente aceitável a redução de gastos particulares com o objetivo de utilizar os recursos para a campanha.

Quanto à alegação de que parte da campanha foi financiada com recursos ilícitos oriundos da prática de crimes, é importante referir que para que a AIJE seja procedente deve haver a demonstração da participação ou da ciência do candidato que foi beneficiário da conduta, em tese, ilícita.
Vejamos o julgado:

Eleições 2010. Deputada Estadual. Abuso de poder. Convites eleitorais em órgão público. Indícios. Ausência de provas robustas. A presença de indícios da prática de abuso de poder nas eleições, sem o amparo de outras provas robustas e incontestes que o candidato tinha ciência, praticou ou consentiu com os fatos ilícitos não são suficientes para caracterizar a infração eleitoral e apontar a sua autoria. (TRE-RO-AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 265138, Acórdão nº 490/2011, de 30.8.211, Rel. ROWILSON TEIXEIRA, Data 06.9.2011.)

O Promotor de Justiça Marcelo Tubino, em juízo, referiu, em síntese, que a informação que se tinha era que Vânio Presa utilizaria umas pizzarias para circular dinheiro obtido através de crimes licitatórios, tráfico de drogas, crimes contra a administração. Foi oferecida uma ação penal a respeito do que foi descoberto. Nas interceptações, houve um diálogo em que foi captado que Vânio teria doado em torno de R$ 35 mil à campanha de Appolo. Teve também uma questão de comercialização e empréstimo de veículos facilitada em relação à campanha. Não conseguiram delimitar a função de Vânio numas lojas de veículos. Verificou-se que tinha facilidade de emprestar veículos para campanha. Se não se engana, tinham algumas nuances em relação a uma campanha em São Leopoldo. Nas investigações, apurou-se que Vânio tinha uma pizzaria, do qual não era formalmente proprietário, mas era de fato. Apurou-se o encaminhamento de valores da própria prefeitura. Alguns assessores de Vânio exerciam também a função de pizzaiolo. A movimentação bancária dos comércios, o faturamento e o patrimônio do investigado eram incompatíveis. Havia veículos que, de fato, eram de Vânio, mas não estavam registrados em seu nome. Havia relação de Vânio como testemunha em dois processos de tráfico de drogas. Tinham notícia de que Vânio adquiriu bens, no litoral, em espécie. Não recorda se Vânio recolhia dinheiro em espécie na pizzaria. Vânio teria sido convidado para ser vice-prefeito e, posteriormente, seria secretário.

A testemunha Débora Vargas, em juízo, referiu, em suma, que o objetivo da investigação era a lavagem de dinheiro. Em relação à campanha eleitoral verificou que Vânio conversava bastante com Appolo. Vânio arrumava os lugares para reunião da campanha, locação de veículos. Vânio tinha carta branca do Appolo para qualquer coisa em relação à campanha. Appolo tinha conhecimento de tudo o que acontecia. Quem fazia tudo em relação à campanha era Vânio, pois seria candidato à vice. Depois, Vânio não seria mais vice, até por conta do trabalho com a pizzaria, mas que Appolo teria lhe dito que poderia escolher qualquer secretaria. Lembra que Vânio disse que já teria doado o valor (R$ 30 ou 35 mil) e que ninguém mais colaborava. Era Vânio que locava sala para reunião do partido, aluguel de veículo, não sabendo se era ele quem pagava por isso. Disse que Vânio era o coordenador da campanha de Appolo. Têm diálogos que dão a entender que circulava bastante dinheiro em espécie na pizzaria. Em um dos áudios, há referência a sacola de dinheiro. A irmã de Vânio teria entrado em contato e este buscaria o dinheiro posteriormente. Acompanharam a compra de um apartamento em Capão, mas não sabe se foi em espécie. Acha que tem um áudio que Vânio entra em contato pedindo para colocar um carro à disposição da campanha que depois acertaria. Ficou claro, nos áudios, que Vânio tinha total liberdade de tomar decisões.

A testemunha Fernanda Schneider Mombach, em juízo, referiu, em resumo, que atuou na investigação por lavagem de dinheiro em relação a Vânio Presa. Nos diálogos, Vânio Presa se trata como coordenador de campanha, sendo que, inicialmente, era candidato a vice-prefeito. Vânio informava a Appolo as reuniões, a logística da campanha, trocavam informações referentes a compromissos de campanha. Appolo tinha ciência de tudo o que Vânio fazia, coordenava... Ouviu o diálogo em que Vânio diz que teria doado R$ 35 mil Reais. No diálogo, estava em tom de reclamação. Vânio pede para João liberar veículo para uma terceira pessoa ir ao litoral buscar material de campanha. Há menção de entrega de dinheiro, na pizzaria, por Betinho. É mencionada a venda grande de pizzas na tele-entrega, e, quando foi avaliado o pagamento de consumo, na pizzaria, a entrada de dinheiro por cartão de crédito, não condiz com o que foi mencionado na venda. Havia bastante pagamento em dinheiro da pizza. Não participou da avaliação financeira da movimentação de Vânio. Teve conhecimento através de terceiros, não sendo técnica para avaliar. A sacola de dinheiro foi entregue durante o funcionamento da pizzaria.

O informante Sérgio Roberto Coutinho dos Santos, em juízo, mencionou que foi administrador financeiro da conta da majoritária do prefeito Appolo, bem como vice-presidente do partido. Não ouviu nada a respeito de recebimento de valores não declarados. Não sabe do envolvimento de Appolo com o tráfico de drogas ou desvio de dinheiro público. Vânio participou como filiado normal do partido, militante partidário. Não foi cogitado Vânio ser coordenador da campanha. Não havia promessa de cargos para ninguém. Em 2016, Vânio era vereador e proprietário da pizzaria. Os recursos próprios do candidato Appolo foram R$ 50 mil Reais, mais a remuneração de Vereador e de Delegado de Polícia. Appolo recebia os subsídios de vereador através de cheque descontado na boca do caixa do banco. Muitas vezes tinha que esperar Appolo receber por conta dos parcelamentos de salário. Vânio contribuiu com cerca de R$ 9 mil Reais. Vânio era vereador e proprietário da pizzaria Território da Pizza. Teve conhecimento que Vânio não era proprietário da pizzaria através da mídia.
A testemunha Fernanda Lopes Toledo, em juízo, disse que não possui filiação partidária. Prestou serviços de contabilidade para a campanha de Appolo, assim como para outros candidatos. Não tem conhecimento de recursos não declarados que teriam sido utilizados para a campanha de Appolo, tampouco ouviu falar. Não trabalhou na fase de captação de recursos. Vânio nunca foi ao seu escritório ou falou sobre recursos de campanha. Não sabe se Vânio tinha alguma participação efetiva na campanha. Tem alguns modelos de cedência. As pessoas iam ao seu escritório para assinar o termo. Nem todas iam até o seu escritório. Serginho, que era o administrador da campanha, que fazia o vínculo. Acredita que a maioria dos termos foram assinados.
Márcio de Souza Barcellos, na condição de interlocutor da conversa telefônica captada por meio da escuta, foi ouvido como informante. Disse que atuou na última campanha eleitoral como filiado partidário, discutindo política e acompanhando as Eleições na cidade. Quanto à participação de Vânio Presa, diz que, semanalmente, participava nas reuniões do Partido, sem um papel fundamental na campanha. Desconhece promessas realizadas para o Vânio ou para outra pessoa, pelo então candidato Appolo, envolvendo futuros cargos na Administração. Quanto à candidatura de Vânio, como vice-prefeito de Appolo, informou que foi uma estratégia do partido para atrair outros partidos, mas que não seria efetivada a sua candidatura. Ao final, entendeu que a estratégia foi positiva, pois o PDT se aproximou e apresentou o candidato a Vice. Quanto ao seu diálogo por telefone com Vânio, sobre a contribuição para a campanha eleitoral, no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), informou que, após a conversa, foi averiguar junto aos coordenadores da campanha (“Sérgio e Neusa”) se efetivamente tinha ocorrido tal contribuição. Naquele momento, segundo Márcio, disseram que não havia nenhuma contribuição de Vânio. Quando questionado pelo Ministério Público que o coordenador da campanha informou que não havia nenhum aporte para a campanha de Appolo, o Sr. Márcio confirmou que, no momento em que foi realizada a pergunta, foi informado que não havia nenhum recurso colocado na campanha por parte do Sr. Vânio.

Da análise da prova oral produzida, verifica-se que as testemunhas arroladas pelo Ministério Público limitaram-se a reproduzir o que havia sido captado por meio da interceptação telefônica, confirmando a prática de fatos pelo representado Vânio Presa. No entanto, isso não basta para a procedência da presente demanda, eis que, como já dito, necessária a participação ou ciência do candidato de que os recursos aportados em sua campanha tinham origem ilícita, o que não ficou demonstrado nos autos.

O fato de Appolo ter conhecimento de atos relativos à campanha praticados por Vânio também não é suficiente para demonstrar que aquele tinha ciência de eventual origem ilícita dos recursos aportados.

Ressalte-se que o valor doado por Vânio Presa para a campanha foi em data bem posterior à conversa travada com Márcio, o que vem ao encontro do que foi dito em juízo por este, no sentido de que, ao questionar sobre o aporte de recursos por parte de Vânio, obteve como resposta que não havia doação alguma.

Importante mencionar, ainda, que a doação referida por Vânio não coincide com o período onde foram apurados, pelo SIMBA, valores sem origem identificada.

Assim, em que pese mencionada a doação de R$ 35.000,00, em diálogo captado por meio de interceptação telefônica, não há qualquer outro elemento de prova capaz de confirmar o fato.

Repito: além de corroborar a análise de prova do juízo de origem, é de se frisar que a declaração de VÂNIO PRESA, no sentido de ter “colocado” R$ 35.000,00 na eleição, é elemento isolado, carecendo-se de esclarecimentos. Por exemplo, se tal valor foi direcionado unicamente à eleição da chapa majoritária ou se algum candidato ao cargo de vereador recebeu valores. A declaração foi realizada perante terceiro, a título de reclamação ou desabafo, e pode inclusive configurar um exagero ou uma bravata, pois, na sequência, ele mesmo refere: “peguei pesado”.

A dúvida, enfim, permanece, dando espaço a ilações como a apontada, apenas exemplificativamente.

Note-se que o papel de relevo de VÂNIO na agremiação, até de certa forma compreensível - haja vista a sua filiação e o fato de ter ocupado o cargo de vereador em Alvorada - dá suporte à sua presença nos atos de campanha, não vindo a se confirmar a alegação de realmente ocupar, VÂNIO, a posição de coordenador de campanha, uma vez que expressamente exercido por outras pessoas. Além disso, nem mesmo a posição de “super secretário” se confirmou, pois até onde se tem notícia, VÂNIO não ocupa cargo na administração municipal de Alvorada.

Ademais, não há como se afirmar, peremptoriamente (como realizado pelo Parquet), que a origem dos recursos doados por VÂNIO PRESA (tanto os R$ 35.000,00, quanto os R$ 9.300,00) sejam ilícitos. É bem verdade que há feitos criminais em que VÂNIO PRESA figura como réu e que se trata de pessoa que já teve, contra si, prisões preventivas decretadas. Fatos notórios.

Todavia, uma vez declarado o valor de R$ 9.300,00 como doação à campanha eleitoral e havendo dúvidas relativamente a práticas ilícitas no tocante aos já citados R$ 25.700, esta Justiça Eleitoral deve se restringir ao objeto da presente demanda, qual seja, a prova no relativo à prática do art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Nessa linha, restaria como indício de ilegalidade a ausência de capacidade financeira de JOSÉ ARNO em doar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a própria campanha de candidato a prefeito de Alvorada.

Conforme ZILIO (Direito Eleitoral, Verbo Jurídico. Porto Alegre, 5ª Ed. 2016, p. 664.):

Captar é atrair, conquistar, obter recursos. Em suma, a conduta de captação pressupõe o ingresso efetivo de recursos materiais no âmbito da campanha eleitoral. Assim, o mero pedido de recurso, a oferta do crédito ou a promessa de doação futura não configuram o elemento normativo do tipo. A captação pressupõe o ingresso do recurso financeiro no caixa de campanha; portanto, é um ato de conduta material. Não basta o aporte financeiro para a consumação da figura normativa do art. 30-A da LE, pois é proscrito o ilegal ingresso de recurso financeiro na campanha eleitoral. De conseguinte, o recurso financeiro deve ser necessariamente ilícito para a configuração do tipo previsto no art. 30-A da LE. Somente o efetivo aporte ilegal de recursos financeiros na campanha eleitoral é que configura o ilícito. (Grifei.)

E o aporte ilegal igualmente não restou comprovado por este viés da tese recursal. Isso porque JOSÉ ARNO, ainda que no limiar, possuía, à época dos fatos, capacidade financeira para realizar a doação de R$ 50.000,00, desde que considerados os valores percebidos a título de remuneração pelo exercício do cargo de vereador nos meses de agosto e setembro de 2016, pois, apenas nesses dois meses, a soma de rendimentos alcançou a cifra de R$ 16.964,42, líquidos.

Daí, somados aos proventos recebidos relativamente ao cargo de delegado de polícia civil nos meses de agosto e setembro de 2016, R$ 35.564,93, também líquidos, obtém-se o montante de R$ 52.529,35 em apenas dois meses de remuneração.

Como muito bem salientado pelo juízo de origem, não cabe ao Poder Judiciário “impor ou supor, o padrão de vida que as pessoas devem ter, de acordo com suas remunerações, ainda mais se considerado o período eleitoral, no qual mostra-se plenamente aceitável a redução de gastos particulares com o objetivo de utilizar os recursos para a campanha”.

Friso que a captação ilícita de recursos pode se dar por duas vias. A primeira, a figura conhecida do “caixa dois”, qual seja, a movimentação financeira estranha à prestação de contas. Aqueles valores que, utilizados na campanha eleitoral, não foram devidamente indicados pelo partido, pela coligação ou pelo candidato. Essa é a figura clássica do art. 30-A e, uma vez comprovada a prática, é suficiente para a incidência da norma.

A segunda via da prática reprimida pelo art. 30-A é a daquele recurso que, devidamente declarado na prestação de contas, tem sua origem ilícita. Neste caso, contudo, há a necessidade de prova da origem ilegal do valor, não bastando a presunção de que ele, por possuir origem desconhecida ou não comprovada, venha carregado de ilicitude na obtenção.

Contudo, sob a ótica do art. 30-A, nenhuma dessas linhas de conduta ilícita teve o patamar probatório, para uma condenação, alcançado, pois os valores constam na prestação de contas da candidatura - ou seja, não há como se concluir, ao menos nos autos, que tenha havido a prática de “caixa dois” - manejo de valores à margem da conta de campanha eleitoral e, tampouco, resta comprovada a origem ilícita dos recursos.

É que aqui, na representação com suporte no art. 30-A, a prova da origem ilícita dos recursos cabe a quem alega, viés de ônus probatório diverso dos processos de prestações de contas, feitos nos quais, para receber a aprovação, devem os candidatos comprovar, minudentemente, a origem de todo e qualquer valor que envolva a respectiva campanha eleitoral.

Portanto, o que se extrai dos autos (em que pese o cuidadoso recurso) é a ausência de consistência probatória no relativo à ilicitude na arrecadação, absolutamente necessária para suportar um juízo condenatório, mormente se consideradas duas circunstâncias: a primeira, a natural primazia de legitimidade que é inerente ao resultado das urnas e, a segunda, a gravidade da pena de cassação de diploma. Somente uma estrutura de prova robusta seria capaz de romper tais situações, o que não é o caso.

Nessa linha, a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. AIJE. ART. 30-A DA LEI N° 9.504197. NÃO CONFIGURAÇÃO. REVOLVIMENTO. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO. PRECLUSÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme dicção do art. 138, § 1 0, do CPC, impedimento de magistrado deve ser suscitado em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que couber à parte interessada falar nos autos, o que não se verificou na espécie. Ocorrência de preclusão. 2. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 3. No caso, a Corte Regional assentou a inocorrência de abuso de poder e captação ou gastos ilícitos de campanha, não sendo possível extrair do quadro fático delineado na origem, elementos hábeis a subsidiar conclusão em sentido diverso. Incidem as restrições das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF. 4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AI n. 1588-72-SP. Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO. Unânime, julgado em 27.5.2014.) (Grifei.)

 

Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso.