RE - 375 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Gramado e por JAIME SCHAUMLOFFEL E IRINEU SARTORI contra sentença (fls. 137-141v.) que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando a remessa de R$ 249.994,15 ao Tesouro Nacional.

Em sua irresignação (fls. 143-156), os recorrentes sustentam que as doações decorrem de obrigação estatutária. Argumentam ser desproporcional a impossibilidade de ocupantes de cargos em comissão doarem para o partido. Aduzem que a vedação foi imposta em meados de 2015, não podendo ser surpreendidos com nova regra no curso do exercício financeiro. Afirmam que o conceito de autoridade pública para o conhecimento de consultas é mais restrito, mostrando-se contraditória a jurisprudência. Requerem a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 161-167v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 21.2.2017 (fl. 142) e o recurso foi interposto no dia 24 do mesmo mês (fl. 143), respeitando o prazo de 3 dias previsto pelo § 1º, art. 53, da Resolução TSE n. 23.432/14.

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações provenientes de ocupantes de cargos de chefia e direção e também de detentores de mandato eletivo.

Correta a sentença recorrida.

O art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

 

No conceito de autoridade pública previsto no artigo referido, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução TSE n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

(Grifei.)

 

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

 

A vedação, decorrente do entendimento assentado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pela seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada, as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.04.2013.)

 

Tal entendimento foi, inclusive, solidificado na Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado nestes autos:

art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

XII - autoridades públicas

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

Da mesma forma, inserem-se no conceito de autoridade pública os agentes políticos, tais como prefeito e secretários, conforme já se posicionou esta Corte:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2014.

Prefacial afastada. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais das Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15 não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por se tratar de matéria afeta a direito material.

Recebimento de recursos de fonte vedada. Doação de valores por ocupante de cargo eletivo de vereador, agente político enquadrado no conceito de autoridade pública e abrangido pela vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Manutenção da penalidade de recolhimento da quantia indevida ao Tesouro Nacional.

Redução, de ofício, do período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário estabelecido no primeiro grau.

Provimento negado.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral nº 2276, Acórdão de 16.06.2016, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 108, Data 20.6.2016, Página 7.)

 

No caso dos autos, verifica-se que a agremiação recebeu um montante de R$ 239.623,25, proveniente de doações realizadas por detentores de cargos de chefia e direção, conforme apontado no parecer técnico conclusivo (fls. 104-109), e um total de R$ 10.370,90, oriundo de vereadores - agentes políticos que também ostentam a qualidade de autoridade para fins de prestação de contas.

Não prospera o argumento tecido no recurso de que a vedação somente foi estabelecida em meados de 2015, pois a Consulta n. 1.428, acima referida, foi publicada ainda no ano de 2007, firmando-se esse entendimento desde então. Ademais, a Resolução TSE n. 23.432/14, que disciplina as presentes contas, incorporou tal orientação e foi publicada no ano de 2014, antes do início do exercício financeiro ora analisado (2015).

Da mesma forma, o fato de haver imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Por fim, a alegada contradição existente na jurisprudência entre o conceito de autoridade pública para a formulação de consultas e para a doação de recursos à agremiação não altera a sorte do presente processo.

O conceito de autoridade pública para fins de vedação de recursos à agremiação está sedimentado nos Tribunais e nas resoluções do TSE e levou em consideração a necessidade de evitar o uso de cargos demissíveis ad nutum para alimentar as contas dos partidos. A legitimidade para as consultas permanece em construção pela jurisprudência e possui critérios distintos daqueles adotados para a definição de autoridade pública, para fins de prestação de contas.

Dessa forma, correto o juízo de primeiro grau ao considerar o valor de R$ 249.994,15 como originário de fonte vedada, o qual deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, de acordo com a orientação firmada por esta Corte:

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012.

Verificada a existência de recursos de origem não identificada, bem como de arrecadações oriundas de fontes vedadas, realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, na condição de autoridades e desempenhando funções de direção ou chefia. No caso, Chefe de Gabinete, Coordenador-Geral e Diretor.

Nova orientação do TSE no sentido de que tais verbas - de origem não identificada e de fontes vedadas - devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15.

Aplicação dos parâmetros da razoabilidade para fixar a sanção do prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em um mês.

Desaprovação.

(TRE-RS - PC 72-42 ,Rel. Dra. MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ. Sessão de 04.5.2016.)

 

Por fim, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixada pelo prazo de 1 ano na sentença, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral utiliza tais parâmetros, a fim de verificar a adequação da sanção. Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.)

 

No caso dos autos, o partido obteve receitas no total de R$ 260.210,95 (fl. 126), das quais praticamente a totalidade é oriunda de fonte vedada, R$ 249.994,15. Imperioso levar em consideração, também, que, apesar do recebimento de valores de fonte vedada, a agremiação prestou os esclarecimentos necessários à identificação da origem e do destino dos seus recurso.

Dessa forma, entendo proporcional a fixação da penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 09 meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 09 meses.