RE - 43275 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO SANANDUVA QUER MAIS (PV - PT – PTB) (fls. 650-659) em face da sentença proferida pelo Juízo da 95ª Zona Eleitoral (fls. 644-646), que julgou extinta a Representação por Conduta Vedada e decidiu pela improcedência da a pretensão veiculada na Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, proposta em desfavor de LEOMAR JOSÉ FOSCARINI e LOEVIR FIDENCIO ANTUNES BENEDETTI, prefeito e vice-prefeito de Sananduva/RS.

A sentença rejeitou os pedidos da inicial nos seguintes termos:

1) Com relação à distribuição gratuita de valores para Junior Chamber Internacional Brasil - JCI de Sananduva (fl. 111), Moto Clube Trilheiros do Sul (fl. 119), Sociedade Cultural a Voz do Vale (fl. 123), Liga Sananduvense de Bochas - LSB (fl. 148), Associação São Francisco Protetora dos Animais de Sananduva - ASFRAPAN (fl. 167), julgo EXTINTO o processo sem julgamento do mérito pela decadência, ante a ausência de citação de Antonio Caldato, agente público responsável pela conduta, até a data da diplomação.

2) Com relação à distribuição gratuita de valores para Comissão Sananduvense de Juventude Rural – COSAJUR e Associação Sananduva Moto Clube julgo IMPROCEDENTE os pedidos, nos termos do inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil de 2015.

Em seu recurso, a coligação suscita preliminar de nulidade da sentença, em razão do indeferimento do pedido de prova. No mérito, refere que a ajuda financeira a entidades promovida pelo atual vice-prefeito foi fundamental para a vitória no pleito, máxime se considerada a pouca diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados, de somente 291 votos. Pede a reforma da sentença para que os recorridos sejam cassados e penalizados com multa.

Com contrarrazões, nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela rejeição da preliminar e pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminar de nulidade da sentença

A Coligação recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, em face do indeferimento do pedido de prova.

A matéria foi objeto de indeferimento pela ilustre magistrada (fl. 621):

No tocante ao pedido de provas, não houve requerimento de produção de prova oral pela parte representada, sendo esta dispensada pela coligação representante.

Não vejo a necessidade e utilidade de eventual prova pericial requerida pelos representados, razão pela qual a indefiro. 

O pedido de expedição de ofícios aos jornais locais para fornecimento de todos os exemplares comercializados no ano de 2016 é desproporcional e despropositado e só serviria para prolongar desnecessariamente o trâmite do processo, restando, portanto, indeferido. 

Indefiro, ainda, o requerimento de intimação do Município de Sananduva/RS para fornecimento de documentos, uma vez que os mesmos, por serem públicos, poderiam ter sido solicitados diretamente pela parte ao referido ente, a intervenção judicial só se justificaria no caso de comprovada recusa. Ademais, vários documentos requeridos já constam dos autos e foram juntados com a defesa.

Nesse ponto, tenho que o processo e suas provas servem ao juízo de convencimento, e, aqui, tenho que a matéria é de direito e de fato, estando toda ela já demonstrada pelos documentos trazidos aos autos.

Nesse sentido, colaciono o julgado abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

1. A jurisprudência deste Tribunal é firme em que o agravo deve ser processado nos próprios autos. 2. Decisão reconsiderada.

ELEIÇÕES 2008. VEREADOR. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. 1. A Segunda Turma do STF, no julgamento do MS n° 27.945/DF, Rel. Mm. Cármen Lúcia, decidiu que "a configuração de afronta ao princípio da isonomia pressupõe identidade de situações com tratamento diverso", o que não ficou demonstrado nos autos. 2. Não procede a alegação de afronta ao princípio da ampla defesa, pois, "embora o princípio da ampla defesa assegure a produção de provas, a necessidade de sua realização fica submetida ao livre convencimento do julgador, em face das peculiaridades do caso concreto" (Ag no 4.I70IMG, Rel. Mm. Peçanha Martins, julgado em 28.8.2003). 3. Presentes nos autos provas suficientes para o convencimento do juiz, é incabível dilação probatória. 4. Rejeita-se a alegação de utilização de prova emprestada não jurisdicionalizada, quando a moldura fática delineada no acórdão regional noticia a juntada da prova emprestada e a abertura de prazo para apresentação de alegações finais. 5. Não se acolhe a afirmação de que o julgamento do recurso eleitoral se teria fundado em prova testemunhal "duvidosa e imprecisa", pois a maioria dos depoimentos convergiu em que houve a captação ilícita de sufrágio. 6. A Corte Regional analisou detidamente as provas dos autos e concluiu pela violação ao art. 41-A da Lei das Eleições e pela configuração do abuso do poder econômico, e é inviável o reenquadramento jurídico dos fatos. 7. Agravo provido. Recurso especial desprovido.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 5423, Acórdão de 28.04.2015, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 100, Data 28.05.2015, Página 166.)

 

Destinando-se a prova ao convencimento do magistrado, não há que se falar em cerceamento quando sua produção mostra-se dispensável.

Na hipótese, como mencionado pela magistrada, desproporcional e despropositada a juntada de todos os exemplares comercializados no ano de 2016. Além disso, os documentos que postulara já estão nos autos ou são públicos, incumbindo à parte providenciá-los.

Afasto a preliminar.

Do litisconsórcio necessário entre o agente responsável pela conduta e os beneficiários

Sabido que o ajuizamento de demanda para apurar suposta prática de conduta vedada exige a citação, como litisconsorte passivo necessário, do agente público que atuou diretamente na conduta à margem da lei.

Essa é a posição consolidada pelo Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA AGENTE PÚBLICO. BENEFICIÁRIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM JULGAMENTO DE MÉRITO. DESPROVIMENTO.

1. Nas ações que versem sobre condutas vedadas há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os beneficiários dos atos praticados. (RO 1696-77/RR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 6.2.2012).

2. Na espécie, é necessário reconhecer a decadência do direito de ação e extinguir o processo com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, IV, do CPC, devido à ausência de citação tempestiva do agente público responsável pelas condutas vedadas.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 113529, Acórdão de 05.08.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 151, Data 15.08.2014, Página 146.) (Grifei).

 

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

1. Até as Eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no sentido de não ser necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes.

2. A revisão da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral deve ser prospectiva, não podendo atingir pleitos passados, por força do princípio da segurança jurídica e da incidência do art. 16 da Constituição Federal.

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

(...)

(Recurso Especial Eleitoral n. 84356, Acórdão de 21.06.2016, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.) (Grifei.)

Na espécie, restou demonstrado que, durante o ano de 2016, o responsável pela distribuição do dinheiro público para Junior Chamber Internacional Brasil - JCI de Sananduva (fl. 111), Moto Clube Trilheiros do Sul (fl. 119), Sociedade Cultural a Voz do Vale (fl. 123), Liga Sananduvense de Bochas - LSB (fl. 148), Associação São Francisco Protetora dos Animais de Sananduva - ASFRAPAN (fl. 167) foi, exclusivamente, e não na condição de mandatário do então Prefeito,  o Sr. Antonio Caldato. Dessa forma, a Coligação ora recorrente deveria ter promovido sua citação até a data da diplomação dos representados.

Como não foi houve a citação dos litisconsortes passivos necessários até a diplomação dos eleitos, marco temporal que encerra a possibilidade de ajuizamento de ação por conduta vedada, é possível, desde logo, reconhecer a decadência do direito de ação, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, pois não é mais possível à autora a emenda à inicial.

Nesse sentido, recente julgado do eminente Desembargador Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Recurso. Representação. Conduta vedada. Art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Publicação de fotos nas redes sociais que revelariam o uso do gabinete do prefeito para realização de reunião política em benefício de candidatura. Representação ajuizada apenas contra os candidatos que participaram da aludida reunião, sem a integração à lide dos agentes públicos envolvidos nos fatos. Tratando-se de hipótese de litisconsórcio necessário, a ausência de sua formação é causa de nulidade, conforme disposto no inc. I do art. 115 do Código de Processo Civil.

Ausente a citação dos litisconsortes passivos necessários até a diplomação dos eleitos, marco temporal que encerra a possibilidade de ajuizamento de representação por conduta vedada, reconhecida a decadência do direito de ação, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, não sendo mais possível eventual emenda à inicial.

Extinção do feito com resolução do mérito.

(RE 386-73, Julgado em 07.03.2017.)

Dessa forma, nenhum reparo à sentença que reconheceu a decadência, com extinção do feito, nos termos do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15, c/c art. 487, inc. II, do CPC.

Tendo em vista a resolução com exame de mérito em relação àqueles fatos, cumpre examinar os remanescentes, que versam sobre a prática da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

No que diz respeito ao art. 73, § 10, Lei n. 9.504/97, é proibido à Administração Pública distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Proíbe-se, como dito acima, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Quanto aos programas sociais, somente a perfectibilização desse binômio (previsão em lei e execução orçamentária anterior) torna a conduta lícita, o que, conforme caderno probatório, restou comprovado.

Imputa-se a Loevir Fidencio Benedetti os auxílios financeiros para a Comissão Sananduvense de Juventude Rural - COSAJUR (fl. 142) e a Associação Sananduva Moto Clube (fl. 157).

No tópico, transcrevo as razões sentenciais, que se valeram do bem-lançado parecer ministerial de piso:

Não há nos autos prova contundente a demonstrar a efetiva ocorrência de desvio/abuso de poder econômico ou do poder de autoridade pelos representados.

Pelo contrário, a farta prova documental trazida aos autos pelos réus - e não pela Coligação autora - demonstra que nos exercícios financeiros anteriores já vinham sendo repassados sistemática e anualmente subsídios às entidades associativas da cidade.

O próprio dispositivo da Lei das Eleições supramencionado excepciona a realização de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, exatamente como acontece nos autos, eis que as leis trazidas pelos réus comprovam que a Lei de Diretrizes Orçamentária já previa a destinação de tais valores às referidas entidades, bem como se trata de mera continuidade à gestão de governo que já vinha sendo praticada nos anos anteriores.

Ainda, de registrar-se que duas das leis autorizando a liberação da verba a entidades da cidade foram assinadas pelo representado Leovir (Loevir) em 25 de janeiro de 2016. Esse fato certamente ocorreu durante o período em que substituiu o então Prefeito durante as férias de janeiro, não podendo ser considerado como ato praticado à revelia dos atos de gestão da Administração para favorecimento eleitoral, na medida em que, como constatado, o alcance dessas contribuições já vinha acontecendo nos anos anteriores e havia prévia previsão legal para tanto.

Portanto, não se constata o cometimento de ato abusivo praticado em ano de eleição unicamente com a finalidade de fraudar o pleito eleitoral, tanto pelos representados quanto por interposta pessoa. Nesse contexto, a improcedência da ação é de rigor.

Prossegue a ilustre magistrada:

Ademais, não é razoável impor à coletividade, no ano em que se realiza eleição, o sacrifício de programas sociais (culturais ou desportivos) e o indesejável engessamento da máquina pública. Assim, para garantia do princípio da continuidade administrativa o legislador previu duas exceções à conduta vedada descrita no artigo 73 § 10º da Lei 9.504/97, ressalvando os casos de emergência ou calamidade pública e as ações públicas preexistentes consistentes em programa sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Com efeito, as condutas realizadas pelo representado encontra respaldo na própria Lei das Eleições, uma vez preenchidos os requisitos configuradores da exceção, o que afasta a suposta ilegalidade das distribuições dos benefícios trazidas aos autos. (Grifei.)

Quanto aos incentivos à COSAJUR e à Associação Sananduva Moto Clube, colho no parecer da Procuradoria:

Comissão Sananduvense de Juventude Rural - COSAJUR

A Lei Municipal nº 2.989/16, sancionada e promulgada pelo segundo Recorrido em 25 de janeiro de 2016 na condição de Vice-Prefeito no Exercício do Cargo de Prefeito Municipal (doc. 7), concedeu-lhe R$ 2.610,60. Repasses de auxílios similares já haviam ocorrido anteriormente em 2015 (Lei Municipal, doc. 7.1), 2014 (Lei Municipal, doc. 7.2), 2013 (Lei Municipal, doc. 7.3) e 2011 (Lei Municipal, doc. 7.4), sendo, portanto, modalidade de programa autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Associação Sananduva Motoclube A Lei Municipal nº 2.993/16, sancionada e promulgada pelo segundo recorrido em 25 de janeiro de 2016, na condição de Vice-Prefeito no Exercício do Cargo de Prefeito Municipal (doc. 9), concedeu-lhe R$ 10.000,00, valor este constante do Resumo de ações/metas por cada Secretaria do Município de Sananduva (doc. 17 – p. 23) repasses de auxílios também já haviam ocorrido anteriormente em 2011 (Lei Municipal, doc. 9.1), 2010 (Lei Municipal, doc. 9.2), 2009 (Lei Municipal, doc. 9.3), 2008 (Lei Municipal, doc. 9.4), 2007 (Lei Municipal, doc. 9.5), 2006 (Lei Municipal, doc. 9.6), 2004 (Lei Municipal, doc. 9.7), 2002 (Lei Municipal, doc. 9.8) e 2001 (Lei Municipal, doc. 9.9), sendo, portanto, modalidade de programa autorizado em lei com realizações anteriores.

 

Assim, como a distribuição de incentivos à Comissão Sananduvense de Juventude Rural - COSAJUR vinha sendo realizada desde 2011 e à Associação Sananduva Moto Clube desde 2001, não há que se falar em violação ao que dispõe o art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, merecendo ser mantida a improcedência da ação, na medida em que evidenciada a ressalva legal (previsão em lei e execução orçamentária no exercício anterior).

DIANTE DO EXPOSTO, afastando a matéria preliminar, voto pelo desprovimento do apelo.