RE - 30538 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por VALDECIR RIBEIRO DE MORAES, candidato ao cargo de vereador de Passo Fundo, em face da sentença do Juízo da 128ª Zona Eleitoral, que desaprovou as suas contas referentes às eleições municipais de 2016, em virtude da existência de “divergências de doadores em relação a datas e valores”, de “discrepâncias de assinaturas de mesmo doador quando de sua retificação”, bem como de “doação em quantia incompatível com a renda do doador”, dentre outras (fl. 117 e v.).

Em suas razões, o recorrente requer, preliminarmente a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. No mérito, sustenta que corrigiu as inconsistências com a apresentação de prestação de contas retificadora. Alega que houve um rigor exacerbado na análise das contas. Afirma que, não havendo indícios de má-fé, é possível a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Ao final, clama pela aprovação das contas (fls. 119-130).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e, no mérito, pelo desprovimento do apelo e pela determinação, de ofício, do recolhimento da quantia de R$ 8.600,00 ao Tesouro Nacional (fls. 161-170).

Intimado, o prestador manifestou-se pelo não acolhimento da prefacial de nulidade suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 186-189).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Ilustres colegas:

O recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

1. Do efeito suspensivo ao recurso

Inicialmente, em relação ao requerimento de recebimento do recurso no efeito suspensivo, destaco que, em sede de processo eleitoral, há de se observar o disposto no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

[…]

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Conforme se depreende do dispositivo transcrito, não se inserem dentre as hipóteses permissivas de atribuição de efeito suspensivo os recursos contra sentenças de processos de prestações de contas.

Ademais, o art. 26, § 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15 prevê o recolhimento de valores após o quinto dia do trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha.

Assim, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença em questão, ex vi legis, não gera qualquer restrição à esfera jurídica do partido.

Dessa forma, não se vislumbra utilidade no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao apelo, razão pela qual não deve ser acolhido.

2. Da nulidade da sentença

Em prefacial, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que houve omissão de qualquer enfrentamento explícito sobre a necessidade de transferência dos valores cujos doadores não foram identificados por meio de CPF, nos termos dos arts. 18, inc. I, § 3º, e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, cabia ao magistrado determinar o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

(Grifei.)

No entanto, tenho que, em prestígio à disposição que permite o julgamento da chamada “causa madura”, é possível superar a nulidade arguida e suprir a omissão do juízo a quo em relação à determinação de recolhimento de valores acaso o exame do mérito do feito assim recomende. Vejamos a previsão do Código de Processo Civil:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

[...]

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

[…]

A doutrina, em especial o estudo de Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, anota que a aplicação do dispositivo demanda questão exclusivamente de direito ou ação em condições de imediato julgamento, nestes termos:

“O tribunal, em princípio, não deve avançar no exame das matérias não decididas ainda em primeiro grau, pois isso violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, essa ideia cede espaço à regra do § 3º do art. 1.013, pela qual em determinadas hipóteses em que o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal fica autorizado a decidir desde logo o mérito da demanda, sem restituir o processo para novo julgamento pela primeira instância.

Para tanto, é necessário que a causa esteja “madura” para julgamento, ou seja, que verse questão exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento.

Portanto, o tribunal não pode fazer uso da regra do § 3º do art. 1.013 se a causa exigir dilação probatória, sob pena de cerceamento de defesa. Contudo, quando já concluída a instrução probatória, poderá julgar desde logo o mérito.

[…]

No inciso II se inserem os casos de sentença extra petita, que é aquela que julga fora do pedido, ou seja, que concede ao autor pedido de natureza ou objeto diverso do que lhe foi demandado, bem como de sentença ultra petita, que é aquela que vai além do pedido, condenando o réu em quantidade superior da requerida pelo autor.

O inciso III diz respeito à sentença infra ou citra petita, que é aquela que não aprecia integralmente o pedido ou algum dos pedidos cumulados, sendo autorizado o tribunal a julgar desde logo o pedido sobre o qual a sentença se omitiu.” (Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. – Porto Alegre: OAB RS, 2015, pp. 787-788.)

Considerando que, nestes autos, a instrução probatória foi perfectibilizada, que se trata de questão de direito e que a parte foi devidamente intimada para se manifestar sobre o ponto, rejeito a preliminar de nulidade veiculada pela Procuradoria Regional Eleitoral, tendo em vista a possibilidade de aplicação do art. 1.013, art. 3º, inc. III, do Código de Processo Civil.

Dessa forma, tendo em vista que o ponto omisso na sentença comporta imediato julgamento, deixo de decretar a nulidade da decisão.

3. Documentos juntados com as razões de recurso

Ainda preliminarmente, cumpre registrar a viabilidade dos novos documentos apresentados com o recurso.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relator Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Todavia, a apresentação de novos documentos com o recurso não apresenta prejuízo à tramitação do processo, especialmente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

Ademais, o interesse público na transparência das contas de campanha, aliado à ausência de prejuízo à célere tramitação do processo, caracteriza a vedação de novos documentos em segundo grau como formalismo excessivo, que deve ser evitado, por não servir aos propósitos do rito legal.

O posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(TRE-RS - RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.03.2017.) (Grifei.)

Dessa forma, entendo possível a juntada dos novos documentos com o recurso.

4. Mérito

Em relação ao mérito, a sentença combatida acolheu as seguintes irregularidades indicadas no parecer técnico conclusivo (fls. 53-57): (1) não envio dos relatórios financeiros de campanha no prazo estabelecido na legislação; (2) receitas auferidas sem identificação dos CPFs dos doadores; (3) divergência entre as informações declaradas de doador e aquelas constantes na base de dados da Receita Federal ou nos extratos bancários; (4) doações de pessoas físicas sem capacidade financeira para tanto; (5) ocorrência de gastos eleitorais anteriores à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, não informados à época; e (6) despesas mediante cheques, havendo substituições não comprovadas.

Passo ao enfrentamento de cada um dos apontamentos.

O não envio dos relatórios financeiros de campanha, no prazo estabelecido na legislação, bem como a omissão de operações nas prestações de contas parciais não prejudicam a confiabilidade dos documentos contábeis oferecidos, desde que as informações mínimas a permitir o exame técnico constem na prestação de contas final.

A finalidade de tais obrigações, insculpidas nos §§ 3º e 4º do art. 43 da Resolução TSE n. 23.463/15, é antecipar a publicidade da movimentação de campanha aos eleitores e demais interessados, permitindo que a informação seja divulgada e fiscalizada de modo contemporâneo à realização dos gastos. Assim, a omissão ou deficiência no atendimento desses preceitos não é suficiente para embasar o juízo de desaprovação da contabilidade, motivando apenas o apontamento de ressalvas.

Além disso, o exame técnico identificou receitas nas quais não constam os CPFs dos doadores, quais sejam:

- R$ 1.000,00, em 18.10.2016;

- R$ 2.500,00, em 18.10.2016; e

- R$ 2.600,00, em 27.10.2016.

Da verificação dos extratos eletrônicos enviados pela instituição financeira, disponível no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (http://divulgacandcontas.tse.jus.br), é perceptível que as operações foram efetuadas por meio de transferência eletrônica com identificação do CPF do doador, na forma exigida pelo art. 18, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Ademais, o candidato, oportunamente, realizou a retificação de suas contas (fl. 68) e apresentou os recibos eleitorais de cada uma das operações financeiras (fls. 79-81), não subsistindo a falha nesse tópico.

Em sequência, foram encontradas divergências entre dos dados declarados nas contas e os constantes nos extratos bancários em relação à qualificação dos doadores e data de ingresso das seguintes receitas:

- R$ 200,00, em 29.08.2016;

-R$ 2.600,00; em 29.08.2016;

- R$ 2.800,00; em 12.09.2016; e

- R$ 2.000,00; em 13.09.2016.

Em realidade, o prestador havia inicialmente informado que os recursos listados seriam advindos do próprio candidato, constando, ainda, aparente equívoco material no lançamento das datas. No entanto, as incongruências foram corrigidas com a apresentação das contas retificadoras e dos respectivos recibos eleitorais, os quais vieram devidamente assinados pelos doadores (fls. 76, 77, 82 e 83).

Cabe ressaltar que as doações foram realizadas por meio de transferência eletrônica interbancária, com anotação dos respectivos doadores e de seus CPFs nos extratos eletrônicos enviados pela instituição financeira, em perfeita consonância com os dados postos pelo candidato em sua retificadora.

Assim, não remanesce a inconsistência como fundamento para a rejeição das contas.

Em relação ao ponto concernente à identificação de receitas financeiras recebidas de doadores sem capacidade econômica para tanto, anoto que este Tribunal já sedimentou a compreensão de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, qual seja, em ação de doação acima do limite legal.

Nesse sentido, transcrevo seguinte ementa deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. ADMISSIBILIDADE DE DOCUMENTOS EM GRAU RECURSAL. CESSÃO DE BEM MÓVEL E IMÓVEL. COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE JINGLE. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DOADOR. NOTA FISCAL SEM REGISTRO DA DESPESA. SENTENÇA REFORMADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÃO 2016.

1. Admissibilidade de documentos apresentados em grau recursal. Art. 266 do Código Eleitoral.

2. Não comprovada a propriedade de bem objeto do contrato de cessão. Por tratar-se de bem móvel que dispensa o registro formal de propriedade – bicicleta com rádio e caixa de som acoplada – suficiente a declaração de que referido tal bem integra o patrimônio do cedente.

3. Cessão de bem imóvel para instalação do comitê de campanha do candidato, sem a comprovação da propriedade. Confirmado o nome do proprietário através da Ficha de Cadastramento Imobiliário da Prefeitura.

4. Doação de prestação de serviço de produção de jingle, atestada por meio do respectivo contrato.

5. Não cabe ao prestador o dever de demonstrar a capacidade econômica de doador.

6. Emissão de nota fiscal eletrônica sem o correspondente registro de despesa. Única irregularidade subsistente e que representa 0,36% da receita total. Dada a irrelevância do percentual envolvido, plausível a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas.

7. Provimento.

(TRE/RS, RE 508-19, Rel. Des. Jorge Luís Dall´Agnol, julgado em 26.7.2017.)

O presente entendimento não discrepa do exarado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer acerca do presente caso:

Eventual ausência de capacidade financeira de doador não pode ser imputada ao candidato, fazendo-se necessária a propositura de processo próprio para apurar tais irregularidades, nos termos do art. 23, § 3º, da Lei nº 9.504/97.

Não pode ser ignorada a declaração de Andreia Gonçalves de Campos, escrita de próprio punho, em que anuncia que não realizou doação voluntária em favor do candidato, mas que recebeu R$ 1.000,00 de Valdecir Ribeiro de Morais para que depositasse em sua conta de campanha (fl. 18). Igualmente, deve ser enfatizada a posterior manifestação da mesma eleitora, apresentada 12 dias depois da primeira, afirmando que doou a quantia ao candidato e detém a capacidade financeira necessária para tanto (fl. 21).

A contradição entre as declarações prestadas em curto intervalo de tempo releva indícios de fraude. No entanto, a cognição restrita da prestação de contas não é a sede própria para a apuração de eventual conduta ilícita dessa natureza, a qual deve ocorrer no bojo da ação de doação acima do limite legal, ou mesmo de persecução criminal, conforme o caso.

Finalmente, o examinador técnico identificou a emissão de cinco cheques para o pagamento de despesas diversas, os quais foram devolvidos por insuficiência de fundos. Todas essas cártulas foram posteriormente substituídas por outras de valores idênticos, regularmente compensadas.

Desse modo, a equivalência de valores e a proximidade das datas de estorno e de emissão de cada um dos cheques, torna factível a correspondência entre as saídas de recursos e as despesas declaradas.

Essa percepção é corroborada, ainda, pelas declarações de folhas 132-134, subscritas pelos fornecedores de combustíveis e de material gráfico, nas quais afirmam que os débitos a eles relacionados, informados às contas, foram efetivamente adimplidos com os cheques de números 5, 8 e 13.

Na mesma senda, quanto ao apontamento de pagamentos com cheques de despesas “antes de terem ocorrido”, o prestador esclareceu que, verdadeiramente, emitiu os títulos como forma de garantia ou crédito junto ao posto de combustíveis para posteriores abastecimentos de veículos.

O expediente adotado não logra malferir gravemente a confiabilidade das contas, pois é possível estabelecer a exata correlação entre as contratações e seus pagamentos, a permitir a fiscalização sobre a movimentação de campanha.

Na ausência de acervo probatório que ateste cabalmente a inveracidade das informações declaradas na prestação de contas, não podem ser admitidas conjecturas ou presunções sobre a existência de gastos ou dispêndios não relacionados nos demonstrativos oferecidos.

Assim, subsistindo falhas de cunho meramente formal, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Diante do exposto, afasto as preliminares e VOTO pelo provimento parcial do recurso, no sentido de aprovar com ressalvas a prestação de contas de VALDECIR RIBEIRO DE MORAES, relativa às eleições municipais de 2016.

É como voto, senhor Presidente.