AP - 3425 - Sessão: 24/10/2017 às 14:30

Senhor Presidente,

Ilustres Colegas:

Li e reli os exaustivos votos dos Desembargadores Silvio e Paulo e cabe-me, neste momento, trazer a Plenário algumas considerações que reputo relevantes, pois não se trata de um caso comum. Pelo contrário, envolve a figura de um Deputado Estadual, GILMAR SOSSELA, à época dos fatos Presidente da ALERS, e de um alto servidor daquela Casa Legislativa, ARTUR ALEXANDRE SOUTO, que, nomeado pelo primeiro, exercia o cargo de Superintendente-Geral da Assembleia e, ao mesmo tempo, era coordenador da campanha do Deputado Sossella, então candidato à reeleição em 2014.

Tangente ao réu GILMAR SOSSELLA foram três, fundamentalmente, os ilícitos penais que lhe foram atribuídos pelo Ministério Público Eleitoral e que remanesceram após o recebimento parcial da denúncia, a saber: [a] crime de concussão (art. 316, do Código Penal - CP); [b] o delito previsto no tipo do art. 350 do Código Eleitoral (CE - falsidade ideológica de documentos apresentados no âmbito da prestação de contas com fins eleitorais); e [c] o crime eleitoral de propaganda no dia da eleição previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições – LE).

O eminente relator entendeu não haver provas suficientes de que o réu GILMAR SOSSELLA teria praticado os crimes de concussão [pelo fato de, juntamente com o corréu ARTUR ALEXANDRE SOUTO, ter exigido de servidores da ALERS comprassem, ao valor de R$ 2.500,00, convites do jantar de campanha para a sua reeleição como deputado estadual no pleito de 2014, sob pena de os funcionários perderem suas funções gratificadas de coordenação e direção] e de falsidade ideológica na sua prestação de contas e, por isso, encaminhou seu voto no sentido da absolvição do acusado quanto a essas imputações.

Contrariamente, entendeu presentes elementos de prova robustos quanto a prática do crime eleitoral previsto no antedito art. 39, § 5º, inc. III, da LE e, assim, ante a possibilidade de o réu se beneficiar dos institutos despenalizadores previstos nos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95, corretamente determinou fossem os autos, previamente, com vista ao órgão da acusação para a formulação de propostas nesse sentido, com posterior designação de audiência.

Preliminares

Quanto às preliminares, tal como o fez o relator, estou por rejeitá-las, pelos fundamentos constantes de seu voto e que deixo de reproduzir, pois compartilho do mesmo entendimento, evitando com isso tautologia.

Delito de concussão imputado ao réu GILMAR SOSSELLA

No mérito, porém, sobretudo em relação ao delito de concussão, já adianto, estou divergindo parcialmente do entendimento do eminente relator, ao efeito de, assim como o fez o Desembargador Federal Paulo Brum Vaz, dizer que existem, sim, elementos de prova capazes de afirmar ter o réu GILMAR SOSSELLA praticado o crime em comento, como delineado no art. 316 do Estatuto Repressivo.

Nesse quadrante, de se ver que a aplicação da teoria do domínio do fato merece certos cuidados, pena de se alargar indevidamente o conceito de autor, quando o objetivo da teoria roxiniana é o de, justamente, restringi-lo. E digo isso porque essa foi uma das maiores críticas que sofreu o STF por ocasião do julgamento da Ação Penal nº 470 (vulgarmente conhecido como “Mensalão”).

A teoria do domínio do fato foi exposta de maneira mais sólida, por primeira vez, por Hans WELZEL, em 1939 e, ao depois, principalmente, por Claus ROXIN, que em 1963 publicou na Alemanha uma tese (“Autoria e Domínio do Fato”, em tradução para o vernáculo). A lição de ROXIN passou, a partir de então, a oferecer critérios diferentes de outros autores que o antecederam, inclusive daqueles estabelecidos por WELZEL, procurando refutar a concepção welzeliana, e até superá-la, ao efeito de distinguir a autoria da participação, até mesmo porque o primeiro dos autores tedescos foi o propagador da chamada teoria finalista da ação, ao passo que ROXIN criou a chamada teoria funcionalista.

ROXIN parte, para a definição de sua teoria, do conceito de autor, entendendo que “autor é figura central do acontecer típico” [nesse sentido, Luís GRECO, Alaor LEITE, Adriano TEIXEIRA e Augusto ASSIS - Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 24 e 25]. Assim, para ROXIN, esse conceito vale tanto para os delitos de domínio como para os de infração de dever e para os de mão própria. Vale dizer, o domínio do fato é apenas uma das modalidades de aferição de autoria aplicável somente aos delitos de domínio (fundamentalmente, os delitos comuns comissivos dolosos), com o que se exclui a pretensão de universalidade que, por vezes, se pretende dar à referida teoria penal.

Na precisa lição de Luís GRECO et alli, “A ideia reitora da figura central do acontecer típico retém pretensão de validade geral, e se expressa pelo domínio do fato [...], pela violação de um dever especial (nos delitos próprios, que Roxin chama de delitos de dever) ou pelo elemento típico que exige a prática da conduta com as próprias mãos (nos delitos de mão própria). O domínio do fato é, assim, uma das expressões, mas não a única, da ideia de que o autor de um delito é, sempre, a figura central do acontecer típico” (Ob. cit., p. 25).

Na mesma obra retrocitada, GRECO explicita que: 

O critério do domínio do fato não é proposto com pretensões de universalidade. Há delitos cuja autoria se determina com base em outros critérios. O primeiro e mais importante desses delitos é o grupo dos chamados delitos de dever ou, como preferem os espanhóis, delitos de violação de dever (Plichtdelikte). Neles, o autor é quem viola um dever especial, de caráter extrapenal, pouco importando o domínio que tenha sobre o fato. Entre os delitos de dever encontram-se, principalmente, os delitos próprios (delitos de funcionário público, por ex.) e os delitos omissivos impróprios (em razão da posição de garantidor). Outro importante grupo de delitos cuja autoria é regida por critérios distintos do domínio do fato é o dos delitos de mão própria: neles, autor é exclusivamente quem pratica, em sua própria pessoa, a ação típica, sendo impossível a autoria mediata. Por fim, os que foram inicialmente entendidos por Roxin como delitos de dever, são regidos pelo conceito unitário de autor. (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Claus Roxin, 80 anos. In: Revista Liberdades n. 7/maio-agosto de 2011 – ISSN 2175-5280, p. 103 e 104.)

 No caso dos autos, o eminente Desembargador Paulo, em seu voto-vista, foi preciso ao afirmar ser possível, sim, a incidência da teoria do domínio do fato, dando-lhe contornos precisos e que se adequaram perfeitamente ao caso em comento, especialmente quando assim pontuou:

Não obstante os fundamentos adotados pela relatoria para justificar a absolvição do corréu, no caso concreto, penso que aqui se aplica a teoria do domínio do fato, mais especificamente a sua derivação nominada pela doutrina de teoria do domínio da organização, mas, substancialmente, há necessidade de condenação com assento na robusta prova indiciária. Explico.

Os crimes do colarinho branco tendem a ocorrer de forma adrede organizada e estruturada e, em boa medida, medram no seio de empresas legal ou ilegalmente estabelecidas e até mesmo de aparatos estatais. No caso, os fatos criminosos aconteceram na alta administração da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por meio dos cargos de Presidente e candidato (GILMAR SOSSELLA) e de Superintendente-Geral da Assembleia e coordenador de campanha (ARTUR ALEXANDRE SOUTO).

Com efeito, é no espaço ideal intangível, inacessível e preservado que se esconde, atrás do emaranhado complexo das organizações, o cérebro da operação criminosa: aqueles que não praticam os atos materiais do delito, mas que, ou permitem que ocorram, ou ordenam e coordenam a sua realização, auferindo, sobretudo, os proveitos ou vantagens da empreitada criminosa. É o chamado “homem de trás", de comportamento comissivo omissivo, ou autor mediato. Para que o Direito Penal possa chegar ao “homem de trás”, é mister o rompimento de alguns preconceitos dogmáticos. Uma das diretrizes político-criminais da Associação Internacional de Direito Penal para o mundo globalizado está assim assentada:

Entrando en las cuestiones específicas de la parte general del Derecho Penal, la insuficiencia de las categorías tradicionales de autoría y participación con vistas a alcanzar a los jefes y dirigentes de la organización por los hechos delictivos particulares cometidos, debería llevar a su “prudente modernización” a partir del principio de la responsabilidad organizativa, de modo que en “organizaciones jerárquicamente estructuradas, las personas con un poder de decisión y de control puedan ser responsables de los actos cometidos por otros miembros bajo su control, si dieron la orden de comisión de esos actos o si omitieron conscientemente prevenir su comisión.

(CUESTA, José Luis de la. Principios y directrices político-criminales de la Asociación Internacional de Derecho Penal en un mundo globalizado - Los sistemas penales frente al reto del crimen organizado: XVI Congreso Internacional de Derecho Penal (1999, Hungría: Budapest). Disponível em: http://www.penal.org/IMG/Guadalajara-cuesta.pdf. Acesso em: 12 jul. 2010.)

A teoria da responsabilidade própria, diante da possibilidade de ser reduzida ou mesmo inexistente a autonomia do “homem da frente”, enquanto executor material da conduta criminosa, precisa ser repensada. A dificuldade de dupla imputação, ou seja, de considerar-se tanto o executor imediato como o executor mediato imputáveis, constitui um desafio para o Direito Penal. Por certo que alguns institutos tradicionais do Direito Penal precisam de uma releitura. Poder-se-ia cogitar, na hipótese, por exemplo, de um crime contra a administração, executado em sua materialidade por um servidor público subordinado, no cumprimento das ordens de um de seus superiores hierárquicos, na hipótese de incidência dos institutos da autoria e da participação, quando, em verdade, o que se tem é a figura da autoria mediata: um autor imediato, executando o delito, e um autor mediato, no caso, o superior hierárquico, comandando, com o domínio da vontade, a atuação do executor.

O domínio da vontade se dá em virtude dos aparatos organizados de poder, que Roxin chama de domínio da organização. Considera-se autor mediato, pelo domínio da vontade, qualquer um que esteja ligado a um aparato organizado, de modo ‘que possa dar ordens a pessoas a ele subordinadas’ e autorizá-las ‘a praticar condutas puníveis’ (Cf. AMBOS, Kay. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. 2006. p. 50). É o instituto que a doutrina convencionou chamar de “teoria do domínio da organização” (ROXIN, Claus. Autoría y dominio del hecho en derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000).

  E, mais adiante, acrescentou Sua Excelência – e aqui sem seguir a mesma ordem do voto-vista – que quatro são os requisitos da teoria de Roxin quando se fala da teoria do domínio do fato na modalidade de “domínio por meio do aparato organizado de poder”, como uma submodalidade de autoria mediata (ROXIN, Claus. Autoría y domínio del hecho em derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 269 e ss.), a saber: (1) uma ordem oriunda de organização verticalmente estruturada (o domínio do fato do “homem de trás”); (2) uma organização ilícita (contrária ao direito ou fora do Estado de Direito); (3) executores fungíveis (substitutibilidade daqueles que, no atuar delitivo de aparatos organizados de poder, executam os atos materiais de realização do tipo) e anonimato do executor, isso porque o autor mediato não depende do executor, como no caso da indução, por exemplo, e, por fim; (4) a disposição essencialmente elevada para o fato do executor imediato, como forma de comprovar o domínio do fato do "homem de trás" sobre os executores fungíveis. Esse último requisito é visto muito mais como circunstância do domínio do fato do que propriamente como um pressuposto para aplicação de tal teoria.

 Fundamentalmente, o que a lição de Roxin prega é uma modalidade de domínio da vontade em que o autor direto também é responsável.

 O Des. Paulo, de modo lapidar, referiu em seu voto-vista, in verbis:

 O Direito Penal brasileiro adota a teoria monista (unitária) quanto ao concurso de agentes, conhecendo as figuras do autor e do partícipe. Mas é remansosamente acolhida a teoria do domínio do fato como critério definidor da autoria. Esta teoria, na perspectiva roxiniana, assim se divide: domínio da ação, domínio funcional do fato e domínio da vontade. Os dois primeiros fundamentam a coautoria, enquanto essa última serve de base para a autoria mediata, subdividindo-se em domínio do erro, domínio da coação e domínio da organização. A teoria do domínio da organização, baseada no domínio da vontade é, portanto, uma vertente da teoria do domínio do fato amplamente acolhida pelo sistema penal pátrio.

 E, em complemento, asseverou Sua Excelência:

Está, assim, consagrada no direito penal brasileiro uma vertente do domínio da organização. Diferente, porque se exige a possibilidade de o autor mediato evitar o resultado, mas com esta guardando semelhança, na medida em que opera também com a ideia de autoria mediata e imediata, em previsão que mereceria também ser inserida na legislação penal econômica, especialmente no que concerne à disciplina jurídico-penal dos crimes contra o sistema financeiro nacional.

Como bem assevera AMBOS, em lição que se amolda perfeitamente ao sistema penal brasileiro, impõe-se refletir e questionar as regras tradicionais de imputação do Direito Penal Individual nos casos de execução do fato por parte de outro no contexto de condutas da macrocriminalidade. A circunstância de que o homem de trás – como nos casos ‘normais de autoria mediata’ – não domina de modo direto o executor, senão (somente) pelo aparato, leva a uma responsabilização em razão da competência funcional (como autor de ‘escrivania’ [Schreibtischtäter], emissor de ordens, planejador, autor espiritual, etc.); em síntese: uma responsabilidade com base no injusto de uma organização em vez de individual. (AMBOS, Kay. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. 2006. p. 61.)

 Em hipótese alguma a responsabilização penal do “homem de trás” pode ser objetiva e independente de culpabilidade. Apenas agrega-se a ela o fator domínio organizacional.

Nesse contexto, com inegável acerto, ponderou Sua Excelência que, para a análise dos (...) elementos da culpabilidade do “homem de trás”, considerando que este não pratica atos materiais do delito, parece indubitável que se necessite recorrer a categorias de provas não tão tradicionais, desde que acreditadas. É no campo probatório que as dificuldades práticas acontecem, pois o “homem de trás” age invariavelmente por meio do aparato hierárquico e sem deixar vestígios, como ordens escritas. Nesses casos, é adequado que se busque socorro na prova indiciária. Nesse aspecto, não se faz mister romper paradigmas, porque tal meio probatório é legal e sempre foi uma prova que, no contexto, pode e deve ser valorada, sobretudo para essa espécie de criminalidade empresarial que se estrutura com requintes e com planejamento, não deixando muitos rastros e conseguindo, de certa forma, obstar a persecução penal ou, pelo menos, obscurecer as provas.

A solução, pois, passa por uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, constitui uma tendência de natureza globalizada (...).

Assim é que, nesse contexto, a prova indiciária adquire especial relevo e importância, de modo que, conquanto não seja tomada de modo absoluto, tenha de se harmonizar com o restante dos elementos de prova e leve à convicção de que o “homem de trás” sabia e anuiu às práticas delitivas, ou como já disse o Tribunal Constitucional espanhol, citado no voto-vista de Sua Excelência, atribuir uma singular “potência acreditativa”, de sorte que os vários elementos, conquanto razoáveis, reforcem-se entre si e sirvam para provar o fato imputado.

Por isso é que, em complemento, Sua Excelência vaticinou que:

(...) a fórmula mais simples e que não desbordaria das categorias tradicionais do Direito Penal esteja no pensamento do renomado Jesús-María Silva Sánchez (SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidad penal de las empresas y de sus órganos en derecho Español. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 79) quando sustenta que a responsabilidade penal individual daquele que detém o domínio da organização levaria em conta a sua conduta “comissiva omissiva”. É dizer, a sua culpabilidade decorre do fato de que, tendo conhecimento da ilicitude, omite-se em tomar as medidas que estavam ao seu alcance, dentro da hierarquia organizacional, para evitar o seu cometimento ou o resultado danoso. Funciona o corpo diretivo do aparato organizado como agente garantidor e, portanto, com o dever de impedir a ocorrência dos fatos delituosos: 

En virtud de esta estructura, podrá estimarse que cometem el correspondiente delito por omisión los referidos hombres de trás, superiores jerárquicos, que no impidem que éste se produzca, cuando ello sucede en el ámbito de su competencia y podían y debían, siempre según los términos del compromiso adquirido de controlar los correspondientes factores de riesgo, evitar su producción. La idea básica de esta imputación es que la estructura jerárquica y de división funcional del trabajo genera unos âmbitos de competencia individual.

Mas qual seria o critério para se definir quando o indivíduo poderá ser considerado garantidor, no caso concreto? Para evitar a atribuição arbitrária de delitos aos administradores da pessoa ideal, estes só serão considerados agentes garantidores para conter riscos determinados diante de bens jurídicos determinados, de acordo com suas atribuições dentro do aparato hierárquico organizado. Portanto, são essas atribuições, previamente definidas, que irão determinar os riscos concretos que lhes cabe controlar e evitar. J. M. Silva Sánchez ressalta este ponto ( Idem, ibidem, p. 80):

El compromisso individual adquirido con la aceptación del cargo, traslada al sujeto la competencia que conleva el dominio y, a la vez, la responsabilidad. Solo tal compromiso, en virtud del qual se asume la correspondiente competencia, tiene la virtualidad de producir en el hecho una identidad estructural en el plano normativo con la comisión ativa. (Grifei). 

E aqui, em prol da aplicação dessa figura tradicional de nosso Direito Penal, que é justamente aquela estampada no art. 13, § 2º, do CP, quando aponta para a relevância da omissão para definir a posição de garantidor da não ocorrência do resultado lesivo tem-se, a meu ver – e isso foi destacado no voto-vista – que o réu Gilmar Sossella, mesmo depois de alertado pela imprensa de que os convites para o churrasco de sua campanha estavam sendo usados como meio de exigir ilicitamente que funcionários da casa adquirissem esses convites (que de convites nada tinham), pena de perderem suas funções gratificadas ou cargos de direção, não desistiu da realização da efeméride eleitoral, tampouco providenciou na devolução do numerário obtido com a aparente venda dos convites, tanto assim que em seu interrogatório confessou ter pensado em cancelar o jantar e devolver o dinheiro da venda dos ingressos, tendo sido dissuadido de tal atitude, que poderia aparentar estivesse errado em seu proceder, como expressamente registrou o ilustre Desembargador Silvio Moraes em seu ilustrado voto. 

Ora, se alguma dúvida havia sobre o envolvimento do acusado GILMAR SOSSELLA nos fatos, em meu entender o seu interrogatório fulminou quaisquer dúvidas de que tinha perfeita ciência do que estava a ocorrer. Tinha ele, nas circunstâncias, o dever jurídico de evitar a ocorrência do resultado lesivo, já que se encontrava, sim, na posição de garante da não ocorrência desse resultado. Praticou, assim, um crime comissivo por omissão! Perfeita, em meu entender, a análise realizada pelo Desembargador Paulo em seu voto-vista quando indaga:

Mas quando existe o dever jurídico de impedir a produção do resultado? Quando esse advém de um mandamento legal específico. Quando o sujeito, de outra maneira, tornou-se garantidor da não-ocorrência do resultado. Quando um ato precedente determina essa obrigação (Código Penal, art. 13, parágrafo 2º). Vejamos:

Entre os órgãos da Assembleia Legislativa, de acordo com A Resolução n. 2.288/91, está a Mesa (art. 21), constituída pelo Presidente e demais membros, que funciona como órgão diretivo dos trabalhos do parlamento, competindo-lhe, entre outras atribuições, administrá-la e organizar seus serviços.

Dentre as atribuições expressas do Presidente (art. 32), está a de “dirigir, com suprema autoridade, a polícia da Assembleia e promover as medidas necessárias à apuração da responsabilidade por delito praticado nas dependências da Assembleia (inc. III).

De acordo com a Resolução n. 3.030/2008, a estrutura organizacional da Assembleia Legislativa é composta pelos seguintes órgãos centrais: I - Gabinete da Presidência; II - Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional; III - Ouvidoria; IV - Procuradoria; V - Grupo de Controle Interno; VI - Escola do Legislativo; http://www.al.rs.gov.br/legis 1 VII - Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul; VIII - Superintendência-Geral; IX - Superintendência Legislativa; X - Superintendência Administrativa e Financeira; e XI - Superintendência de Comunicação Social e Relações Institucionais (art. 3º).

São órgãos subordinados diretamente à Mesa: I - Gabinete da Presidência; II - Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional; III - Ouvidoria; IV - Procuradoria; V - Grupo de Controle Interno; VI - Escola do Legislativo; VII - Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul; e VIII - Superintendência-Geral (art. 6º).

À Superintendência-Geral, órgão de direção superior, compete dirigir, coordenar, planejar e orientar as atividades dos órgãos a que se referem os incs. IX a XI do art. 3º da referida Resolução, de acordo com as diretrizes emanadas da Mesa. Compete, ainda, à Superintendência-Geral: I - exercer a direção geral da Casa; II - implementar, de acordo com a orientação da Mesa, a política administrativa na Assembleia Legislativa; III - orientar as atividades das Superintendências; e IV - normatizar os procedimentos administrativos, bem como padronizar os fluxos de trabalho (art. 17). (Grifei.)

Como referido tanto pelo eminente Relator, Des. Silvio, como pelo Des. Paulo em seu voto-vista, ficou sobejamente provado que os réus GILMAR SOSSELLA e ARTUR não apenas eram parentes (primos). Para muito além disso, mantinham estreitíssimo vínculo político de longa data, no qual sempre o segundo era subordinado ao primeiro em cargos demissíveis ad nutum.

Conforme gizado, ARTUR foi Secretário de Administração de GILMAR SOSSELLA em um primeiro mandato deste como Prefeito de Tapejara/RS e, ao depois, em segundo mandato, foi seu Secretário Municipal de Fazenda, afora o fato de ter trabalhado na qualidade de coordenador das campanhas de SOSSELLA quando este disputou o cargo de Deputado Estadual nas eleições de 2006, 2010 e 2014.

Não é sem razão, portanto, que a testemunha Mariana Gonzales Abracal, quando perguntada a respeito da posição de ARTUR frente a SOSSELLA, disse que este em seus discursos vaticinava que ARTUR, na Assembleia Legislativa, era “(...) seu homem de confiança”.

Por isso, tem-se a subsunção da conduta de GILMAR SOSSELLA, à época dos fatos presidente da ALERS, a todas as elementares do tipo do art. 316 do CP, vale dizer, o exigir o funcionário público (e o agente político assim se qualifica, a teor do caput do art. 327 do CP, sem que isso atraia a incidência da causa de aumento de pena prevista no § 2º do mesmo artigo, conforme sedimentada orientação do STF), juntamente com seu primo ARTUR – então Superintendente-Geral da ALERS –, prevalecendo-se ambos de suas funções, a compra de convites para o churrasco de sua campanha (vantagem indevida) dos ocupantes de funções gratificadas ou cargos de direção, ao salgado preço de R$ 2.500,00, valor esse que correspondia a cerca de 30% do valor mensal da gratificação recebida pelos funcionários da Assembleia, conforme deixou entrever a testemunha Patrícia Kolhmann Amato (FGs de cerca de 100 mil/ano:12= 8.333,00, sendo que 2500 equivale a 30% de R$ 8.333,00), sob a ameaça de perderem suas FGs e cargos diretivos – o que veio, efetivamente, a acontecer com o funcionário Nelson Delavald Júnior.

Quanto ao delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral

Acompanho o eminente Des. Paulo quando entendeu que, no caso concreto, o elemento do tipo previsto no art. 350 do Código Eleitoral, de fazer inserir declaração falsa, está subsumido no delito de concussão.

O crime de falsidade ideológica, nestes autos, consistente na circunstância de que alguns recibos eleitorais continham verbas obtidas por coação, é mero exaurimento do delito anteriormente analisado (art. 316 do Código Eleitoral).

Da acusação de prática de propaganda eleitoral no dia da eleição – art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97

Em relação a esse delito, também por coerência lógica e a partir do voto-vista do Des. Paulo, tem-se que a condenação do réu GILMAR SOSSELLA pelo delito previsto no art. 316 CP impõe o enfrentamento do mérito quanto ao crime de divulgação de propaganda eleitoral no dia das eleições de 2014, consistente no envio de 4.987 mensagens de texto (SMS) diretamente de seu celular funcional (51 – 9864-0485).

Quanto a isso, na mesma esteira do voto do eminente relator e do voto-vista do Des. Paulo, não há dúvidas sobre sua ocorrência.  Houve, sim, escancarada violação ao comando do art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

O argumento da defesa de que o fato seria atípico foi bem refutado e afastado pelo eminente relator, pelo que me reporto ao seu judicioso voto, para evitar fastidiosa tautologia.

Da simples leitura da mensagem, é possível concluir que se trata de propaganda eleitoral, pois há o pedido explícito de voto e consta o nome e número do candidato, pelo que a condenação é de rigor.

E aqui há o concurso material (art. 69, CP) da violação ao tipo do art. 316 do CP (concussão) com o delito de divulgação de propaganda eleitoral no dia das eleições previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9504/97.

Dosimetria da pena quanto ao réu GILMAR SOSSELLA - Crime do art. 316 do Código Penal em concurso material com o art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97

Estou de acordo com a dosimetria da pena realizada pelo eminente Des. Paulo, que depois de reconhecer a desfavorabilidade de duas das oito operadoras do art. 59 do CP, chegou a uma pena definitiva de 2 anos e 8 meses de reclusão, em regime aberto, quanto ao crime de concussão.

Também reputo adequada a pena de multa aplicada pelo crime de concussão (12 dias-multa, à razão de 2 salários mínimos vigentes na data do fato).

Sem divergência, também, quanto à pena privativa de liberdade aplicada para o delito de crime de propaganda no dia das eleições, que, ao final, restou fixada em 7 meses de detenção, significa dizer, muito próxima do mínimo legal, e também quanto à pena de multa cumulativa em R$ 10.000,00, em face da boa situação econômica do réu.

Assim, por força do art. 69 do CP, o réu deverá cumprir uma pena que, somada, chega a 3 anos e 3 meses de reclusão e detenção (primeiro aquela, depois esta, a teor do art. 76 do CP), em regime aberto (art. 33, § 2º, al. “c”, do CP), mais 12 dias-multa, à razão de 2 salários mínimos vigentes à época do fato (concussão) e R$ 10.000,00, quantia esta a ser corrigida monetariamente da data do trânsito em julgado da presente sentença até o efetivo pagamento.

Correta, a meu sentir, igualmente, a substituição das penas privativas de liberdade dos delitos por duas restritivas de direitos, nos moldes do art. 44 do CP, consistentes em prestação de serviços à comunidade por, no mínimo, 7 horas por semana, e ao pagamento de prestação pecuniária.

Minha divergência em relação ao voto-vista do Des. Paulo, porém, está no montante da pena de prestação pecuniária aplicada, que foi de 200 (duzentos) salários mínimos ao tempo do efetivo pagamento para o réu GILMAR SOSSELLA.

Embora não desconheça que o art. 45, § 1º, do Código Penal não possua orientação precisa quanto aos critérios de aplicação da prestação pecuniária, parece-me intuitivo que deve o juiz buscar a imposição de expiação na medida da culpabilidade do acusado. Há aí, por certo, um grau de subjetividade judicial muito grande, que não raro diminui o poder fiscalizatório das partes quanto à justiça e legalidade da punição.

Elidiu-se no caso de aplicação das prestações pecuniárias a necessidade de o raciocínio judicial ser explícito e fundamentado, como se isso fosse possível nessa quadra dos tempos, mormente ante a clara dicção do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.

Se a capacidade econômico-financeira do condenado é um dos pilares para a aplicação da pena de prestação pecuniária, certamente não é ele o único, de forma que tanto o art. 59 como o art. 68, ambos do CP, devem continuar orientando o trabalho do juiz, de forma que se tenha uma simetria entre a pena privativa de liberdade aplicada e a substitutiva de prestação pecuniária.

Desse modo, considerando que a pena para os delitos praticados foi aplicada se não no mínimo, mas bem próximo a ele, em cada um dos delitos acima analisados (concussão e propaganda eleitoral no dia da eleição), entendo que o valor da prestação pecuniária (PP) não pode corresponder ao termo médio previsto no § 1º do art. 45 do CP, que diz que a PP varia de 1 até 360 salários mínimos.

Nessa trilha, pois, considerando os vetores do art. 59 do Estatuto Repressivo, muito bem analisados pelo Des. Paulo em seu voto-vista, além do montante de cada uma das sanções corporais aplicadas para os dois delitos pelos quais o réu restou condenado, tenho que o valor de 50 (cinquenta) salários mínimos para o crime de concussão e de 30 (trinta) salários mínimos para o crime de propaganda no dia da eleição bem servem à reprovação dos delitos, de forma que o sentenciado deverá arcar com o pagamento, por força do concurso material, a título de prestação pecuniária, de 80 (oitenta) salários mínimos à época do efetivo pagamento.

E isso mais se justifica porque, em sede de execução penal, o eventual não cumprimento da pena de prestação pecuniária, tal como o descumprimento da prestação de serviços comunitários, pode ensejar, a teor do art. 44, § 4º, do CP, a conversão das PRDs novamente em pena privativa de liberdade. Por isso, o valor de 200 (duzentos) salários mínimos é quase que um indesejado estímulo ao descumprimento da pena substitutiva e uma possibilidade concreta de conversão da pena substitutiva em privativa de liberdade.

Tangente ao réu ARTUR ALEXANDRE SOUTO - Crime de concussão (art. 316, CP)

A confirmação da condenação de Artur, como exaustivamente analisado pelo eminente relator e no voto-vista, é de ser confirmada, em todos os seus termos, que aqui vão incorporados a este voto.

Dosimetria da pena quanto ao sentenciado ARTUR

Ouso divergir, no entanto, tal como o fez o Des. Paulo, quanto ao quantitativo da pena aplicada ao réu Artur pelo crime de concussão (pena definitiva de 3 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão e multa de 15 dias-multa, à razão de 1 salário mínimo vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente até o pagamento. O eminente relator impôs o cumprimento da pena corporal em regime inicial semiaberto.

Entendo que, ante as operadoras do art. 59 do CP, na maioria favoráveis ao réu, a pena definitiva de 2 anos e 8 meses de reclusão e multa de 12 dias-multa, à razão de 1 salário mínimo vigente à época do fato, conforme cálculo realizado no voto-vista do Des. Paulo, afigura-se mais adequada, jurídica e proporcional.

Além disso, não há razão fática ou jurídica para a imposição do regime semiaberto, mormente porque o acusado é tecnicamente primário e não registra antecedentes criminais. Por isso, o regime de cumprimento de pena deve ser o aberto, a teor do art. 33, § 2º, letra “c”, do CP.

Correta, a meu sentir, como procedeu o Des. Paulo, a substituição da pena privativa de liberdade do delito por duas restritivas de direitos, nos moldes do art. 44 do CP, consistentes em prestação de serviços à comunidade por, no mínimo, 7 horas por semana, e ao pagamento de prestação pecuniária.

Minha divergência, porém, em relação ao voto-vista do Des. Paulo, como no caso do réu Sossella, está no montante da pena de prestação pecuniária aplicada, que foi de 100 (cem) salários mínimos ao tempo do efetivo pagamento para o réu ARTUR.

Reforço, aqui, o mesmo entendimento acima exarado, de sorte que guardada a necessária proporção com a pena corporal aplicada, tenho que o valor de 50 (cinquenta) salários mínimos à data do efetivo pagamento para o crime de concussão serve aos fins de reprovação e prevenção do delito, mormente se considerada a possibilidade de conversão da PRD não cumprida novamente em pena privativa de liberdade, como resulta do já citado § 4º do art. 44 do CP.

Da possibilidade de execução provisória das penas aplicadas

Ainda, aspecto importante diz com a possibilidade de execução provisória das penas aplicadas aos dois réus, tal como entendeu o culto relator. Tenho idêntico entendimento, que sempre defendi como magistrado em primeiro grau de jurisdição.

O princípio da presunção de não culpabilidade ou da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inc. LVII, da Carta da República é, muito mais que um princípio, um estado jurídico de inocência, que começa a derruir quando contra o réu é proferida uma sentença condenatória.

Registro, nesse norte, que, mesmo em se tratando de ação penal originária, eventual irresignação dos réus a ser manejada por meio de recursos próprios não será dotada de efeito suspensivo.

O próprio STJ vem trilhando o entendimento de que mesmo em ação penal originária é possível a execução provisória da pena, sem que isso implique violação ao duplo grau de jurisdição, sobretudo pelo fato de que os recursos extraordinários às instâncias superiores não possuem efeito suspensivo, como se nota ao ser feita leitura da Questão de Ordem na APn-GO, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgada em 6.4.2016, DJe 26.4.2016, em aresto assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA. Pendente o trânsito em julgado do acórdão condenatório apenas pela interposição de recurso de natureza extraordinária, é possível a execução de pena. Numa mudança vertiginosa de paradigma, o STF, no julgamento do HC 126.292-SP (Tribunal Pleno, DJe 17/5/2016), mudou sua orientação para permitir, sob o status de cumprimento provisório da pena, a expedição de mandado de prisão depois de exaurido o duplo grau de jurisdição. Em verdade, pelas razões colhidas do voto condutor, o exaurimento da cognição de matéria fática é o balizador determinante a autorizar a execução provisória da pena. Não se cogita, portanto, de prisão preventiva. Em outros termos, pendente o trânsito em julgado apenas pela interposição de recurso de natureza extraordinária, é possível iniciar-se o cumprimento da pena, sem ofensa ao direito fundamental inserto no art. 5º, LVII, da CF. Nesses moldes, é possível iniciar-se o cumprimento da pena, pendente o trânsito em julgado, porque eventual recurso de natureza extraordinária não é, em regra, dotado de efeito suspensivo. QO na APn 675-GO, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6.4.2016, DJe 26.4.2016 (Inf. 582 do STJ).

Somem-se a isso os argumentos expendidos pelo STF a partir do voto divergente encimado pelo Min. Luiz Edson Fachin por ocasião da não concessão de medida cautelar nas ADCs 43 e 44/DF, quando aquele Sodalício, por maioria, entendeu que se deve dar ao disposto no art. 283 do CPP interpretação conforme a Constituição, ao efeito de não inviabilizar a execução provisória da pena.

Por certo, em relação ao réu GILMAR SOSSELLA, a possibilidade de execução provisória da pena não significa perda automática do mandato que titulariza, ante a regra posta no art. 92, inc. I, al. “a”, do CP (efeito da condenação), plenamente aplicável ao caso em função do delito por ele praticado (no exercício da função pública – Presidente da ALERS) e pelo qual está a ser condenado (concussão), e muito especialmente diante do expresso no art. 55, inc. VI, da Constituição Federal, c/c o art. 55, “caput”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de sorte que após o trânsito em julgado da presente sentença dever-se-á oficiar à mesa Diretora da ALERS comunicando a condenação, com cópia da sentença, para as providências pertinentes no âmbito do Poder Legislativo estadual.

Referente ao réu ARTUR, após o trânsito em julgado, deve-se-lhe impor, também, o efeito da condenação previsto no mesmo art. 92, inc. I, al. “a”, do CP (perda do cargo ou função pública , in genere, que estiver a exercer), pois que praticou crime de concussão no exercício da função de Superintendente-Geral da ALERS.

Deixo claro que, tanto em relação ao réu GILMAR SOSSELLA como ao réu ARTUR ALEXANDRE SOUTO, é plenamente possível a execução provisória da sentença condenatória, sem que isso implique – pois se deverá aguardar o trânsito em julgado nessa porção – a perda do cargo, função ou mandato que titularizam. São, pois, duas coisas distintas, de forma que para efeito de execução provisória, uma vez ultrapassado o prazo para interposição de eventuais embargos de declaração ou infringentes, a Secretaria Judiciária desta Corte deverá providenciar a confecção de Processo de Execução Penal Provisório (PEP provisório), nos lindes da Resolução CNJ n. 113/2010, encaminhando os feitos ao juízo de execução penal competente para início de cumprimento das penas.

ANTE O EXPOSTO, VOTO no sentido de julgar PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal aforada contra os acusados, ao efeito de:

(i) acompanhar o relator quanto à rejeição das preliminares e à condenação de ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática do delito tipificado no art. 316, caput, do Código Penal, divergindo em parte do voto-vista, no entanto, quanto à dosimetria da pena, nos termos da fundamentação, com o redimensionamento da pena de prestação pecuniária, como visto acima;

(ii) acompanhar o relator quanto à absolvição do réu Gilmar Sossela no tocante ao crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral;

(iii) divergir do relator quanto à absolvição de GILMAR SOSSELLA, ao efeito de condená-lo pelo crime tipificado no art. 316, caput, do Código Penal e, por via de consequência, analisando o delito previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, igualmente considerá-lo incurso nesse delito, em concurso material, com o redimensionamento da pena de prestação pecuniária, nos termos da fundamentação acima realizada;

(iv) acompanhar o relator quanto à execução provisória da pena, admitindo-a desde logo (antes do trânsito em julgado da condenação), determinando-se a formação do PEP provisório, nos termos da Resolução CNJ n. 113/2010, com o encaminhamento dos autos ao juízo da execução penal competente;

(v) impor aos condenados, após o trânsito em julgado da condenação, a perda dos cargos/funções e mandato eletivo que porventura ostentem, na forma do art. 92, inc. I, al. “a”, do CP, com a necessidade de observância, em relação ao réu GILMAR, dos preceitos inscritos no art. 55, inc. VI, da Constituição Federal, c/c o art. 55, “caput”, da Constituição Estadual;

(vi) após o trânsito em julgado da sentença condenatória: (a) comunicar à Corregedoria Regional Eleitoral a fim de que efetue o registro das condenações nos ASEs correspondentes, inclusive para os fins do art. 15, inc. III, da CF; (b) lançar o nome dos condenados no rol de culpados; (c) preencher e remeter o BIE ao Instituto de Identificação, nos termos do art. 809 do CPP; e (d) remeter o PEP definitivo ao juízo de execução penal competente, nos termos da Resolução CNJ n. 113/2010.

É como voto, Senhor Presidente.

 

Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

 

Em continuidade ao julgamento, destaco meu entendimento de que o efeito condenatório - ou efeito reflexo - referente à perda da função pública, previsto no art. 92 do Código Penal, é aplicável somente ao cargo público ocupado na data da prática do delito, e não para quaisquer cargos posteriores que venham a ser desempenhados pelos réus.

Balizada doutrina e jurisprudência se posicionam de modo a restringir a pena de perdimento apenas para o cargo público ocupado ou função pública exercida no momento do crime. Cezar Roberto Bitencourt, trilhando esse entendimento, assinala:

1.1.2. Correlação entre crime e atividade exercida

A perda deve restringir-se somente àquele cargo, função ou atividade no exercício do qual praticou o abuso, porque a interdição pressupõe que a ação criminosa tenha sido realizada com abuso de poder ou violação de dever que lhe é inerente.

(Código Penal Comentado. Editora Saraiva. 2ª ed. 2004, p. 306.)

Recentemente, a questão foi analisada pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, restando assentado que a perda de cargo público decorrente de condenação em ação penal somente se aplica ao cargo ocupado na época do delito (STJ. 5ª Turma. REsp 1452935/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14.3.2017 - Info 599).

Na data dos fatos, agosto de 2014, o réu Gilmar Sossella exercia o mandato eletivo de deputado estadual para a legislatura de 2010 a 2014 e a função de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, e o réu Artur Alexandre Souto ocupava o cargo de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa.

Todavia, atualmente, os réus não mais desempenham tais funções, dado que Gilmar Sossella foi empossado em novo cargo de deputado estadual, para a legislatura de 2014 a 2018, não mais ocupando o cargo de Chefe de Poder, e que Artur Alexandre Souto foi designado para o cargo de Assessor Parlamentar, não mais exercendo o cargo de Superintendente-Geral do Parlamento.