RE - 23653 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por ALTAIR SOARES FONSECA contra sentença do Juízo da 80ª Zona Eleitoral, a qual julgou procedentes os pedidos veiculados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. O juízo a quo entendeu caracterizado o ilícito de abuso de poder econômico e, em resumo, desconstituiu o mandato do vereador ALTAIR, declarou nulos os votos por ele recebidos e determinou o recálculo da distribuição dos cargos a vereador de São Lourenço do Sul, nas eleições de 2016 (fls. 393-407).

Nas razões (fls. 434-440), alega preliminar de ilicitude de prova, em virtude de gravações ambientais realizadas clandestinamente. No mérito, revisita o contexto probatório e aduz, fundamentalmente, não haver a demonstração de abuso do poder econômico ou de compra de votos. Requer o provimento do recurso.

Com contrarrazões (fls. 445-456), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela ocorrência de inovação da tese defensiva em grau recursal e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 460-469).

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença recebeu publicação em 24.4.2017, segunda-feira, via DEJERS (fl. 411), e a interposição ocorreu em 26.4.2017, quarta-feira subsequente (fl. 434).

Há questões preliminares a serem analisadas.

Ilicitude de prova e inovação de tese em grau recursal

O recorrente ALTAIR SOARES FONSECA, também conhecido como “CACO DO POSTO”, ou “KAKO DO POSTO”, traz, em suas razões recursais, ainda que entremeada às questões de mérito, a preliminar de ilicitude de prova, com um elemento novo: inidoneidade dos realizadores da gravação (Denis e Irani), pois eles seriam seus adversários políticos.

O d. Procurador Regional Eleitoral entende tratar-se de indevida inovação de tese defensiva em grau recursal, a qual não deveria receber análise de parte deste Tribunal.

Percebe-se que o tema da ilicitude da prova foi indicado na peça de defesa (fls. 317-323), bem como nas alegações finais do recorrente (fls. 387-391), sem o apontamento da circunstância de uma suposta inidoneidade dos autores das gravações.

De fato, o argumento foi trazido pela primeira vez nas razões de recurso.

De qualquer forma, entendo que o ponto merece, sim, análise, porque o tópico da idoneidade dos realizadores da prova é subjacente à questão da ilicitude, mais ampla que aquele item específico, a já referida idoneidade de Denis e Irani.

Ainda que considerando as razões do recorrente, a prova permanece lícita. Note-se que, conforme já assentado em precedentes deste Tribunal (por exemplo, o RE n. 399-41, de minha relatoria), as limitações às gravações ambientais formuladas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral visam proteger o direito fundamental à intimidade, preservando-se o assunto conversado (por ser íntimo) ou as pessoas envolvidas (por se encontrarem em posição de fragilidade), e não impedir o método de prova em si mesmo.

Ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada, íntima, do interlocutor gravado pode ser objeto de gravação ambiental. E é essa a distinção entre aqueles assuntos em que se permite a gravação e aqueles em que ela não é possível, não importando as circunstâncias pessoais dos envolvidos (alinhamento partidário, neste caso específico), pois se está a analisar a conduta de ALTAIR sob o prisma objetivo do enquadramento ou não enquadramento, na redação da lei, de forma a se perceber ter havido ou não a subsunção do agir à norma de regência – no caso, abuso de poder econômico.

Dito de outro modo, se os realizadores das gravações, Denis e Irani, são filiados a esta ou àquela agremiação política, tal fato não pode fazer concluir, aprioristicamente, que o registro audiovisual por eles realizado deve ser desconsiderado, como pleiteado pelo recorrente. Trata-se de método de prova de cunho objetivo, uma vez que a não ocorrência de flagrante preparado confere ampla validade à prova dos autos.

É bem verdade que o magistrado, na origem, posicionou-se no sentido de não levar em conta os testemunhos de Irani e Denis, pois são pessoas filiadas ao Partido dos Trabalhadores, adversário político de ALTAIR nas eleições de 2016. A magistrada, inclusive, deixa registrado o fato de ter percebido a dissimulação de Irani por ocasião da oitiva, situação de todo lamentável.

Ocorre que um testemunho configura prova de cunho subjetivo e, portanto, com características diferentes de uma gravação, na qual há interação, diálogos e agir livre por parte dos interlocutores gravados. Dessa forma, a inidoneidade de uma pessoa para depor em juízo decorre de circunstâncias subjetivas; ou seja, a magistrada concluiu que a testemunha, muito provavelmente, transfiguraria os fatos ocorridos e daria versão tendenciosa, não contribuindo para o deslinde do feito, ou até mesmo prejudicando-o.

Sob outro aspecto, a gravação ambiental, mormente a audiovisual, tem características diferentes: retrata os fatos ocorridos, não recebendo o filtro seletivo e subjetivo de quem quer que seja: está ali, objetivamente retratando o que aconteceu. Salvo comprovações de montagens ou edições tendenciosas, uma gravação não pode ser invalidada pelo fato de que os participantes não são neutros ou imparciais relativamente aos fatos. Aliás, quase nunca  o são.

Além disso, clandestinidade não implica, necessariamente, ilicitude.

Conforme precedentes, não há que se falar, no caso, em necessidade de autorização judicial, pois houve gravação por um dos envolvidos no diálogo. Aliás, o STF, em regime de repercussão geral, assentou a validade da gravação ambiental como prova:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.”

(RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009, Plenário, DJE de 18-12-2009.)

É certo, a título de argumentação, que, em alguns casos, o conteúdo gravado deve ser submetido à proteção da intimidade ou da privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, nas situações em que a conversa tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais e em que se conclua pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se a primazia do interesse público.

Em tais condições, de fato, o TSE possui alguns precedentes um tanto mais restritivos. Mas o assunto merece olhar atento, pois aquele Tribunal vinha sendo restritivo na admissão da gravação, especialmente no período entre o ano de 2013 até o início de 2015; antes, sobretudo entre 2008 a 2012, o e. Superior construiu precedentes pela licitude da gravação ambiental.

Uma jurisprudência pendular, portanto.

E, recentemente, houve movimento no sentido de admitir como prova a gravação ambiental realizada em lugares públicos, o que teve início no REspe 637-61/MG, Rel. Ministro Henrique Neves, DJE de 21.5.2015, quando se decidiu:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

Recurso especial da Coligação Cuidando de Nossa Cidade para Você

1. Na linha do entendimento majoritário, a eventual rejeição de um fundamento suscitado no recurso eleitoral não torna o recorrente parte vencida. O interesse recursal, que pressupõe o binômio necessidade/utilidade, deve ser verificado a partir do dispositivo do julgado. Precedentes: REspe nº 185-26, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 14.8.2013; REspe nº 35.395, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 2.6.2009.

2. Se a Corte de origem concluiu que as provas documentais e testemunhais seriam inservíveis e pouco esclarecedoras em relação à segunda conduta imputada na AIJE, a revisão de tal entendimento demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada em sede de recurso especial, a teor das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Recurso especial não conhecido.

Recurso especial e ação cautelar de Francisco Lourenço de Carvalho

1. "A contradição que autoriza a oposição dos declaratórios é a existência no acórdão embargado de proposições inconciliáveis entre si, jamais com a lei nem com o entendimento da parte".

(ED-RHC n. 127-81, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 2.8.2013.)

2. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe n. 344-26, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 28.11.2012; AgRRO n. 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014; REspe n. 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.5.2014; AgRRespe n. 924-40, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 21.10.2014.

3. As circunstâncias registradas pela Corte de origem indicam que o discurso objeto da gravação se deu em espaço aberto dependências comuns de hotel, sem o resguardo do sigilo por parte do próprio candidato, organizador da reunião. Ausência de ofensa ao direito de privacidade na espécie, sendo lícita, portanto, a prova colhida.

4. O quadro fático delineado no acórdão regional não revela a mera tentativa de obtenção de apoio político, pois, em diversas passagens, o que se vê são os pedidos expressos de voto e o oferecimento de vantagem aos estudantes. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ação cautelar proposta com o objetivo de conferir efeito suspensivo ao recurso especial julgada improcedente.

Recuso especial conhecido e desprovido. Ação cautelar julgada improcedente.

O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Francisco Lourenço de Carvalho, nos termos do voto do Relator. Vencida a Ministra Luciana Lóssio.

Nessa linha, julgados deste Tribunal Regional Eleitoral:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria. Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n, 573-28, acórdão de 17.02.2017, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. DEJERS de 21.02.2017.)

Observadas as circunstâncias do caso dos autos, note-se que o posto de combustíveis em que ALTAIR trabalha é acessível ao público. Não se trata de local onde a privacidade do gravado possa ser invocada, tampouco o teor da conversa envolve a esfera íntima de quem quer que seja.

Afasto a preliminar de nulidade da gravação ambiental.

Ainda, e de ofício, procedo à análise de outra questão preliminar, condizente à legitimidade do recorrente para figurar em polo passivo de AIME, pois se trata de candidato eleito à vaga de suplente, e não a titular de cargo de vereador.

Fixo a legitimidade, baseado no fato de que ALTAIR logrou obter a suplência na Câmara de Vereadores de São Lourenço do Sul, e foi diplomado na data de 19.12.2016, conforme informações dos sistemas da Justiça Eleitoral.

Conforme julgados recentes do TSE no sentido de que “[…] A legitimidade passiva ad causam em ações de impugnação de mandato eletivo limita-se aos candidatos eleitos ou diplomados, máxime porque o resultado da procedência do pedido deduzido restringe-se à desconstituição do mandato” (RESPE n. 524-31.2010.6.04.0000, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJE de 26.8.2016, por unanimidade) e, também, que […] "A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal” (AgRG em AI n. 1211, Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO, DJE de 17.11.2016, por unanimidade), assento a legitimidade passiva de ALTAIR SOARES FONSECA para o presente feito.

Ao mérito.

A questão de fundo diz com os fatos indicados e a ocorrência – ou inocorrência – de ato contrário à legislação eleitoral. Sob a ótica do abuso de poder econômico, antecipo que a sentença não merece reparos.

A prova dos autos é bastante clara.

Os fatos, em resumo: pessoas de São Lourenço do Sul procuravam Altair, o “Caco do Posto”, ou, alternativamente, Sidenei Gehling (há referências a Sidinei, Sidenei e Sidnei – a grafia do nome varia nos autos), com a intenção de realizar exames médicos.

Via de regra, mediante um pagamento de R$ 50,00 a Altair ou Sidenei, e após trâmite que reduzia para poucos dias a espera que normalmente duraria meses, as pessoas dirigiam-se a Porto Alegre para realizar os exames, e eram recepcionadas, ainda na estação rodoviária da Capital, por Martinho de Brum, assessor parlamentar, que as conduzia até a clínica.

Para a obtenção do resultado dos exames, as pessoas eram contatadas por Altair ou Sidenei.

Tal meio de proceder veio sucedido, também conforme a prova dos autos, de contatos posteriores, realizados por Altair e Sidenei, para “lembrar” aos cidadãos favorecidos no esquema “fura fila” do SUS que Altair pleiteava o cargo de vereador em São Lourenço do Sul, e que a prática merecia a devolução via "gratidão".

O "agradecimento" adviria do benefício proporcionado aos interessados: a prioridade no atendimento, a realização mais célere de exames em detrimento de outros cidadãos que compunham a fila de atendimento do SUS, gerenciado pela municipalidade.

Pela clareza, colho trecho da decisão do 1º Grau, em excerto que relata os fatos e afirma a ocorrência de abuso de poder. Assim, adoto a fundamentação, expressamente, como razões de decidir:

E tal situação encontra-se plenamente caracterizada no caso dos autos, em que o candidato impugnado ALTAIR SOARES FONSECA, alcunha CACO DO POSTO, auxiliado por ao menos outras duas pessoas, montou um verdadeiro “esquema” para fraudar o sistema de fila de espera de marcação de exames do Sistema Único de Saúde no município de São Lourenço do Sul ao menos durante o primeiro semestre do ano eleitoral de 2016, angariando, dessa forma, simpatia dos pacientes “ajudados”, situação que, a toda evidência, quebra a necessária paridade entre os candidatos, desimportando que tenha, explicitamente, pedido voto ou feito referência a eventual candidatura sua ao cargo de vereador, pois, assim agindo, mostrou-se ao eleitor como um indivíduo benevolente às custas do abuso do poder econômico em período muito próximo à abertura do processo eleitoral e do registro das candidaturas.

O abuso do poder econômico, por sua via, está configurado na verdadeira “estrutura” de cooptação e indução da vontade de eleitores fragilizados, portanto em situação de extrema vulnerabilidade - considerando a necessidade de atendimento de direito básico à saúde sonegado pela desestrutura administrativa do Sistema Único de Saúde, que os coloca em fila de espera, muitas vezes interminável, quando a situação reclama imediato atendimento -, montada inescrupulosamente pelo candidato impugnado ALTAIR SOARES FONSECA (“CACO DO POSTO”), associado ao seu amigo SIDINEI GEHLING e a MARTINHO DE BRUM, assessor parlamentar do deputado federal GIOVANI CHERINI, e consistente no encaminhamento de pacientes para realizarem exames na Clínica RADCOM, em Porto Alegre, em substituição às vagas de outros pacientes (procedimento este que não foi esclarecido completamente nos autos, muito embora não seja esta a arena adequada, haja vista que se trata de eventual ilícito criminal). Para tanto, os associados montaram toda a estrutura indispensável à consecução de seus objetivos, cooptando pacientes, que eram encaminhados pelo impugnado e/ou por SIDINEI GEHLING até a cidade de Porto Alegre mediante pagamento de R$ 50,00 - fato confessado, inclusive, pelo impugnado -, lá sendo recebidos por MARTINHO DE BRUM, que executava a tarefa de levá-los, de automóvel, até a Clínica RADCOM. Concluído o exame, o resultado era encaminhado para São Lourenço do Sul, competindo ao impugnado ou a SIDINEI GEHLING entregá-lo ao paciente, não raras vezes após fazerem pedido de voto explícito ou implícito. Posteriormente, já durante a campanha eleitoral, o impugnado CACO DO POSTO, acompanhado por SIDINEI GEHLING, visitou as casas dos pacientes encaminhados e, lembrando-lhes do encaminhamento para exames sem intervenção do SUS, pediu o voto dos eleitores.

Ademais, e por mais que as combativas razões de recurso queiram colocar em dúvida os testemunhos, é certo que a prova testemunhal corrobora as conclusões acima lançadas. Há testemunhos de pacientes – Erno Krumereich, Paulo Roberto de Paula, Inácio Luiz Becker e Marlize Karow Griesbach – cuja análise permite verificar alto grau de alinhamento entre si, sem contradições substanciais, e indicadores do esquema composto, no mínimo, pelo recorrente Altair, por Martinho de Brum (assessor parlamentar) e Sidenei Gheling (agricultor aposentado).

O apanhado dos testemunhos foi muito bem traçado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 465v-466v.). Mesmo que sejam desconsiderados os testemunhos de Irani e Denis, como corretamente procedido pela magistrada de origem, denota-se, da prova oral colhida, a maneira de agir do esquema ilegal:

No depoimento prestado pela testemunha Erno Krumereich disse que realizou exame de ressonância magnética em Porto Alegre por meio de Sidenei e que pela Prefeitura já estava aguardando há 3 anos para realização pelo SUS. Disse que Sidenei disse que por R$ 50,00 providenciaria o exame. Disse que encontrou Sidenei e lhe entregou o valor. Disse que foi a Porto Alegre de ônibus de linha para realizar o exame e que chegando na rodoviária em Porto Alegre Martinho estava lhe esperando para realizar o exame. Disse que Martinho recebeu ao todo cinco pessoas para realizar o exame. Disse que não conhece o impugnado. Disse que nunca houve pedido de voto ou de outra contrapartida. Disse que sua esposa recebeu o impugnado, Sidenei e “um outro” por volta de 20 de setembro, durante a campanha eleitoral, e que lhe pediram apoio, sem tocar no nome de Rudinei. Disse que pediram voto para o impugnado para sua campanha de vereador.

A testemunha Paulo Roberto de Paula, disse que conheceu o impugnado quando foi buscar seu exame de ressonância magnética da coluna feito na clínica Radicon em Porto Alegre. Disse que Sidenei Gehling esteve em sua casa para pedir voto para campanha eleitoral e conversando este disse que providenciaria o exame para o depoente. Disse que Gehling lhe pediu R$ 50,00 para a realização do exame. Disse que entregou R$ 50,00 a sua vizinha Marlize para ser entregue ao Sidenei. Disse que em Porto Alegre foi recebido por Martinho, que pediu uma ajuda para o Cherini. Disse que Sidenei também pediu apoio para ele. Disse que Sidenei Gehling ligou para lhe informar que seu exame poderia ser retirado no Posto Ipiranga com o impugnado. Disse que o impugnado pediu “uma força” como candidato a vereador. Disse que não pediu voto para o Rudinei. Disse que o impugnado e Sidenei estiveram em sua casa durante a campanha eleitoral pedindo voto à candidatura do impugnado.

Inácio Luiz Becker disse que o impugnado este em sua residência no final da campanha eleitoral, perto das eleições, e se apresentou ao depoente. Disse que fez uma tomografia em Porto Alegre, na clínica Radicon. Disse que sua vizinha Marlize comentou sobre a realização do exame e que poderia encaminhar sua requisição. Disse que Marlize também realizou exame no mesmo dia que o depoente. Disse que pagou o valor de R$ 50,00 à Marlize. Disse que Marlize comentou que iria buscar o resultado dos exames com Sidenei. Disse que recebeu a visita do impugnado e outro em sua residência e que teria encaminhado os exames para o depoente. Disse que o impugnado pediu “uma força” na campanha e entregou um santinho. Disse que o impugnado perguntou onde morava Erno Krumereich e que o impugnado tinha visitado Marlize. Disse que foi a primeira vez que falou com o impugnado. Disse que havia 5 pessoas em Porto Alegre para realizar exames e que Martinho teve que “fazer duas viagens” para levar todos para a clínica.

A testemunha Marlize Karow Griesbach disse que conhece o impugnado em razão da realização de exame médico. Disse que o médico que lhe atendeu no posto de saúde mencionou o nome de Sidenei para a realização de exames. Disse que pagou R$ 50,00 pelo exame e entregou para o impugnado. Disse que Sidenei ligou para informar a data do exame e que Martinho lhe buscou em Porto Alegre para a realização do exame. Disse que seu vizinho Inácio também estava em Porto Alegre para realizar seu exame médico. Disse que ao todo eram 6 pacientes para a realização de exames. Disse que Martinho comentou que Cherini tinha convênio com a clínica. Disse que por volta de um mês antes das eleições recebeu a visita de Sidenei e do impugnado, que lhe pediu ajuda na campanha, já que a depoente tinha “recebido ajuda com o exame”.

Ora, em um pleito proporcional para onze cadeiras, cujo contingente eleitoral é de cerca de trinta e cinco mil eleitores, é clara a interferência na normalidade do pleito ocorrida pela realização do esquema, o que, somada à indevida influência na liberdade de voto dos cidadãos beneficiados, resulta em uma relação forjadamente recíproca de gratidão e típica do clientelismo político. (Na doutrina, a obra precursora é de Landé, Carl H. Introduction: the diadic basis of clientelism. In: SCHIMDT, S. W et. al. (org) Friends, followers and factions; a reader in political clientelism. Berkeley University Press, 1977.)

Procedendo-se à análise da potencialidade lesiva, chama especial atenção as seguintes circunstâncias: (1) o uso da máquina estatal ocorria em momento de fragilidade dos cidadãos (a necessidade de realização de exames médicos); (2) a cobrança de valores – ao que consta nos autos R$ 50,00 –, a aparelhar ainda mais o abuso de poder político e econômico praticado, atingindo-se tanto a normalidade e a legitimidade das eleições (art. 14, § 9º, da CF) como a lisura eleitoral, bem jurídico tutelado pelo art. 23 da LC n. 64/90; (3) os pacientes são pessoas integrantes das camadas menos favorecidas financeiramente, em situação de grande vulnerabilidade, com tratamento de saúde pelo SUS; e (4) a utilização de recursos públicos na prática do abuso de poder, cuja gravidade é inconteste.

Igualmente, não procede o argumento recursal de que os fatos teriam ocorrido temporalmente distante da eleição, pois as gravações ocorreram nos dias 02.3.2016 e 19.4.2016, período próximo ao início da competição eleitoral.

Tais circunstâncias são confirmadas pelo conteúdo dos arquivos audiovisuais, cuja contundência é inafastável.

Por exemplo, no vídeo denominado “codinome cinaleira” [sic] (fl. 12-A), Altair é questionado pelo interlocutor: “Está fazendo ainda lá?”, ao que responde: “Claro!”. Após errar o nome de Denis, Altair pede desculpas e afirma que “é tanta gente”. Na sequência, Altair demonstra plena consciência do caráter ilícito da conduta, pois, ao ouvir que já havia sido feita a inscrição do exame junto à Prefeitura de São Lourenço do Sul, e que estava demorando, responde [sic]: “Tu só não falou pra eles lá que ia falar comigo, né? Não quero saber daquela gente; daí tu arrebenta com tudo”. Altair pede maiores informações sobre o exame – uma ressonância de joelho – e refere-se a Sidenei. Ainda, pede para Denis aguardar, e indica o preço: “cinquenta pila só” [sic].

A partir disso, Sidenei se aproxima, de posse de “fichas” para preenchimento (formulários do exame), e fala da necessidade dos dados pessoais da paciente e outros documentos, reportando-se especialmente – e mais de uma vez – ao “Cartão SUS”. Sidenei ainda menciona o mesmo valor: R$ 50,00.

A gravação tem, ao todo, quase vinte minutos, e também há diálogos sobre a qualidade do “serviço” prestado por Altair e Sidenei. São claros os atos de infração à legislação eleitoral, porquanto caracterizada a prática de abuso de poder econômico, o que impôs a procedência da presente AIME, ação com suporte no art. 14, § 9º, da CF.

Ainda, importante salientar o equívoco no raciocínio sobre relação causa-efeito trazida no recurso. O recorrente sugeriu que o juízo de origem teria sido influenciado pela mídia, ou mais precisamente, pelo fato de haver reportagem televisiva sobre os fatos versados na presente ação. Ao contrário: os fatos são de tal forma graves, e os vídeos contêm dados tão contundentes que a situação atraiu, para si, forte atenção da mídia.

Finalmente, e modificando de ofício a sentença, determino a manutenção da votação recebida por ALTAIR SOARES DA FONSECA no quantitativo total da coligação pela qual concorreu, por força do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, conforme a interpretação que o TSE tem dado à matéria:

Art. 175. Serão nulas as cédulas: I - que não corresponderem ao modelo oficial; (Vide Lei nº 7.332, de 1º.7.1985)

[...]

§ 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados: Renumerado do § 4º pela Lei n. 4.961, de 4 5.66)

§ 4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro. (Incluído pela Lei n. 7.179, de 19.12.1983)

 

Comunique-se, para o devido cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao Juízo da 151ª Zona Eleitoral – Barra do Ribeiro, após o julgamento de embargos de declaração eventualmente interpostos.

 

Diante do exposto, e na linha do parecer ministerial, VOTO por afastar a preliminar de ilicitude da prova e pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.