RE - 110912 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 261-275) interposto por CESAR LEANDRO MARMITT, JORGE ALFREDO SIEBENBORN, LEANDRO LUIS JOHNER E JOÃO RENATO MALLMANN contra a sentença (fls. 248-254) do Juízo da 29ª Zona Eleitoral – sediada em LAJEADO, que julgou parcialmente procedente a representação por captação ilícita de sufrágio, cumulada com ação de investigação judicial eleitoral por conduta vedada e abuso de poder político, formulada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para os efeitos de condenar os recorrentes pelas práticas a eles atribuídas. A decisão cominou multa no valor individual de R$ 5.320,50 e ainda declarou os recorrentes inelegíveis pelo período de 8 (oito) anos subsequentes à eleição do ano de 2016, nos termos da Súmula TSE n. 19.

Trazem preliminares e, no mérito, revisitam os elementos de prova dos fatos tidos como ilegais pelo Juízo de Origem, para concluírem pela ausência de potencialidade lesiva e pela impossibilidade de influência no resultado da eleição. Requerem o provimento do recurso para que seja julgada totalmente improcedente a demanda, ou, alternativamente, seja somente aplicada a sanção pecuniária, no patamar mínimo.

Com contrarrazões (fls. 278-286), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 291-300).

Houve, de parte do recorrente Leandro Luis Johner, a constituição de nova procuradora (fl. 308).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso foi interposto tempestivamente, tanto se considerado o art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97 quanto o art. 258 do Código Eleitoral, pois ambos dispõem que o prazo para interposição é de três dias. A sentença foi publicada no DEJERS em 5.5.2017 (fl. 256), e a irresignação foi apresentada em 8.5.2017 (fl. 261).

Preliminares

Os recorrentes aduzem duas preliminares. À análise.

1 – Carência de provas relativamente ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Neste item (fl. 263), os recorrentes argumentam, na realidade, relativamente ao mérito da ação; portanto, tais considerações receberão tratamento em conjunto aos demais elementos de fundo da causa, no tópico próprio.

2 – Carência de ação relativamente ao art. 73 da Lei n. 9.504/97.

A preliminar é de ser afastada.

Aduzem os recorrentes que as penalidades relativas à norma de regência das condutas vedadas somente seriam aplicáveis “para quem for candidato”.

Não procede.

Note-se, no ponto, que se trata de conduta vedada – art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 –, cuja jurisprudência admite, pacificamente, o sancionamento de não candidatos.

Transcrevo ementa de julgado bastante recente, a título exemplificativo:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. ART. 73, I, II E III, DA LEI N. 9.504/97. USO DO MEMORIAL JK. BEM DE USO COMUM. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Preliminar de ilegitimidade passiva. Não acolhimento. Não só o candidato, mas também aquele que tiver praticado ou concorrido para a prática do ilícito, poderá figurar no polo passivo da representação.

[...]

(Grifei.)

(RP - Representação n. 160839 - BRASÍLIA – DF. Acórdão de 04.12.2014. Relator Min. Admar Gonzaga Neto. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 05.02.2015, Página 165-166.) 

Ao exame do mérito.

No relativo aos fatos, os recorrentes restaram condenados por 7 (sete) fatos, bastante parecidos entre si: a distribuição de saibro e brita a eleitores em troca de voto e em período vedado pela legislação eleitoral. Além, como o material pertencia originariamente ao poder público do Município de Cruzeiro do Sul, o Ministério Público Eleitoral deduziu diversas pretensões em juízo, de modo que houve condenação dos recorrentes devido à prática de: (1) captação ilícita de sufrágio, art. 41-A da Lei n. 9.504/97, popularmente conhecida “compra de voto”; (2) conduta vedada, art. 73, § 10, e ainda (3) abuso de poder econômico e de autoridade, art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

Transcrevo trecho da sentença que bem descreve os fatos:

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL contra CESAR LEANDRO MARMITT, com apelido de “Dingola”, brasileiro, casado, Prefeito de Cruzeiro do Sul e candidato a reeleição na data dos fatos, JORGE ALFREDO SIEBENBORN, candidato a Vice-Prefeito de Cruzeiro do Sul, LEANDRO LUIS JOHNER, Secretário da Administração do Município de Cruzeiro do Sul, JOÃO RENATO MALLMANN, de apelido “Russo”, Secretário de Obras do Município de Cruzeiro do Sul, e GERSON KOLLING, Secretário de Agricultura do Município de Cruzeiro do Sul, asseverando que, mediante denúncia recebida, iniciara investigação contra o candidato a Prefeito Cesar Leandro Marmitt por suspeita de abuso de poder econômico e prática de conduta vedada, em Cruzeiro do Sul, com relação à distribuição gratuita de saibro e brita, tendo ainda requisitado à Polícia Civil a instauração de Inquérito Policial para apuração da prática de corrupção eleitoral perpetrada pelos denunciados, entendendo configurada a prática de condutas que caracterizam abuso de poder econômico/político e captação ilícita de sufrágio, perpetradas pelo candidato a Prefeito Cesar Leandro Marmitt e seu vice Jorge Alfredo Siebenborn, ambos não eleito no município de Cruzeiro do Sul, com a participação dos demais denunciados.

Ainda, colaciono a parte dispositiva da sentença, pois esclarecedora no que toca às condenações:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido veiculado na REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL patrocinada pelo Ministério Público Eleitoral para efeitos de:

a) condenar CESAR LEANDRO MARMITT, JORGE ALFREDO SIEBENBORN, LEANDRO LUIS JOHNER e JOÃO RENATO MALLMANN pela prática da conduta tipificada no art. 73, §10, da Lei n. 9.504/1997, cumulada com a prática da conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, por abuso de poder econômico e prática de conduta vedada, tudo consubstanciado nas provas colhidas, em especial no Inquérito Policial Eleitoral n. 1084-96.2016.6.21.0029, à pena de multa de R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), devidos desde a data da eleição de 2016, corrigidos monetariamente pelo IGPM, até o pagamento, nos termos do art. 50, inciso IV, da Resolução TSE n. 23.370/2011;

b) condenar CESAR LEANDRO MARMITT, JORGE ALFREDO SIEBENBORN, LEANDRO LUIS JOHNER e JOÃO RENATO MALLMANN pela prática de abuso de poder político e de autoridade, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n. 64/1990, à pena de inelegibilidade para eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes a eleição em que se verificou, ou seja, outubro de 2016, nos termos da Súmula n. 19 do Tribunal Superior Eleitoral;

De início, friso que as razões recursais mesclam, em alguns momentos, os argumentos relativos aos diferentes enquadramentos legais, de maneira que cumpre proceder à cisão conceitual entre três práticas ilícitas diversas: (1) a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97; (2) a conduta vedada constante no art. 73, § 10, da mesma Lei n. 9.504/97; e (3) o abuso de poder econômico e de autoridade, previsto no art. 22 da LC n. 64/90. Os requisitos de caracterização de cada um dos ilícitos são diversos, como diferentes são também os efeitos da condenação.

Condutas vedadas a agentes públicos, art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97

A Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação trazida nos arts. 73 a 78. Conforme o juízo de origem, os fatos enquadram-se no art. 73, § 10, a seguir transcrito:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10 No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Na doutrina, Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 3ª ed. Editora Verbo Jurídico, p. 502-503) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. 

(Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, e “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

A captação ilícita de sufrágio, art. 41-A da Lei n. 9.504/97

O art. 41-A da Lei n. 9.504/97 dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990. 

(Grifei.)

Na doutrina, Francisco de Assis Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege genericamente a legitimidade das eleições e, especificamente, o direito de votar do eleitor e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Ainda no campo doutrinário, assevera Zilio (Direito Eleitoral, 3ª ed., 2012, p. 491):

Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar o elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio – que é vedada – e a promessa de campanha – que, em princípio, é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto como condicionante do voto. […]

(Grifei.)

Ademais, segundo o TSE, a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1- a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2- a existência de uma pessoa física (eleitor); 3- o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Aqui, por exemplo, nota-se desnecessária a investigação da “potencialidade lesiva dos fatos”, como indicado nas razões de recurso.

Abuso de poder político/econômico

Sobre a conceituação de abuso do poder político/econômico, colho na doutrina de JAIRO GOMES (Direito Eleitoral.  12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 317):

De modo geral, os fatos que caracterizam abuso de poder político não se confundem com os que denotam abuso de poder econômico. Em tese, tais formas de abuso são independentes entre si, de sorte que uma pode ocorrer sem que a outra se apresente.

Mas em numerosos casos as duas figuras andam juntas. Esse fenômeno bem pode ser designado como abuso de poder “político-econômico”. Aqui, o mau uso do poder político é acompanhado pelo econômico, estando ambos inexoravelmente unidos. Essa modalidade de abuso de poder tem sido reconhecida pela Corte Superior.

Além, cito jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO DESPROVIDO, MANTENDO-SE A CONDENAÇÃO POR ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO E POR CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. SANÇÕES DE CASSAÇÃO DE DIPLOMA, MULTA E INELEGIBILIDADE. DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELA EMINENTE MINISTRA MARIA THEREZA. REDATOR PARA O ACÓRDÃO ILUSTRE MINISTRO HERMAN BENJAMIN. AUSENTES A OMISSÃO E A CONTRARIEDADE APONTADAS. EMBARGOS REJEITADOS.

1. No caso, os Ministros desta Corte, por maioria, acompanhando o voto divergente inaugurado pela eminente Ministra MARIA THEREZA, desproveram o Recurso Especial, mantendo a condenação dos ora embargantes, Prefeito reeleito e Vice-Prefeito eleito no pleito de 2012, às sanções de multa, cassação dos diplomas e inelegibilidade, pela prática de abuso dos poderes econômico e político e por conduta vedada a agente público.

2. O ilícito: visando a alavancar a candidatura, os ora embargantes doaram lotes sem que houvesse lei prévia e específica e fizeram uso eleitoreiro do programa Minha Casa Minha Vida, quando, em entrevista a rádio local, a menos de um mês do pleito, o Secretário de Obras (irmão do candidato à reeleição) e a funcionária da Secretaria de Assistência Social (dirigida pela esposa do candidato) exaltaram MANOEL EMÍDIO (candidato à reeleição) como viabilizador das benesses e anunciaram as famílias contempladas com moradias. Os candidatos foram eleitos com margem de apenas 33 votos.

[…]

RESPE – Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral n. 13348. Acórdão de 13.6.2017. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, publicação DJE de 30.6.2017.)

Ainda, para a apuração do abuso de poder, deverá estar demonstrada a violação da normalidade e da legitimidade do pleito, nos termos da doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 4ª ed. Editora Verbo Jurídico, 2014, p. 510-511):

A AIJE visa proteger a normalidade e legitimidade do pleito, na forma prevista pelo art. 14, §9°, da CF. Por conseguinte, para a procedência da representação de investigação judicial eleitoral é necessária a incidência de uma das hipóteses de cabimento (abuso do poder econômico, abuso do poder de autoridade ou político, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários), além da prova de que o ato abusivo teve potencialidade de influência na lisura do pleito.

[...]

Conforme dispõe o inciso XVI do art. 22 da LC n. 64/90, com a redação dada pela LC n. 135/10, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”. O comando normativo não torna superada a exigência da potencialidade lesiva, substituindo-a pela gravidade das circunstâncias, como uma primeira leitura da regra pode sugerir. Com efeito, como assentado outrora, “a nova regra, apenas, desvincula a configuração do abuso de poder (em sua concepção genérica) do critério exclusivamente quantitativo – que é o resultado do pleito –, até mesmo porque a ação de investigação judicial eleitoral pode ser julgada antes do pleito”, sendo certo que “o efeito constitutivo do abuso de poder (em sua concepção genérica) permanece caracterizado pela potencialidade lesiva, a qual, agora, tem suas feições delineadas, no caso concreto, pela gravidade das circunstâncias do ilícito”. Neste norte, “o ato abusivo somente resta caracterizado quando houver o rompimento do bem jurídico tutelado pela norma eleitoral (normalidade e legitimidade do pleito), configurando-se o elemento constitutivo do ilícito seja com o reconhecimento da potencialidade lesiva – como, desde sempre, assentado pela jurisprudência do TSE – seja com o reconhecimento da gravidade das circunstâncias – como definido pela nova regra exposta pelo art. 22, inciso XVI, da LC n. 64/90.”

Delineados os parâmetros teóricos e legais, passa-se ao caso sob análise. A prova é composta de inquérito policial e testemunhos em juízo.

Transcrevo trechos da sentença quanto à de análise da prova oral:

A testemunha Paulo Pereira Duarte, ao ser ouvido na esfera policial, declarou ter sido procurado em sua residência, localizada na Rua Frederico Germano Haenssgen, nº 745, pelos representados Cesar Leandro Marmitt e Leandro Luis Johner, os quais garantiram a entrega de quantas cargas de saibro e/ou brita o mesmo precisasse (fl. 32). Em seu testemunho em Juízo (fl. 215 - arquivo de áudio 00.57.53.620000.wmv), a testemunha confirmou seu depoimento dado na esfera policial, detalhando que os representados estiveram pessoalmente em sua residência/propriedade, numa manhã de terça-feira, provavelmente na data de 13/09/2016, pedindo votos e colocando a máquina pública ao seu dispor, ocasião em que o fornecimento de cargas de saibro foi acertado como contrapartida ao apoio político. Declarou que dias após a essa visita, na data provável de 19/09/2016 ou 20/09/2016, foi efetuada a entrega de uma carga de saibro em sua propriedade por um caminhão do Município de Cruzeiro do Sul e que esse saibro foi utilizado para fazer um aterro ao lado da piscina da propriedade. Por fim, afirmou que em seu núcleo familiar há sete votos/eleitores, todos do município de Cruzeiro do Sul.

A testemunha Marcos Borchardt, motorista de caminhão do Município de Cruzeiro do Sul, ao ser ouvido na esfera policial (fls. 18/19), referiu ter recebido determinações diretas do representado João Renato Mallmann (de apelido Russo), então Secretário de Obras do Município de Cruzeiro do Sul, para que fossem efetuadas entregas de cargas de saibro. Uma dessas entregas teria ocorrido na data de 16/09/2016, num endereço indicado pelo também representado Leandro Luis Johner, então Secretário da Administração do Município de Cruzeiro do Sul, sendo que este inclusive acompanhou o descarregamento do material no local. Em seu testemunho em Juízo (fl. 215 - arquivo de áudio 00.00.00.336000.wmv), Marcos confirmou seu depoimento em sede policial e, embora não soubesse informar o nome do proprietário do imóvel onde foi descarregada a carga de saibro, foi explícito ao referir ser às margens da RS453, próximo ao CTG Pagos de São Rafael. Segundo as mídias de fls. 66 e 93 e investigação policial proferida, permite-se concluir ser a propriedade pertencente a Helio Ely. Outra entrega de saibro teria ocorrido na propriedade de Salete Fagundes de Oliveira, na data de 19/09/2016, sito na RS453, KM 21, sendo que nessa ocasião o representado João Renato Mallmann teria orientado e acompanhado o descarregamento do material. Referiu, ainda, em depoimentos nas esferas policial (fls. 18/19) e judicial (fl. 215 - arquivo de áudio 00.00.00.336000.wmv), ter recebido bilhete redigido pelo representado

Gerson Kolling, então Secretário de Agricultura do Município de Cruzeiro do Sul, indicando munícipes que deveriam receber cargas de saibro/brita (documento de fls. 16/17), sendo que apenas a entrega de carga de saibro ao Sr. Orlando Dessoy foi efetuada, também no mês de setembro de 2016.

A testemunha Celso Ribeiro Filho, motorista do Município de Cruzeiro do Sul, em seu testemunho em Juízo (fl. 215 - arquivo de áudio 01.19.15.744000.wmv), informou que sempre efetuou entregas de material (saibro/brita) em propriedades rurais do município, inclusive em períodos próximos às eleições. Informa que a capacidade de carga do caminhão utilizado em seu trabalho é de aproximadamente 11 a 12 m³ (metros cúbicos) de material.

A testemunha Salete Fagundes de Oliveira, em seu depoimento em Juízo (fl. 215 - arquivo de áudio 00.29.39.634000.wmv), confirmou o recebimento de uma carga de saibro em sua propriedade situada na RS453, Km 21, na localidade de São Rafael, em data próxima às eleições. Referiu que o pedido do material havia sido feito há aproximadamente quatro ou cinco meses, por ligação telefônica, diretamente ao então Secretário de Obras do Município de Cruzeiro do Sul, Sr. João Renato Mallmann (Russo). Destaca, ainda, que em determinada tarde, ao retornar de seu trabalho, o material estava descarregado em frente a sua casa.

A testemunha Janice de Lurdes Leindorf, em seu depoimento nas esferas policial (fl. 29) e judicial (fl. 215 - arquivo de áudio 00.36.48.100000.wmv), confirmou o recebimento de três cargas de saibro em sua propriedade situada na Rua Lauro Antônio Zwirtes, nº 222, Vila Zwirtes, no mês de agosto de 2016. Referiu que o pedido do material havia sido feito por seu marido ao Sr. João Renato Mallmann (Russo), então Secretário de Obras do Município de Cruzeiro do Sul, no mês de maio de 2016.

A testemunha Paulo Marino Schneider, proprietário do Restaurante Solar dos Lagos, na localidade de São Rafael, em seu depoimento nas esferas policial (fl. 30) e judicial (fl. 215 - arquivo de áudio 00.43.03.067000.wmv), confirmou o recebimento de quatro cargas de saibro em sua propriedade no dia 16 de setembro de 2016, material esse espalhado posteriormente por uma "patrola" do Município de Cruzeiro do Sul. Referiu que na semana seguinte o então Secretário de Obras do Município de Cruzeiro do Sul, Sr. João Renato Mallmann (Russo), foi até o local conferir como havia ficado o serviço. Informou ter solicitado o material aproximadamente meio ano antes da efetiva entrega em 16/09/2016.

A testemunha Marcos Joel Henz, em seu depoimento nas esferas policial (fl. 31) e judicial (fl. 215 - arquivo de áudio 00.51.07.178000.wmv), confirmou o recebimento de uma carga de saibro em sua propriedade situada na RS453, Km 22, nos dias 21/09/2016 ou 22/09/2016. Referiu que fez a solicitação de material junto ao Município de Cruzeiro do Sul em meados do ano anterior (2015), mas que somente recebeu o saibro uma semana antes das eleições.

[...]

O representado Cesar Leandro Marmitt, em seu depoimento na esfera policial (fls. 35/36), informa que manteve as entregas de material para propriedades, quando existe disponibilidade. Referiu ser de uso costumeiro a entrega de bilhetes para os motoristas, com a indicação do local de entrega do material e a pessoa que solicitou o mesmo. Informou que falou a última vez com a testemunha Paulo Duarte, vulgo "Paulo Caroço", 6 (seis) meses antes dele ser preso e que nunca visitou sua casa. Sabe que este é filiado ao partido de oposição. 

O representado Leandro Luis Johner, por sua vez, em seu depoimento na esfera policial (fls. 37/38), afirmou que a entrega de materiais para acesso às propriedades é feita conforme a solicitação dos munícipes e da disponibilidade dos produtos. Não conhece a todos mas atende sempre que possível. Desconhece que tenha sido entregue material na propriedade de Paulo Duarte e que nunca esteve na casa do mesmo durante a campanha eleitoral.

Neste contexto probatório, pela ampla prova apurada no Inquérito Policial Eleitoral nº 1084-96.2016.6.21.0029, e confirmada em Juízo, restou explicitamente confirmado que os representados agiram com abuso do poder político e econômico, com o uso indevido da máquina pública em período eleitoral, portanto, sujeitando-os à responsabilização legal.

Os fatos são incontroversos, pois os próprios recorrentes aduzem (fl. 284) que “todos os sete (07) fatos narrados tratam em verdade de entrega de brita ou saibro em propriedades particulares do Município, todas nominadas através dos proprietários destas propriedades”, trazendo irresignação, tão somente, no relativo à valoração jurídica realizada pelo juízo a quo.

Chama especial atenção o fato de que, embora os pedidos de cargas de saibro e de brita realizados pelos eleitores tenham ocorrido em datas relativamente distantes do pleito (há pedido realizado em meados do ano de 2015), esses somente foram atendidos em pleno período eleitoral (meses de agosto e de setembro de 2016), em clara infringência ao art. 73, §10, da Lei n. 9.504/97, porquanto, no “ano em que se realizar a eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública”.

Ademais, não se nota qualquer das exceções permitidas pela lei – por exemplo, prática de plano de assistência social –, pois não há notícia de necessidade assistencial por parte dos beneficiados; ao contrário.

Como comprova o constante à fl. 251v. dos autos, uma das testemunhas beneficiadas foi a esposa de ocupante do cargo de Secretário de Obras do Município, Salete Fagundes de Oliveira, que relatou ter recebido uma carga de saibro, bem como Paulo Marino Schneider, proprietário de restaurante, o qual recebeu quatro cargas de saibro em sua propriedade.

Nessa linha, como frisado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, a conduta não se amolda, como intentam fazer crer os recorrentes, a programa de caráter assistencial.

Novamente a sentença (fl. 253):

No caso dos autos, ficou comprovada a existência de uso promocional da ação administrativa em benefício de candidato político, partido ou coligação. Os representados, usando de suas prerrogativas, contribuíram sistematicamente para que fossem realizadas entregas de cargas de saibro a diversas propriedades no município de Cruzeiro do Sul no período eleitoral, não somente para propriedades rurais, como também para outras finalidades, a exemplo do acesso ao Restaurante Solar dos Lagos, na localidade de São Rafael, ao aterro ao lado da piscina da propriedade da testemunha Paulo Pereira Duarte, entre outros.

Tampouco procede o argumento da existência de lei municipal autorizadora dos atos, pois, como ressai claro, tal normativo local não pode opor-se à legislação federal e específica, como a Lei n. 9.504/97.

Como já ressaltado nos autos, a gravidade das circunstâncias se expõe na medida em que houve utilização massiva de recursos públicos – saibro e brita – na obtenção de dividendos eleitorais em benefício de uma candidatura, desequilibrando-se, assim, o princípio da igualdade de chances na competição eleitoral.

Dois pontos demonstram especialmente o abuso ocorrido: primeiro, a concentração temporal das entregas no período próximo à eleição – o que resta fartamente comprovado. Conforme vários testemunhos, os recorrentes CESAR LEANDRO (prefeito à época dos fatos) e JOÃO RENATO (Secretário de Obras) represaram pedidos a eles realizados durante meses para, nas semanas antecedentes ao pleito, produzirem impacto eleitoral benéfico à candidatura de CESAR LEANDRO (testemunho de Marcos Joel Henz); o segundo ponto diz respeito ao fato de fazerem questão de conferir posteriormente, in loco (na pessoa do Secretário de Obras de Cruzeiro do Sul, JOÃO RENATO MALLMANN), a entrega dos materiais, potencializando ainda mais a vinculação do benefício com a candidatura em pleno vigor.

Não se argumente que as visitas de JOÃO RENATO seriam regulares, usuais, pois estão inseridas em um contexto probatório em que se mostraram isoladas e direcionadas apenas àquelas benfeitorias. Nessa linha, o testemunho de Paulo Marino Schneider.

Outro item a ser analisado, no que toca à gravidade das circunstâncias, é o fato de o município de Cruzeiro do Sul contar com pouco mais de 10 mil eleitores, o que dá ideia exata da dimensão das condutas perpetradas.

Além disso, registro que independe, para a verificação da prática ilícita, o fato de os recorrentes não terem sido os vencedores da disputa eleitoral, pois, para o TSE, “O fato de os representados não terem sido eleitos não impede que a Justiça Eleitoral examine e julgue ação de investigação judicial eleitoral na forma do art. 22 da LC n. 64/90. A aferição de abuso do poder econômico, político ou de uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos”, conforme decidido em 07.02.2017 no RO 1380-69/DF, relator o Ministro Henrique Neves da Silva.

Houve, em resumo, a utilização promocional de uma ação administrativa, fato que feriu a lisura da disputa e, portanto, a própria normalidade das eleições, restando desobedecido o art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

Sublinho apenas que, individualizando-se as condutas, conforme narrou-se nos testemunhos, nota-se comprovada a participação efetiva de parte de JOÃO RENATO MALLMANN, Secretário de Obras à época dos fatos, e interlocutor no referente às entregas com vistas a beneficiar a candidatura de CESAR LEANDRO MARMITT, candidato à reeleição e participante ativo nas condutas ilícitas. O recorrente JORGE ALFREDO SIEBENBORN sequer foi citado, e LEANDRO LUIS JOHNER foi indicado por Paulo Pereira Duarte e Marcos Borchardt, mas apenas Paulo atribui alguma conduta eventualmente ilegal a LEANDRO LUIS JOHNER.

Como bem estampada na sentença, a captação ilícita de sufrágio ocorreu ao terem sido preenchidos todos os respectivos pressupostos de configuração – entrega de benefício em troca de voto –, sendo possível verificar ainda a prática do abuso de poder de autoridade sob a ótica do desvio de finalidade.

Explico.

Dos testemunhos, percebe-se que a Lei Municipal n. 484-01/05, de Cruzeiro do Sul, restou desobedecida pelos recorrentes, pois as cargas de saibro deveriam, conforme a regência legal, ser destinadas a propriedades rurais e produtivas.

Note-se que Paulo Pereira Duarte afirmou que o saibro prestou-se para aterrar as laterais da piscina em sua propriedade; Janice de Lurdes Leindorf obteve o saibro para aterrar o terreno e realizar uma festa de aniversário da filha; Marcos Joel Heinz, por sua vez, sequer é produtor rural (tem a profissão de azulejista), e recebeu o material para aterrar a entrada da sua residência.

Conclusão

A sentença, em termos gerais, andou bem na constatação de irregularidades, bem como no enquadramento legal dos atos praticados.

Tenho apenas que merece parcial provimento o recurso, para afastar dos recorrentes JORGE ALFREDO SIEBENBORN e LEANDRO LUIS JOHNER as condenações.

Isso porque, se de um lado é certo que a presença de JORGE ALFREDO SIEBENBORN no polo passivo da presente demanda era absolutamente necessária para que exercesse a ampla defesa – como decidido pelo juízo de origem –, de outra parte, o quadro probatório não demonstra tenha ele participado dos atos ilegais, ou sequer com eles consentido.

Além, JORGE não participava da administração municipal de Cruzeiro do Sul, quadriênio 2013-2016. Aliás, havia sido candidato a prefeito nas eleições de 2012 como adversário de CESAR LEANDRO, unindo-se em coligação para o pleito do ano de 2016. Nessa linha, CESAR LEANDRO era prefeito, e LEANDRO LUIS e JOÃO RENATO, secretários municipais.

Claro que apenas tal circunstância não lhe eximiria, por si só, da condenação.

Contudo, realço que, em momento algum, o nome de JORGE foi citado pelas testemunhas, de maneira que a prática de captação ilícita de sufrágio não lhe pode ser imputada; no que toca às condutas vedadas, ele sequer ocupava a posição de agente público, e não há provas de sua participação na prática de abuso de poder econômico e de autoridade.

Ora, a circunstância de participar ativamente da campanha eleitoral decorria naturalmente do cargo que pretendia ocupar (vice-prefeito), de molde que ela, isolada como está, não pode ser preponderante para que a teoria do domínio do fato seja aplicada, atraindo a condenação pecuniária e a grave consequência da inelegibilidade pelo fato de ter sido um dos coordenadores da campanha. Os fatos tipificados como ilícitos, aqui, foram de ocorrência tópica, absolutamente determináveis quanto à autoria.

Claro que, acaso tivessem logrado vitória nas urnas, vice-prefeito diplomado e empossado, JORGE sofreria os efeitos da condenação pelo princípio da indivisibilidade da chapa. Todavia, não tendo ocorrido o sucesso na competição eleitoral, restam penas a serem pessoalmente aplicadas.

Nessa linha, transcrevo trecho de voto de recente julgado deste Tribunal, o qual se manifestou conjuntamente em relação às AIJEs n. 567-18 e n. 569-85, rel. o Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 6.9.2017, no qual se assentou, por unanimidade, que “o candidato a vice-prefeito [...] segue alcançado pela pena de cassação do diploma por força do princípio da indivisibilidade da chapa majoritária, previsto no art. 91 do Código Eleitoral [...]. Todavia, não há, nos autos, elemento algum a demonstrar tenha o candidato a vice-prefeito participado ativamente dos episódios narrados, razão pela qual não deve sofrer as demais penalidades aplicáveis à cabeça da chapa”.

No que concerne ao recorrente LEANDRO LUIS JOHNER, o provimento do recurso se dá por motivo diverso. Embora participasse ativamente da administração que pretendia se reeleger – era Secretário de Administração do Município de Cruzeiro do Sul –, o fato é que apenas o testemunho de Paulo Pereira Duarte indica sua participação em conduta, em tese, ilícita, de maneira que a prova dos autos é escassa para cominar-lhe as severas penas que a legislação impõe.

Esse é, aliás, o posicionamento expresso do legislador. A Lei n. 13.165/15 trouxe o art. 368-A ao Código Eleitoral, cuja redação é a seguinte:

Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda de mandato.

Daí, penso que, aqui, a norma há de ser interpretada de forma extensiva. Embora a candidatura que os recorrentes defendiam não tenha logrado vitória nas urnas – ou seja, não há mandato a ser cassado –, é certo que a presente ação teria o condão de cassar mandatos eventualmente obtidos.

Dessa forma, há de ser provido o recurso também relativamente a LEANDRO LUIS JOHNER, por insuficiência de provas.

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, de forma a julgar improcedente a pretensão ministerial contra JORGE ALFREDO SIEBENBORN e LEANDRO LUIS JOHNER, e manter a  sentença relativamente a CESAR LEANDRO MARMITT e JOÃO RENATO MALLMANN.