RC - 50342 - Sessão: 06/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

JANDERSON LAUDIR JAHN e MIRO JESSE interpõem recursos criminais contra a sentença do Juízo da 42ª Zona Eleitoral – Santa Rosa/RS, a qual julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e condenou os recorrentes como incursos nas penas do art. 299 do Código Eleitoral. Em relação a ambos, a pena foi fixada em 1 (um) ano de reclusão e pagamento de cinco dias-multa no percentual de 1/30 do maior salário mínimo da data do fato, em regime de cumprimento aberto. As penas privativas de liberdade foram substituídas por restritivas de direitos, sendo atribuída a MIRO JESSE pena pecuniária no valor de R$ 50.000,00, a ser destinada a entidades do município; e a JANDERSON LAUDIR JAHN, prestação de serviços à comunidade em local e horário a serem designados pelo juízo da execução criminal durante 7 horas semanais, pelo tempo da pena privativa de liberdade (fls. 316-343).

Em seu recurso (fls. 365-387), JANDERSON LAUDIR JAHN afirma que não pode ser mantida uma condenação criminal baseada em interpretação de ligação, sem dolo específico, sem prova presencial testemunhal, documental ou fotos ou vídeos. Aduz ser trabalhador em três turnos e recém-casado. Afirma ter adquirido imóvel de empresa da qual MIRO JESSE é sócio e que, na ligação interceptada, apenas cobrou providência em relação à limpeza de terreno lindeiro. Argumenta que a denúncia não foi acompanhada da mídia do áudio descrito na exordial, tampouco da degravação integral das conversas. Sustenta que a ausência das gravações completas dos áudios e das respectivas transcrições de todas as ligações do período acarretam a ausência de materialidade quando do oferecimento da denúncia. Refere que as provas dos autos demonstram inocorrência de crime eleitoral. Requer a reforma da sentença, com a absolvição por falta, ou insuficiência, de provas.

Por sua vez, MIRO JESSE (fls. 388-428) argui a nulidade da ação penal por falta de fundamentação do deferimento das interceptações telefônicas. Alega que a comprovação poderia se dar por outros meios de prova, e questiona a necessidade de interceptações antes das eleições. Alega inépcia da denúncia por ausência de descrição do elemento subjetivo do tipo, uma vez que o eleitor declarou que votaria no candidato. Defende ser nula a sentença condenatória por ausência de motivação da aplicação da pena alternativa (opção pela pena pecuniária). No mérito, argumenta que o fato narrado na denúncia não constitui crime, visto que o interlocutor já era eleitor do recorrente, e que o acervo probatório não afasta a dúvida acerca da ocorrência do delito. Sustenta a necessidade de oferecimento de suspensão condicional do processo aos acusados. Requer a conversão do julgamento em diligências, a fim de que seja ofertada a benesse do art. 89 da Lei nº 9.099/95; a anulação do processo, no todo ou em parte, em face das preliminares apresentadas, ou, no mérito, a reforma integral da sentença.

Foram ofertadas contrarrazões pelo Ministério Público Eleitoral, nas quais requer o desprovimento do recurso (fls. 435-445).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela execução provisória das penas (fls. 447-461).

Aportou, ainda, pedido de compartilhamento de provas, para instrução de procedimento criminal em trâmite na Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 464-472).

Posterguei o exame do requerido, pelas razões que integrarão o presente voto.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são próprios, regulares e tempestivos, tendo sido observado o prazo estabelecido no art. 362 do Código Eleitoral. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deles conheço.

Do pedido de suspensão condicional do processo

Sr. Presidente:

Questão prejudicial sustentada pela defesa de MIRO JESSE (fls. 388-428) consiste na alegada necessidade de oferecimento de suspensão condicional do processo aos acusados, art. 89 da Lei n. 9.099/95, circunstância a qual demandaria a conversão do julgamento em diligências. A redação do dispositivo invocado pelo recorrente é a seguinte:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

(grifos meus)

O delito em exame é o previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que menciona pena de reclusão de até quatro anos. Por outro lado, o art. 284 do CE permite concluir que o grau mínimo da pena aplicável é igual a um ano.

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral aduz que MIRO JESSE não preenche os requisitos do art. 77 do Código Penal.

Ocorre que a análise da dosimetria da pena, constante da sentença condenatória, afasta tal argumento, pois a reprimenda foi fixada no mínimo legal:

“não há maiores dados acerca da culpabilidade e critérios normativos outros a influir na fixação da pena-base nesse sentido. Assim, tenho que não há qualquer relevo digno de nota na culpabilidade para fins de graduação da pena. O réu apresenta antecedentes pelos delitos de ameaça e falsificação de documento público ou equiparado, além de outros delitos não identificados na certidão de fl. 116 e verso. Não há, porém, como se levar em conta tais antecedentes, uma vez que não há sentença condenatória com trânsito em julgado. A personalidade e a conduta social não há como se levar em conta. Os motivos e as consequências são inerentes ao delito, não havendo circunstâncias ou consequências dignas de nota. Não há comportamento da vítima a ser valorado, considerando ser a própria sociedade a ofendida”

Do mesmo modo, as certidões das fls. 116-121 comprovam que os réus não respondem, atualmente, a nenhuma ação penal.

Assim, preenchidas as condições legais, a suspensão condicional do processo consubstancia um direito do acusado, e sua proposição não configura uma faculdade do Ministério Público.

Nesse sentido, precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO 2008. CRIME ELEITORAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ART. 353 DA LEI Nº 4.737/65. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95. PENA MÍNIMA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. DIREITO DO ACUSADO AO BENEFÍCIO. REMESSA À PROCURADORIA GERAL ELEITORAL.

1. Preenchidas as condições legais, a suspensão condicional do processo consubstancia direito do acusado, não configurando sua proposição uma faculdade do Ministério Público.

2. No caso dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, ao negar a proposta de sursis, adotou fundamento já rechaçado pelo TSE no julgamento do presente recurso especial, além de ser contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, incidindo, na espécie, o disposto na Súmula nº 696/STF.

3. Questão de ordem resolvida no sentido de enviar os autos à Procuradoria Geral Eleitoral para se manifestar quanto à suspensão condicional do processo.

(Recurso Especial Eleitoral nº 3845587, Acórdão, Relator(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 037, Data 24/02/2016, Página 78/79)

(grifei)

E tampouco o não oferecimento do benefício no momento oportuno pode ser considerado causa de nulidade relativa, submetendo-se a prazo preclusivo.

Como já mencionado, o benefício da suspensão condicional do processo configura direito subjetivo do réu, podendo ser vindicado enquanto não transitada em julgado a decisão condenatória. Repito que os requisitos subjetivos foram apreciados por ocasião da sentença.

Ademais, trata-se de meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da Justiça Criminal, e importante alternativa à persecução penal estatal, estando evidenciado o interesse público na sua aplicação.

Nessa linha, precedente do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. [...] SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MOTIVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO.

1. Tratando-se a suspensão condicional do processo de um meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da Justiça Criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, fica evidenciado o interesse público na aplicação do aludido instituto.

2. Embora o órgão ministerial, na qualidade de titular da ação penal pública, seja ordinariamente legitimado a propor a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, os fundamentos da recusa da proposta podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário.

PROPOSTA NEGADA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O PRÓPRIO TIPO PENAL INCRIMINADOR ATRIBUÍDO AO PACIENTE NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Na linha dos precedentes desta Corte, segundo os quais não se admite a utilização de elementos integrativos do tipo penal para justificar a exacerbação da pena-base, igualmente deve ser vedado o recurso à fundamentação semelhante para, em juízo sumário, negar a suspensão condicional do processo.

2. Na hipótese, o órgão acusatório negou ao paciente a proposta de suspensão condicional do processo, o que foi chancelado tanto pelo juízo monocrático como pelo Tribunal de origem, utilizando-se de elementos que integram a própria descrição abstrata do crime de quadrilha, bem como da suposta gravidade do delito que, pela sua falta de concretude, não atende à garantia constante do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

3. Ordem parcialmente concedida para deferir ao paciente a suspensão condicional do processo, devendo o magistrado singular estabelecer as condições previstas no artigo 89, § 1º, da Lei n. 9.099/90 como entender de direito.

(STJ - HC 131.108 RJ 2009/0044973-5, Relator Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento 18.12.2012, Data de Publicação DJe 4.3.2013).

Portanto, diante da necessidade de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo aos réus, merece acolhimento a questão prejudicial trazida pelo recorrente MIRO JESSE, a qual aproveita a JANDERSON LAUDIR JAHN. O julgamento há de ser convertido em diligência e ser determinado o retorno dos autos à origem, para o oferecimento da suspensão condicional do processo aos réus.

Em sendo aceito o benefício, fica desconstituída a sentença condenatória. Em caso de não aceitação, os autos devem retornar a esta instância decisória, para prosseguimento do exame dos recursos.

Igualmente, em sendo aceito o benefício, a manifestação acerca do pedido de compartilhamento de prova, fls. 464-472, é de ser analisada pelo Magistrado da Origem; acaso não aceito, o retorno ao Tribunal faz com que a manifestação aqui ocorra.

Ante o exposto, VOTO para acolher a preliminar de necessidade de oferta de suspensão condicional do processo aos réus MIRO JESSE e JANDERSON LAUDIR JAHN, e converter o julgamento do feito em diligência, baixando-se os autos à 42ª Zona Eleitoral.