RE - 23738 - Sessão: 06/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES DE SÃO LOURENÇO DO SUL, contra sentença do Juízo da 80ª Zona Eleitoral, que julgou improcedentes os pedidos veiculados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) proposta pelo recorrente em face de RUDINEI HARTER. O juízo a quo entendeu não caracterizados a fraude ao processo eleitoral, o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio, imputados ao recorrido.

Nas razões (fls. 448-478), alega preliminar de cerceamento de defesa, em virtude do indeferimento de oitiva de testemunha. No mérito, revisita o contexto probatório e aduz, fundamentalmente, haver a demonstração de abuso do poder econômico e “corrupção eleitoral com fraude”. Requer o julgamento de procedência da ação, para cassar o diploma de Rudinei Harter, com o imediato afastamento de suas funções, bem como seja “declarado nulo o pleito municipal de 2016 para a eleição majoritária”.

Com contrarrazões (fls. 487-503), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo afastamento da preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 507-514).

É o relatório.

 

VOTO

Sr. Presidente, o recurso é tempestivo. A sentença recebeu publicação em 26.4.2017, quarta-feira, via DEJERS (fl. 436), e a interposição ocorreu em 02.5.2017, terça-feira subsequente (fl. 448), primeiro dia útil após o feriado ocorrido em 1º.5.2017.

Haveria, nessa linha, de se proceder à análise da preliminar de cerceamento de defesa trazida pelo representante na origem, aqui recorrente (pois a demanda foi julgada totalmente improcedente pelo juízo de origem), para, na sequência, visitar as questões de fundo da causa.

Contudo, há questões relativas à nulidade da sentença e à decadência do direito do autor.

Senão, vejamos.

Originariamente, a presente AIME, ação de índole constitucional, foi direcionada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de São Lourenço do Sul, a RUDINEI HARTER (prefeito), e também a CARLOS ANTÔNIO BECKER LESSA (vice).

Ocorre que, em despacho proferido antes da citação dos demandados (fls. 206-207v.), o magistrado de 1º Grau deixou de receber a ação relativamente a CARLOS ANTÔNIO BECLER LESSA, o vice-prefeito.

Os termos da decisão foram os seguintes, ao que importa no momento:

[…]

No entanto, não vislumbro qualquer elemento de convicção que impute ao impugnado CARLOS ANTÔNIO BECKER LESSA participação – ou ao menos indicação mínima para tanto – nos atos que são objeto de investigação. Logo, está escancarada a ilegitimidade passiva desse impugnado para compor o polo passivo da lide, modo pelo qual deixo de receber a AIME em relação a si.

[…]

Exclua-se do polo passivo o impugnado CARLOS ANTÔNIO BECKER LESSA.

Assim, o vice-prefeito CARLOS ANTÔNIO sequer foi citado. Foi excluído do polo passivo no dia 12.01.2017, como dá notícia a certidão na fl. 208 dos autos. A citação de RUDINEI HARTER ocorreu em 17.01.2017 (certidão da fl. 214).

A rigor, portanto, não houve comunicação oficial da existência de processo para CARLOS ANTÔNIO; a demanda não foi minimamente estabilizada relativamente ao vice-prefeito.

Trata-se de litisconsórcio necessário e unitário, dado que faz com que a questão ganhe complexidade, e merece análise prioritária, como já dito.

De início, cumpre ressalvar que as AIMEs ajuizadas contra os candidatos às eleições majoritárias (Presidente da República, governadores de estado e Distrito Federal, prefeitos municipais e senadores da República) devem ser, obrigatoriamente, propostas contra o titular ao mandato eletivo, e também a seu respectivo vice (nos casos dos chefes do Poder Executivo) ou suplentes (no caso do senador), em virtude do princípio da indivisibilidade de chapa.

O motivo é bem assentado na doutrina e na jurisprudência. Note-se que o ato de abuso que, ainda em tese, possa causar desequilíbrio ao processo eleitoral vem a beneficiar, indistintamente, a todos os participantes da chapa e, por consequência, evidente o interesse juridicamente qualificado de participação de todos esses atores em uma eventual demanda eleitoral. Ora, o vice ou o suplente somente se elegem se o candidato principal, ou titular, obtiver a vitória nas urnas. Aliás, a vitória é de ambos, uma vez que ambos estão a concorrer em parceria. Como dado histórico, apenas por curto período de tempo, e já distante, é que foram permitidas, no ordenamento jurídico brasileiro, candidaturas avulsas ao cargo de vice, em separado à candidatura à titularidade do cargo.

Assim, se toda a chapa é, inevitavelmente, afetada pela eficácia da decisão judicial que apura o ato de abuso (lato sensu), torna-se necessária a inclusão de ambos os componentes no polo passivo da ação ajuizada. Repito: a situação decorre da própria natureza da relação jurídica estabelecida na formação da chapa de candidatos a prefeito e a vice. Este, nessa toada, encontra-se em um estado de sujeição: há um determinismo inarredável, em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, no que diz respeito ao destino de ambos os mandatos.

Trata-se de hipótese de litisconsorte passivo necessário unitário, porque a decisão a ser exarada deve ser, e aliás inexoravelmente será, no mundo dos fatos, a mesma para ambos os sujeitos passivos.

Indo adiante, para especular a desnecessidade do litisconsórcio, bem observa ADRIANO SOARES DA COSTA, quando afirma que “a relação jurídica inconsútil liga inexoravelmente os destinos dos componentes da chapa. Seria teratológica a admissibilidade da afirmação admitindo a validade da chapa desfalcada, porque seria repristinar a concepção segundo a qual os votos deveriam ser concedidos, com independência, aos candidatos ao cargo principal e ao seu vice” (Direito Eleitoral. 7ª ed.  São Paulo: Lumen Iuris Editora, 2008, p. 593-594).

Ainda, para justificar a inclusão, no processo, do vice ou suplente, é insuperável o argumento de caráter constitucional – art. 5º, inc. LIV, da CF –, que liga a participação de todos os integrantes da chapa à observância do princípio do devido processo legal, pois as condenações ou privações de bens e direitos devem ser precedidos de garantia material do contraditório e da ampla defesa. Dessa forma, consiste em direito fundamental do vice integrar a relação jurídica processual que apure atos que possam definir os rumos da chapa, una e indivisível, a qual compõe.

Essa é a posição de ZILIO, pois, para o autor, “parece elementar que o vice tem o direito impostergável de participar da relação jurídico-processual que terá reflexos inequívocos na sua situação pessoal, eventualmente até expurgando o mandato que obteve nas urnas”. (Direito Eleitoral. 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 585.)

Para o eg. TSE, “a jurisprudência do Tribunal consolidou-se no sentido de que, nas ações eleitorais em que é prevista a pena de cassação de registro, diploma ou mandato (investigação judicial eleitoral, representação, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo), há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice, dada a possibilidade de este ser afetado pela eficácia da decisão”. (AgRg em AgI n. 2549-28 – Rel. Min. Arnaldo Versiani – j. 17.5.2011.)

Assentada a premissa de que se está a tratar de litisconsórcio passivo unitário, chega-se à primeira conclusão, qual seja, a da nulidade da sentença. Ao não abranger todos os componentes da chapa, a decisão padece de nulidade, conforme o art. 115, inc. I, do Código de Processo Civil:

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:

I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;

[…]

E, além, essa nulidade é absoluta porque “não diz respeito exclusivamente ao interesse das partes do processo, mas da própria Justiça e dos terceiros omitidos […]; por ser absoluta, ela será conhecida pelo tribunal ao qual a causa venha a ser endereçada em eventual agravo ou apelação, ainda quando nenhuma das partes a invoque ou peça a anulação da sentença”, conforme lição de DINAMARCO, sob a égide do Código de Processo Civil anterior, mas de absoluta valia ao caso posto. (Instituições de Direito Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 363)

Pois bem.

Caberia a este Tribunal anulá-la, e apenas determinar novo caminho processual.

Ocorre que a decisão fixada somente nesses termos restaria inútil, pois há outra questão a ser examinada, também ex officio: a decadência do direito do autor no relativo à presente AIME, em citar o vice-prefeito CARLOS ANTÔNIO.

No ponto, importa ressaltar que o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da diplomação, tem viés decadencial, conforme sedimentada jurisprudência do TSE:

[...]. Prefeito. [...]. Abuso de poder econômico. AIME. Prazo. Decadência. [...]. 1. Nos termos da jurisprudência desta c. Corte, o prazo para ajuizamento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo é decadencial, e, portanto, não se interrompe ou suspende durante o recesso forense. Todavia, o seu termo final deve ser prorrogado para o primeiro dia útil seguinte se cair em dia que seja feriado ou que não haja expediente normal no Tribunal, conforme regra do art. 184, § 1º, do CPC. [...].

(Ac. de 16.6.2010 no AgR-REspe n. 37631, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)

 

Embargos de declaração. [...] Ação de impugnação de mandato eletivo (AIME). Prazo decadencial. Termo inicial. Dia imediatamente subsequente ao da diplomação. Art. 207 do Código Civil. Não sujeição a causa impeditiva. [...] 2.  O termo inicial do prazo para a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo deve ser o dia seguinte à diplomação, ainda que esse dia seja recesso forense ou feriado, uma vez que se trata de prazo decadencial.

(AgR-REspe n. 36.006/AM, de minha relatoria, DJe de 24.3.2010). [...].(Ac. de 30.3.2010 no ED-REspe n. 37.005, rel. Min. Felix Fischer; no mesmo sentido, o ED-REspe 37.002, de 30.3.2010, rel. Min. Felix Fischer.)

 

Recurso ordinário. Ação de impugnação de mandato eletivo. Art. 14, § 10, da Constituição Federal. Prazo decadencial. Prazo que não se suspende ou interrompe. Precedente. Art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil. Aplicabilidade à AIME. Prorrogação do termo final para ajuizamento. Primeiro dia útil subsequente ao recesso forense. Após esse prazo ocorre a decadência. [...] Se portaria do TRE suspendeu o curso dos prazos processuais durante o recesso judiciário - de 20.12.2006 a 06.01.2007 -, mas manteve plantão para os casos urgentes, a AIME deveria ter sido ajuizada nesse período. Este Tribunal já entendeu ser aplicável o art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil à ação de impugnação de mandato eletivo, sempre. Na espécie, o prazo para propositura da AIME iniciou-se no dia seguinte ao da diplomação, ou seja, 20.12.2006, encerrando-se em 03.01.2007, prorrogando-se, todavia, em razão de não ter havido expediente normal no Tribunal Regional até o dia 06.01.2008, para o primeiro dia útil após o recesso, ou seja, 08.01.2007. A AIME foi ajuizada somente em 22.01.2007, de forma evidentemente intempestiva. [...].(Ac. de 23.6.2009 no ARO n. 1.438, rel. Min. Joaquim Barbosa;no mesmo sentido o Ac. de 29.9.2009 no AgR-REspe n. 35.916, rel. Min. Felix Fischer.)

Transcorreu o prazo decadencial, a contar da diplomação, sem que CARLOS ANTÔNIO tenha recebido, contra o mandato eletivo que ocupa, impugnação “ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”, conforme a dicção da Constituição Federal, art. 14, §10.

Novamente, trago a jurisprudência do eg. Tribunal Superior Eleitoral:

Ação de impugnação de mandato eletivo. Citação. Vice-prefeito. Obrigatoriedade. Decadência. 1. A jurisprudência do Tribunal consolidou-se no sentido de que, nas ações eleitorais em que é prevista a pena de cassação de registro, diploma ou mandato (investigação judicial eleitoral, representação, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo), há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice, dada a possibilidade de este ser afetado pela eficácia da decisão. 2. Decorrido o prazo para a propositura de ação de impugnação de mandado eletivo sem inclusão do vice no polo passivo da demanda, não é possível emenda à inicial, o que acarreta a extinção do feito sem resolução de mérito. [...]. (Ac. de 17.5.2011 no AgR-AI n. 254928, rel. Min. Arnaldo Versiani.)

 

[...] Cassação dos mandatos de prefeito e vice-prefeito por abuso de poder político. Corrupção. Ação de impugnação de mandato eletivo proposta tempestivamente apenas contra o prefeito. Litisconsórcio necessário unitário entre prefeito e vice-prefeito. Mudança jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral a ser observada para novos processos a partir de 3.6.2008. Ação proposta em 22.12.2008. Impossibilidade de citação ex officio do vice-prefeito após o prazo decadencial da ação. Constituição da República, art. 14, § 10. [...] Inaplicabilidade do art. 16 da Constituição da República. Razoabilidade. [...]. (Ac. de 17.2.2011 no AgR-REspe n. 462673364, rel. Min. Cármen Lúcia.)

 

[...] Prefeito. [...] Ação de impugnação de mandato eletivo. Vice. Litisconsorte passivo necessário. Entendimento aplicável após a publicação da questão de ordem no RCED 703/SC. Segurança jurídica. Citação. Decurso do prazo decadencial. Extinção do processo com resolução de mérito. Art. 269, IV, do CPC. [...] 1. O litisconsórcio passivo necessário entre titular e vice da chapa majoritária aplica-se aos processos relativos ao pleito de 2008 ajuizados depois da publicação do acórdão na Questão de Ordem no Recurso Contra a Expedição de Diploma n. 703/SC, porquanto, após referido termo, não seria mais cabível cogitar de surpresa do jurisdicionado e, assim, de violação à segurança jurídica. [...] 2. O argumento de que a chapa majoritária é una, razão pela qual a cassação do titular sempre levaria, imediatamente, à cassação do vice, já foi superado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com a modificação da jurisprudência da Corte, prestigiou-se a ampla defesa e o contraditório, afirmando-se que somente podem ser cassados o registro, o diploma ou o mandato do vice caso ele esteja presente na lide na condição de litisconsorte passivo necessário. [...].(Ac. de 26.8.2010 no AgR-REspe n. 3970232, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)

Dessa forma, e à luz da clássica doutrina de AGNELO AMORIM FILHO, houve a extinção do direito em si mesmo, de forma que a AIME antes veiculada, ação que visava, originalmente, desconstituir os mandatos (constitutiva negativa, portanto), não pode mais ser direcionada à chapa (indivisível), pois decadente o direito relativamente ao vice-prefeito, CARLOS ANTÔNIO BECKER LESSA, uma vez que ele não foi citado no prazo previsto constitucionalmente.

Conforme o citado autor, “a decadência opera ipso jure: produz efeito extintivo imediato a partir da consumação do prazo, e como diz respeito à extinção do direito, dela o juiz pode, e deve, conhecer de ofício, independentemente de provocação do interessado, pois não se conceberia que ele fosse basear sua decisão em um direito que deixou de existir”. (Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Domínio Público. Artigo publicado originalmente na Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961).

Finalmente, seria possível argumentar que o partido representante cumpriu o papel que lhe incumbia, direcionando, na petição inicial, a ação contra ambos os integrantes da chapa majoritária vencedora das eleições de São Lourenço do Sul, nas eleições do ano de 2016.

E de fato, na gênese da AIME, cumpriu.

Contudo, uma vez proferida a decisão de exclusão de CARLOS ANTÔNIO pelo magistrado a quo, incumbia ao PT de São Lourenço do Sul a ela se opor, indicando a necessidade de ocorrência do litisconsórcio entre RUDINEI e CARLOS ANTÔNIO, sob pena de preclusão, como de fato ocorreu. Ainda que se considere a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias nos processos eleitorais, a parte deveria ter apresentado irresignação específica, e veiculada nas razões do recurso que ora é analisado, por exemplo.

O que não ocorreu. A situação tem contornos, de fato, insólitos, pois a demandante iniciou a marcha processual corretamente. Contudo, no transcorrer do feito, ocorreu evento que não permite conclusão diversa que não seja a constatação da decadência.

Assim, considerando tratar-se de matéria de ordem pública, e também o dever de primazia do julgado de mérito (art. 488 do CPC), resta impositiva a extinção do processo com resolução do mérito e, em caráter definitivo, a própria relação processual.

 

Ante o exposto, VOTO para declarar nula a sentença, conforme o art. 115, inc. I, do CPC, de modo que dela não surtam efeitos e, no mérito, por reconhecer a decadência do direito do PT de São Lourenço do Sul em ajuizar a presente AIME contra a chapa composta por RUDINEI HARTER e CARLOS ANTÔNIO BECKER LESSA, consoante o art. 487, inc. II, do CPC.