RE - 58819 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso interposto por JACQUES GONÇALVES BARBOSA e BRUNO WALTER HESSE, respectivamente, candidatos eleitos para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Santo Ângelo, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em virtude da omissão de despesa e da realização de gastos além do limite legal, determinando, ainda, o recolhimento de R$ 5.098,13 ao Tesouro Nacional.

Em suas razões, os candidatos sustentam que a suposta omissão de gasto consiste em dívida com a Gráfica Jornal das Missões, no valor de R$ 6.120,00, a qual constou na prestação retificadora apresentada. Sustentam que o referido débito foi assumido pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista – PDT na forma da legislação de regência. Afirmam que o valor acima do limite legal foi de cerca de R$ 5.100,00, que representa menos de 5% do total gasto em campanha, sendo irrelevante e incapaz de gerar desequilíbrio ao pleito. Invocam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A final, postulam a aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas de campanha foram desaprovadas na origem em razão do reconhecimento de inconformidades assim sintetizadas:

1) omissão de registro de despesa com publicidade por jornais no valor de R$ 6.120,00, junto à Gráfica Jornal das Missões;

2) existência de dívida não quitada até a entrega da prestação de contas, relativa ao gasto mencionado no item anterior, e invalidade da respectiva assunção do débito realizada pelo diretório nacional do partido;

3) extrapolação do limite legal de gastos de campanha em R$ 5.098,13;

4) realização de gastos eleitorais realizados em data anterior à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, mas não informados à época; e

5) existência de bens e materiais permanentes adquiridos durante a campanha e não transferidos ao órgão partidário.

Passo à análise de cada um dos apontamentos.

Os itens “1” e “5” foram adequadamente saneados pelos prestadores, não justificando a indicação de mácula na contabilidade.

Com efeito, verifica-se que, no prazo para manifestação acerca do parecer técnico preliminar, os candidatos realizaram a retificação das contas (fl. 127-128), consignando a despesa com a Gráfica Jornal das Missões Ltda, no valor de R$ 6.120,00, acompanhada da respectiva nota fiscal (fl. 129).

Da mesma forma, quanto ao item “5”, os prestadores acostaram aos autos termo de recebimento, pela agremiação partidária, dos bens e materiais permanentes sobre os quais pendia a comprovação de transferência ao órgão partidária (fl. 147).

Assim, não subsistem as falhas referidas.

Em relação à incorreção referida no item “4”, cumpre ressaltar que a omissão de dados nas prestações de contas parciais tem aptidão para prejudicar a transparência das contas, uma vez que a finalidade da norma de regência é dar publicidade aos eleitores da movimentação de campanha, conforme preceitua o art. 43 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Apesar disso, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, a ausência de dados na prestação de contas parcial, por si só, não é suficiente para embasar o juízo de desaprovação da contabilidade, motivando apenas o apontamento de ressalvas, desde que todas as informações constem na prestação de contas final e não exista indícios de má-fé, tal como na hipótese.

Nessa linha, relaciono o seguinte julgado de minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. LANÇAMENTOS DE DADOS. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. EQUÍVOCO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

Realizados gastos eleitorais em período anterior à data inicial da entrega da prestação de contas parcial, que não haviam sido contabilizados na época, em desacordo com o § 6º do art. 43 da Resolução TSE n. 23.463/15. Impropriedade originada em razão do equívoco no lançamento de dados na prestação de contas parcial de campanha, reconhecida pelo prestador. Manutenção da sentença de aprovação com ressalvas.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 27667, Acórdão, Relator Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado na sessão de 22.8.2017.)

No tocante ao item 2, sobre o não pagamento da dívida de R$ 6.120,00 com a Gráfica Jornal das Missões Ltda., houve a apresentação de termo de confissão e assunção de dívida pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT), constando, dentre outras informações, a anuência expressa do devedor e o prazo de 30 dias para o adimplemento (fl. 132).

O juízo a quo, percebendo que, nos termos do referido documento, o diretório nacional declara-se “devedor principal do valor”, entendeu que “Existe aqui uma inconsistência, pois conforme dispõe o art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o órgão nacional autoriza a assunção de dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição (...)”.

Correto o posicionamento do magistrado sentenciante.

Embora a Resolução TSE n. 23.463/15 faculte a assunção solidária da dívida pelo partido político, a sistemática do instituto reclama que tal responsabilidade recaia sobre o diretório da própria circunscrição eleitoral do pleito, com a aprovação do órgão nacional e a concordância do credor.

Reproduzo os dispositivos pertinentes, sem grifos no original:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

[…].

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei n. 9.504/97, art. 29, § 4º).

Assim, consoante a inteligência do § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15, não é possível que o diretório nacional tome diretamente o débito para si, de modo principal e per saltum em relação ao órgão partidário municipal, ao qual caberia o ingresso solidário em relação ao débito, embora subordinado à decisão do órgão nacional.

Nesse sentido, anota Rodrigo Lopes Zilio (Direito Eleitoral. 5.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 475):

Somente é dado ao órgão nacional de direção assumir os débitos de campanha não quitados até a apresentação da prestação de contas, mas a transferência da dívida passa ao órgão partidário da circunscrição do candidato devedor.

Especificamente sobre a aplicação do art. 29, § 4º, da Lei das Eleições aos pleitos municipais, é clara a doutrina de Elmana Viana Lucena Esmeraldo (Manual de contas eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 95):

Nesse caso, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral (Diretório ou Comissão Provisória Municipal nas Eleições Municipais) passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas (Lei nº 9.504/97, art. 29, §4º).

Observe que, em eleições municipais, quem assume a responsabilidade pelo débito é o órgão de direção municipal, mas quem decide sobre a assunção do débito é o diretório nacional partido.

A regra tem por escopo permitir a fiscalização da arrecadação do recurso que será utilizado para o custeio da despesa mesmo após as eleições. Assim, será possível à Justiça Eleitoral, sem modificação de instância, fazer o devido controle do procedimento por intermédio das contas partidárias, nas quais será verificado, em especial, o pleno adimplemento da obrigação e a eventual utilização de fontes de recursos proscritas em campanhas eleitorais.

Ademais, o pretenso novo devedor não consignou informações a respeito da fonte de recursos que serão utilizados para a quitação do débito – se provenientes de contribuições de filiados, do Fundo Partidário, ou de outras origens –, inobservando o art. 27, § 3º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15.

A irregularidade envolve quantia que representa cerca de 4% do acumulado de despesas da campanha (R$ 151.548,27) e prejudica o controle dos gastos de campanha pela Justiça Eleitoral.

Dessa forma, estando a documentação comprobatória eivada de inconsistências, inviável o reconhecimento da assunção de dívida pela agremiação como forma de afastar o apontamento da mácula às presentes contas.

No que concerne ao item “3”, cabe anotar que a Resolução TSE n. 23.459/15 fixou o limite de gastos na campanha eleitoral para os cargos de prefeito e  de vice-prefeito em Santo Ângelo, nas eleições de 2016, no valor de R$ 146.450,14.

Contudo, in casu, os prestadores realizaram despesas totais no montante de R$ 151.548,27 (fl. 127). Desse modo, o teto financeiro da campanha foi extrapolado em R$ 5.098,13, o que corresponde a aproximadamente 3,4% do limite legal.

A despeito da pequena monta dos percentuais individuais de cada uma das irregularidades apontadas nos itens “2” e “3”, tenho que não seja a hipótese de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ao caso.

Conforme o entendimento consolidado do TSE, na avaliação da insignificância do valor da irregularidade, deve ser observado tanto o valor absoluto em questão como o percentual que ele representa diante do quantum movimentado pelo candidato, bem como a gravidade da falha sobre a aferição das contas.

Nessa senda, cito os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, p. 15.)

Verifica-se que as falhas são plúrimas e alcançam o expressivo montante de R$ 11.218,13, que não pode ser considerado irrelevante no conjunto das contas.

Ademais, as impropriedades dizem respeito ao adimplemento de dívidas e ao limite de gastos, cujas regras existem justamente para que o poder econômico não influencie de maneira indevida o resultado das eleições, garantindo a igualdade de oportunidades entre os concorrentes.

Assim, a desaprovação das contas justifica-se também pela importância dos preceitos inobservados durante a gestão e na elaboração final das contas.

Acertada ainda a condenação solidária dos candidatos ao pagamento de R$ 5.098,13, tendo em vista que a inobservância dos limites de gastos estabelecidos na Resolução TSE n. 23.459/15, na forma prevista no art. 5º, caput, da Resolução TSE n. 23.463/15 sujeita os responsáveis ao pagamento de multa no valor equivalente a cem por cento da quantia que exceder o limite estabelecido.

Insta advertir que o valor sancionado neste processo deverá ser descontado da multa incidente sobre o excesso de gastos eventualmente apurado em outros feitos sobre a mesma campanha, a partir de outros elementos (AIJE, AIME ou representação do art. 30-A da Lei n. 9.504/95), de forma a não permitir a duplicidade da sanção, consoante determina o art. 5º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.