RE - 26350 - Sessão: 23/10/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ALEX SANDRO SANTOS DA SILVA contra sentença do Juízo da 43ª Zona Eleitoral, a qual desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista uma doação realizada por depósito em valor acima de R$ 1.064,10, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Nas razões recursais (fls. 55-57), afirma que pessoa leiga efetuou o depósito, o qual pode ser identificado, e entende incabível a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional. No que toca à aprovação das contas, requereu, exclusivamente, a modalidade de aprovação com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 65-70v.).

Tendo em consideração a preliminar arguida pela PRE, foi determinada a intimação do prestador de contas, que apresentou manifestação pontual (fls. 77-81).

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias, previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada em 16.12.2016 (fl. 53), e o apelo foi interposto no dia 19.12.2016 (fl. 55).

Preliminar. Nulidade da sentença.

A sentença reconheceu doação no valor de R$ 2.000,00 sem transferência bancária, a qual a legislação indica ser obrigatória para as operações acima de R$ 1.064,10.

Contudo, o Juízo a quo determinou o recolhimento unicamente do montante excedente ao valor de referência: R$ 935,90.

Devido a tal circunstância, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação pela nulidade da decisão a quo, ao fundamento de negativa de vigência à determinação do art. 18, § 3º, da Resolução 23.463/15, o qual busca o recolhimento integral do valor doado irregularmente.

Como reforço de entendimento, indica que a matéria, de ordem pública, não estaria acobertada pela preclusão, de modo que nova decisão deveria ser prolatada pelo órgão de origem.

Entendo que a preliminar deve ser rejeitada. Isso porque não ocorreu omissão de um dever legal mas, na realidade, interpretação diversa daquela adotada por este Tribunal.

No caso, a sentença reconheceu a ofensa ao art. 18, § 1º, da Resolução 23.463/15 e, efetivamente, determinou o recolhimento do montante ao Tesouro, ainda que apenas relativamente ao quantum excedido aos R$ 1.064,10. Conforme o posicionamento do magistrado de 1º Grau, somente as doações acima desse valor devem ser feitas por transferência bancária e, portanto, o recolhimento deve se ater apenas ao valor excedente.

Não se trata, repito, de omissão, mas de uma interpretação da norma, que acabou determinando o recolhimento a menor do valor irregular.

Nesta hipótese, de efetiva ordem de recolhimento, não há causa de nulidade, portanto, sob pena de operar-se reformatio in pejus, conforme pacífica jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula nº 28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR AFASTADA. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO VERIFICADA OMISSÃO DE DEVER LEGAL. INTERPRETAÇÃO DA NORMA. MÉRITO. DOAÇÃO. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE REGULAMENTAR. RECOLHIMENTO APENAS DO VALOR EXCEDENTE AO TESOURO NACIONAL. REFORMATIO IN PEJUS. VEDAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÃO 2016.

1. Preliminar de nulidade afastada. Não houve omissão da sentença a respeito do consectário legal de recolhimento ao Tesouro Nacional, mas apenas interpretação do dispositivo no sentido de determinar a restituição somente do excedente ao limite estipulado. Aplicada a norma de ordem pública, ainda que com interpretação divergente ao entendimento adotado por este Tribunal, não há de se falar em nulidade. Ausente o recurso do Ministério Público, preclusa a matéria e inviável o agravamento da situação jurídica do recorrente, em observância à vedação da reformatio in pejus.

2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, conforme disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. O escopo da norma é coibir a possibilidade de transações que ocultem ou dissimulem ilicitudes como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

[...]

(REN. 393-40. Relator Des. Jamil A. H. Bannura. Julgado em 21.9.2017. Unânime.)

Do exposto, mormente frente à ausência de interposição de recurso pelo Ministério Público Eleitoral, reconheço a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, de forma a afastar a preliminar.

Mérito

A contabilidade foi desaprovada em razão de um depósito realizado no valor de R$ 2.000,00, sem a observância da realização sob a forma de transferência eletrônica, prevista no art. 18, § 1º, da Resolução 23.463/15 para valores acima de R$ 1.064,10:

Art. 18.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

O Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual frente à movimentação total, em torno de 10% dos recursos, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade, com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48/49.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

Na hipótese, o valor da doação irregular, R$ 2.000,00 representa cerca de 17,9% (dezessete vírgula nove por cento) do total arrecadado, R$ 11.170,00, montante, é de se admitir, um pouco acima do percentual indicado pela jurisprudência, em torno de 10% (dez por cento).

Contudo, no caso concreto, trago relevo para o fato de que o candidato, antes mesmo da prolação da sentença, lançou nota explicativa relativa ao depósito de R$ 2.000,00, apontando o doador, o respectivo CPF (fls. 13 e 16) e o número do recibo eleitoral correspondente (fl. 15).

Ademais, a campanha foi modesta, sendo inclusive enquadrável na modalidade simplificada.

Assim, mostra-se adequada a aprovação das contas com ressalvas.

Ressalto, contudo, que o juízo de aprovação com ressalvas não afasta a determinação de recolhimento do valor recebido irregularmente, pois não se trata de penalidade, mas sim uma consequência específica e independente que deriva da inobservância do art. 18 da Resolução 23.463/15, como se extrai do seu § 3º, a seguir transcrito:

Art. 18.

[...]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Note-se que a norma é cogente quanto ao recolhimento do valor doado ao Tesouro Nacional. Além, embora os documentos juntados apontem a origem do valor, não apresentam a segurança da transferência eletrônica determinada pela norma, sendo incapazes de substituí-la como prova eficaz da origem do valor.

A jurisprudência reconhece que a aprovação com ressalvas não afasta, por si, o dever de recolhimento de valores:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. FALHAS. VALOR IRRISÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL.

TRANSFERÊNCIA DE SOBRAS DE CAMPANHA AO ÓRGÃO PARTIDÁRIO. AUSÊNCIA. PEDIDO. REFORMA. RAZÕES RECURSAIS. DESPROVIMENTO.

1. O provimento do recurso especial do candidato, para aprovar com ressalvas suas contas, em nada alterou o acórdão recorrido quanto à necessidade de devolução de valores ao Tesouro Nacional e de transferência de sobras de campanha ao órgão partidário (arts. 29 e 39, § 1º, da Res.-TSE 23.406/14), não constando das razões recursais nenhum pedido de reforma a esse respeito.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 430910, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.5.2016.)

Assim, embora as contas mereçam ser aprovadas com ressalvas, é de ser mantido o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento da preliminar de nulidade da sentença, e pelo provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas, mantendo a ordem de recolhimento do valor de R$ 935,90 ao Tesouro Nacional.