INQ - 42034 - Sessão: 24/05/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de pedido formulado pela PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL (fls. 129-133v.), de arquivamento de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática do ilícito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, por parte de DIVALDO VIEIRA LARA, candidato eleito ao cargo de prefeito do Município de Bagé no pleito de 2016.

O órgão ministerial requer o arquivamento do presente inquérito em razão da ausência de indícios da autoria e prova da materialidade do crime para sustentar o eventual oferecimento da denúncia.

É o relatório.

 

VOTO

O inquérito policial subjacente foi instaurado para apurar possível prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral (CE), por parte do Prefeito de Bagé, DIVALDO VIEIRA LARA, em virtude de certidão de ocorrência à Delegacia de Polícia Federal (fls. 04-06), a qual relata que o então candidato a prefeito teria entregue roupas a eleitores em troca de votos, em uma Igreja no Bairro Santa Cecília em Bagé, à época das eleições de 2016.

Acolho na íntegra o requerimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral na manifestação de fls. 130-133v., cujos fundamentos ora adoto como razões de decidir:

Da análise dos autos observa-se que não há elementos de informação suficientes para embasar o oferecimento de denúncia. Tampouco se vislumbram diligências que, se levadas a efeito, possibilitariam a coleta de prova da materialidade e autoria da infração penal noticiada.

Primeiramente, diga-se que os elementos que deram suporte ao presente inquérito não confirmam a prática pelo investigado de captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 299 do Código Eleitoral, verbis:

'Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.'

Não obstante os elementos colhidos ao longo do inquérito tenham algumas contradições em torno do que se passou na reunião da Igreja Santa Cecília no dia 22/09/2016, não há certeza neste momento, e tampouco possibilidade de obtê-la no curso de eventual ação penal, de que tenha havido entrega de roupas em troca de votos por parte do Sr. Divaldo Vieira Lara, atual Prefeito Municipal de Bagé e, à época, candidato. Ou seja, não há indícios da autoria e tampouco prova da materialidade do crime de captação ilícita de sufrágio. Senão vejamos.

Em busca de evidências que pudessem corroborar a ocorrência feita por Thirzá Centeno Pereira Zanetti, analisou-se as imagens do CD apreendido, bem como se colheu o depoimento de diversas testemunhas.

A Informação nº 255/2016 (fls. 21-25), que analisou o conteúdo da mídia apreendida, restou inconclusiva, ao referir que é possível visualizar uma quantidade considerável de roupas alocadas em cima de cadeiras, bem como caixas vazias no chão, levando a crer que as roupas tenham sido retiradas das caixas e separadas sobre as cadeiras, sem contudo podermos confirmar a origem das mesmas, a qual, segundo a denunciante, teria sido uma doação realizada por Lara em troca de votos.

Ainda consta na análise das imagens, que observa-se também um grupo de pessoas reunidas na parte de fora do prédio, contudo não aparentava estar ocorrendo nada de ilegal ou irregular no momento em que as fotos foram tiradas.

Por fim, ainda se constata que simples imagens estáticas não esclarecem as circunstâncias em que ocorreram os fatos narrados pela denunciante (…).

Ao prestar esclarecimentos em sede policial (fl. 41), SILVANA KINCZEL CAETANO confirma ter encaminhado fotos de fls. 21/24, que tirou num evento de que o candidato a prefeito de Bagé, Divaldo Lara, participou, na tarde de 22/09/2016, na Igreja localizada no Bairro Santa Cecília, entre a escola e o Posto de Saúde, para a advogada Lelia Lemos de Quadros (…); observou que no interior da igreja, onde o candidato DIVALDO LARA conversava com diversas pessoas, havia pilhas de roupas, cujo destino não ficou sabendo; (…) não chegou a ver se as pessoas que estavam presentes no evento deixaram o local portando as roupas que estavam sobre as cadeiras (…).

O investigado DIVALDO LARA, por sua vez, ao ser interrogado (fl. 50), confirma ter sido chamado para uma reunião com a coordenadora do Clube das Mães do Bairro Santa Cecília, em 22/09/2016, num salão comunitário localizado atrás da Igreja localizada no Bairro Santa Cecília, nesta cidade; que o motivo da reunião era para ouvir reclamações sobre o bairro, a escola, o posto de saúde e a creche que tinha sido prometida pelo atual governo e que não tinha sido cumprida; (…) perguntado a que se destinavam as roupas fotografadas na foto inferior da fl. 22, disse que também havia peças de artesanato, e as roupas deveriam ser do brechó que o Clube das Mães tem naquele local; que não participou de nenhum tipo de doação, durante sua campanha eleitoral, para Prefeito desta cidade, cargo para o qual foi eleito nas últimas eleições (…).

A Informação nº 50/2017 (fls. 79/88), por sua vez, relatou a ida de agentes policiais federais até a residência de possíveis responsáveis pela igreja. Após a identificação de PATRÍCIA BRIÃO LUIZ em uma das fotografias, a mesma foi entrevistada, a qual referiu, consoante a fl. 84, ter comparecido no supracitado evento, mas negou ter presenciado qualquer proposta de “compra de votos” no período em que lá esteve. CÉRGIO CORREA FEIJÓ, o qual ocupou a presidência da Comunidade Católica de Santa Cecília até aproximadamente julho de 2016, afirmou, nos termos da fl. 85, participar da igreja há mais de 13 (treze) anos e nunca soube de distribuição de roupas naquele local.

SENILDA SILVA DA SILVA, conforme o Termo de Depoimento às fls. 89-90, salientou que é a responsável pela chave de um salão anexo à Capela Santa Cecília, no bairro de mesmo nome, desde junho ou julho do ano passado; que lembra que no ano passado a senhora de nome Eliza Pinheiro, que disse que participava do Movimento Meninas e Meninos de Rua, procurou os freis responsáveis pela Capela, solicitando para usar o salão da capela para realizar um cursinho de crochê e confecção de flores de papel (...); (…) que no dia que o candidato a prefeito esteve no salão, no ano passado Eliza comentou, antes do candidato chegar, que iriam receber uma visita no curso; (…) que participou da reunião de moradores do bairro Santa Cecília, com o então candidato a prefeito Divaldo Lara, no salão da capela Santa Cecília, pois ficou esperando o final da aula para fechar a porta.

A depoente continuou esclarecendo que lembra que o candidato Divaldo Lara chegou e sentou num canto e algumas senhoras bem jovens se aproximaram dele e passaram a lhe perguntar se fosse eleito, ele iria fazer creches no bairro e também lhe pediram para terminar a barragem de Arvorezinha, tendo ele respondido que iria fazer creche, se fosse eleito, pois sabia que as mães precisavam deixar seus filhos em local seguro, e quanto à barragem, ele disse que não poderia prometer, pois precisava deixar passar as eleições, o que estava distante; (…) que afirma que o candidato Divaldo Lara nada prometeu em troca de voto na reunião (…).

ELISA DA COSTA PINHEIRO, por sua vez, segundo o que consta às fls. 120/121 do inquérito, aduziu que solicitou ao Frei Julio, da Igreja Nossa Senhora da Conceição, que respondia pela Igreja Santa Cecília, no bairro de mesmo nome, para que fosse cedida uma peça anexa à paróquia, para que fosse realizado um curso para as mães do bairro; que o frei Julio emprestou a peça, e a depoente organizou um curso de bordado e artesanato, que era ministrado por Márcia Brião; (…) que antes das eleições, as mães que frequentavam o curso de bordado e artesanato se mostravam descontentes com a política, e diziam que iriam anular o voto, e a depoente lhes disse que iria convidar os candidatos a prefeito com melhor posição nas pesquisas para que comparecessem no local do curso para exporem suas intenções para a comunidade e o bairro, caso fossem eleitos; QUE não tem amizade com nenhum político, e o contato com os candidatos DIVALDO LARA e FICO (a quem não conhece) foi feito por moradores do bairro; QUE ficou sabendo por terceiros que o candidato FICO alegou não ter horário em sua agenda para comparecer à reunião, enquanto que DIVALDO LARA, a quem não conhecia pessoalmente, disse que compareceria à reunião; (…).

Em seguida, a mesma narrou que na verdade, Divaldo Lara falou muito pouco durante a reunião, porque os presentes se queixavam do abandono do bairro pelos políticos, que só se lembravam dos eleitores em época de eleição, esse tipo de conversa; que os presentes também solicitaram uma creche para o bairro, pois a maioria das mães trabalha e não tem com quem deixar as crianças, e perguntaram sobre a Barragem; que não é verdade que tenha ocorrido distribuição de roupas aos presentes por Divaldo Lara; que Divaldo Lara permaneceu no local entre meia hora e 45 minutos, fez apenas uma visita, sem fazer propaganda política ou prometer alguma coisa; que Divaldo disse que somente depois de eleito poderia ver o que poderia fazer pela comunidade (…).

O Termo de Depoimento de MARCIA BEATRIZ BRIÃO DA SILVEIRA (fls. 123-124) consigna que a mesma disse que no ano passado foi convidada para dar aulas de artesanato para o Clube de Mães do Bairro Santa Cecília, onde reside, de forma voluntária; (…) que ministrou aulas de artesanato no salão da Igreja Santa Cecília, no bairro de mesmo nome nesta cidade até março passado, às quintas-feiras, das 14h às 16h; (…) que estava presente no citado salão, no ano passado, uma quinta-feira, quando o então candidato a prefeito municipal desta cidade, Divaldo Lara, lá compareceu; (…) que o Clube das Mães costumava fazer doações de roupas para os moradores do Bairro, nas quintas-feiras, e as roupas fotografadas na foto de fl. 22, destinavam-se às doações, mas não foram levadas ao salão pelo citado candidato.

Após, a depoente esclarece que na reunião dos moradores e das mães que participavam do curso de artesanato ministrado pela depoente, com o candidato Divaldo Lara, os presentes reclamaram que depois de eleitos os políticos esquecem dos eleitores e solicitaram a construção de uma creche no bairro, para as mães deixarem seus filhos para poderem trabalhar, e o candidato disse que não poderia prometer a creche, pois precisava primeiro ser eleito e saber das condições da prefeitura municipal para realizar a obra, que dependeria de um terreno; que o candidato nada ofereceu ou prometeu durante a reunião (…).

Por fim, consta nos autos o depoimento de JULIO CEZAR RIBEIRO (fl. 126), o qual afirma que exerceu o serviço religioso na Igreja Santa Cecília, comunidade da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de 1º de março de dezembro de 2016; que confirma que foi procurado pela coordenadora da ONG Meninos e Meninas de Rua de Bagé, cujo nome da pessoa não lembra neste momento, que lhe solicitou para usar uma pequena peça anexa à Igreja Santa Cecília, no bairro de mesmo nome, para que fosse ministrado um curso de artesanato para as mães residentes no Bairro (…).

Consoante as provas colhidas ao longo do inquérito e acima referidas, não há nenhum depoimento ou outro elemento probatório que sustente a tese trazida pela denunciante Thirzá de que o prefeito DIVALDO LARA teria praticado a conduta prevista no art. 299 do Código Eleitoral.

Os esclarecimentos prestados pelos depoentes vão no sentido de que efetivamente houve a reunião na Igreja de Santa Cecília, contudo a mesma não foi palco de atos ilícitos, mas apenas serviu para que o então candidato DIVALDO ouvisse as demandas dos eleitores presentes e conversassem a respeito da situação do bairro.

Ademais, as testemunhas são claras ao afirmar que a igreja estava sediando um curso de artesanato, em que algumas mães bordavam roupas e doavam para pessoas locais.

Destaca-se que inclusive o pároco da citada igreja, Julio Cezar Ribeiro, confirmou que deu autorização para que o curso funcionasse nas dependências da paróquia. Ademais, salienta-se que a autora das fotos, Silvana Kinczel Caetano, afirmou não saber a quem se destinavam as roupas, o que vem a corroborar a ausência de prova da materialidade do crime de captação ilícita de sufrágio e indícios da autoria de DIVALDO LARA na prática do mesmo.

Destarte, esgotadas as diligências possíveis, evidencia-se que não há prova suficiente acerca da prática do crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral, capaz de amparar o oferecimento de eventual denúncia, porquanto os depoimentos colhidos e a prova material coletada deixam margem a séria dúvida quanto à participação do investigado em esquema de compra de votos, não se vislumbrando possa ser obtida certeza da prática do crime ao longo da instrução de eventual ação penal. Nesse sentido, falta justa causa para o ajuizamento da ação.

A amparar tal entendimento, oportuno trazer à colação a lição de AFRÂNIO SILVA JARDIM1, discorrendo exatamente sobre a necessidade de justa causa para o oferecimento da denúncia, in verbis:

'Finalmente, veremos a justa causa como quarta condição para o regular exercício da ação penal condenatória. […] Desta forma, torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Neste sentido o precedente abaixo colacionado (grifo nosso):'

'Inquérito Policial. Eleições 2004. Pedido de arquivamento. Alegada a prática dos delitos tipificados no art. 299 do Código Eleitoral e nos arts. 342 e 347 do Código Penal. Ausência de elementos materiais a ensejar a instauração de ação penal na esfera eleitoral. Arquivamento.

(Inquérito n 28956, ACÓRDÃO de 17/05/2012, Relator(a) DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 85, Data 21/5/2012, Página 4)'

Isto posto, diante dos argumentos acima expedidos, resta temerária a propositura de denúncia no caso em tela, face à fragilidade probatória noticiada, faltando, pois, neste momento, justa causa para o início do processo penal e não se vislumbrando a possibilidade de serem realizadas novas diligências que possam melhor dilucidar os fatos ora em análise.

Outrossim, se porventura surgirem novas informações acerca do presente caso, poderá ser requerido o desarquivamento dos autos a fim de se chegar ao completo esclarecimento dos fatos em referência, nos termos do artigo 18 do Código de Processo Penal.

Portanto, no que concerne à descrição fática atrelada ao suposto cometimento do crime previsto no art. 299 do CE, comungo do entendimento de que o inquérito policial deve ser arquivado, em razão da ausência de suporte probatório – inexistência de indícios acerca da autoria e materialidade delitivas.

Dessarte, inexistindo demonstração do envolvimento de DIVALDO VIEIRA LARA com as práticas delitivas noticiadas no presente expediente, é de ser acolhido o pleito de arquivamento.

Diante do exposto, VOTO pelo arquivamento do expediente relativamente aos fatos imputados a DIVALDO VIEIRA LARA, nos termos do art. 299 do Código Eleitoral, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal.