AP - 3425 - Sessão: 20/06/2017 às 17:00

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor examinar a conduta do acusado GILMAR SOSSELA em relação ao crime de concussão, os critérios que definiram a presença de circunstâncias judiciais na dosimetria da pena do acusado ARTUR ALEXANDRE SOUTO e a questão da eficácia da decisão do STF em sede de repercussão geral sobre a execução provisória da pena aplicada em "grau recursal".

Quanto às preliminares, acompanho o relator e as rejeito.

Para fins didáticos, divido o presente voto em dois temas: 1 – Do réu Gilmar Sossella; 2 – Do réu Artur Souto.

 

1 – Réu GILMAR SOSSELLA

1.1. Absolvição do réu GILMAR SOSSELLA da prática do delito do art. 316 do Código Penal

O relator, ao absolver o réu com assento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, entendeu que o acervo probatório não traduz juízo de certeza acerca da autoria do fato que lhe é imputado, nas seguintes letras:

Entretanto, o órgão ministerial não logrou produzir prova de que os atos de concussão foram praticados por ordem de Gilmar Sossella.

Em seu interrogatório, Artur revelou ser primo de Gilmar "pois suas mães são irmãs", e disse que trabalham juntos na atividade política há muitos anos. Artur, que é formado em Direito, elegeu-se vereador de Tapejara no mesmo ano em que Sossella tornou-se prefeito, ocasião em que foi seu Secretário Municipal de Administração. Quando da reeleição de Sossella como prefeito, exerceu o cargo de Secretário Municipal da Fazenda.

Artur trabalhou na qualidade de coordenador de campanha à reeleição de Gilmar como prefeito de Tapejara e, a partir de então, coordenou suas campanhas eleitorais ao cargo de deputado estadual em 2006, 2010 e 2014.

Muito embora plenamente estabelecida a relação de confiança e os estreitos laços de parentesco e amizade entre os corréus, considera-se que a mera relação de subordinação existente entre Artur e Sossella, pertinentes às posições de deputado estadual e Presidente do Poder Legislativo, e de coordenador de campanha e Superintendente-Geral do Parlamento, não torna certo que Sossella tenha comandado ou aderido à prática delitiva perpetrada por Artur e agido, portanto, em coautoria.

No caso concreto, o domínio do fato delitivo é elemento de culpabilidade cuja presença deve ser aferida tendo em vista a prova produzida, levando-se em conta o conhecimento dos fatos e a unidade de desígnios e vontades entre os atos praticados por Sossella e Artur.

Mas, no contexto retratado nos autos, apenas pode-se estabelecer que Gilmar Sossella tinha ciência da realização do jantar e da confecção e venda dos convites a servidores. Não há indício algum a apontar que a exigência de compra e as ameaças de perda de funções gratificadas tenham sido efetuadas por Artur a partir de ordem e imprescindível consentimento de Gilmar. Até porque, conforme a prova oral de forma uníssona revelou, a realização de jantares de campanha para eleição de deputados era prática comum na Assembleia Legislativa, mas apenas a Artur foi atribuído o emprego de ameaças de perda de funções gratificadas caso os ingressos não fossem comprados.

Do exame do caderno probatório sobressai, sem sombra de dúvidas, que Gilmar Sossella tinha conhecimento da realização do jantar e venda dos ingressos. Também é inegável que tomara ciência da prática dos atos de concussão realizados por Artur, se não antes e durante a oferta dos convites sob ameaça de perda de funções gratificadas, ao menos após os fatos terem sido divulgados ao público por meio da imprensa, uma vez que a matéria veiculada no Jornal Zero Hora com o título Churrasco Salgado foi publicada com nota explicativa de Artur.

Além do conhecimento inequívoco dos fatos através da mídia, a partir da coleta de depoimentos dos servidores realizada pela Polícia Federal a ciência de Sossella sobre a investigação criminal dos atos praticados por Artur tornou-se inconteste, pois a autoridade policial remetia à Presidência da Assembleia Legislativa do Estado os ofícios requisitando o comparecimento dos servidores para prestarem depoimento.

Também foi enviada à Presidência do Parlamento e, portanto, a Gilmar Sossella, a decisão desta Justiça Eleitoral que determinou o afastamento cautelar de Artur da função de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa devido às notícias de que estaria coagindo testemunhas.

Todo o contexto subjacente aos atos de concussão evidencia que, em algum momento da prática delitiva realizada por Artur, seja antes ou depois de os fatos virem a lume, Gilmar Sossella, ao menos tacitamente, consentiu com as ações realizadas pelo seu Superintendente-Geral e coordenador de campanha, dado que nenhuma providência tomou em direção contrária.

Conforme os réus reconheceram, mesmo estando afastado por ser alvo de investigação policial, e a par das notícias de que teria coagido os servidores a comprarem os ingressos para o jantar, Artur continuou coordenando a campanha para reeleição de Gilmar Sossella.

Além disso, apesar das acusações de que os convites estariam sendo comprados pelos servidores detentores de funções gratificadas devido às ameaças de que seriam dispensados de suas chefias, tal qual o ocorrido com Nelson Delavald Júnior, Gilmar decidiu manter a realização do evento e consentiu com a entrada dos valores arrecadados com o jantar em sua campanha e, por consequência, em sua prestação de contas eleitoral.

Esse manifesto consentimento com os atos criminosos praticados por Artur, na forma de explícita anuência com a forma de arrecadação implementada por seu coordenador de campanha, embora suficiente para a condenação de Gilmar Sossella nas ações cíveis eleitorais, não é o bastante para a comprovação de que detinha o domínio funcional dos fatos na forma proposta pelo órgão acusatório.

A prova dos autos não trouxe elementos a demonstrar que, fora o assentimento de Gilmar, tenha havido ordem sua e, ou, cooperação com os atos de concussão (exigências e ameaças), tudo levando a crer que o sucesso de Artur em realizar o esquema ilícito de venda de ingressos não dependia da vontade ou atuação de Gilmar, dada a autonomia que Gilmar Sossella conferia ao agir de Artur, tanto na administração da Assembleia Legislativa quanto na coordenação de sua campanha eleitoral.

De acordo com a prova produzida, Artur tinha plenos poderes para tomada de decisões de autoridade no desempenho da função de coordenador de campanha e de Superintendente-Geral da Assembleia. Seus atos de liderança não dependiam do aval de Gilmar, pois ambos tinham um objetivo comum, que era o de administrar a Casa Legislativa e alcançar a reeleição ao cargo de deputado estadual.

Esse objetivo comum dos corréus, de obter sucesso no trabalho que desempenhavam em âmbito político, relativo à gestão do Poder Legislativo, e eleitoral, pertinente à vitória da campanha, não torna Gilmar Sossella coautor de eventuais crimes praticados por Artur Alexandre Souto.

A sopesar essa conclusão, anoto que, de acordo com os autos, as dispensas e designações de funções não eram levadas à Presidência da Casa, e sim à Superintendência-Geral. O fato de que Artur falava e atuava em nome de Sossella, e o inegável benefício eleitoral auferido pelo candidato com a venda dos convites, sem elementos a indicar de forma segura a atuação de Sossella na prática delitiva, não conduzem à certeza de coautoria.

Ademais, considerando que o crime de concussão exige prova inequívoca do dolo específico, não é possível concluir, com a segurança necessária a uma condenação criminal, que Sossella tenha agido com dolo direto ou eventual, especificamente no que tange à ciência de que Artur ameaçaria os servidores da Assembleia Legislativa com a perda das funções gratificadas por eles exercidas.

A teoria do domínio funcional do fato, originariamente concebida pelo alemão Hans Welzel, em 1939, e que veio a se tornar internacionalmente conhecida após a publicação da obra Autoria e Domínio do Fato no Direito Penal, pelo jurista Claux Roxin, em 1963, entende como coautores aqueles que, possuindo domínio funcional do fato, desempenham uma participação importante e necessária ao cometimento do ilícito penal.

No entanto, em momento algum referida teoria afasta a necessidade de ser provada a culpabilidade do mandante ou autor mediato. Sua mera posição hierárquica não motiva a condenação, o que seria admitir a responsabilidade objetiva indiscriminada, vedada no Direito Penal.

Na hipótese dos autos, a prova não logrou demonstrar que eventual aval de Sossella tenha sido determinante para que os convites fossem oferecidos aos servidores na forma de ameaças. Sua participação, na qualidade de coautor do delito, enquanto colaborador e titular no intento comum para a prática de concussão, não restou devidamente comprovada para além da mera existência de hierarquia que detinha em relação a Artur.

Ademais, todos os servidores foram uníssonos em atribuir os atos de oferecimento dos convites, exigência de compra, entrega do dinheiro e ameaça de perda da função gratificada a Artur, direta ou indiretamente, por meio dos superintendentes, diretores e Chefe de Gabinete de Gilmar.

Com a reunião convocada por Artur, logo após as declarações prestadas à imprensa dando conta da exigência de entrega, ficou claro que os ingressos distribuídos aos servidores estavam sendo oferecidos por Artur, na forma de imposição e mediante ameaça de perda das funções.

Embora o jantar servisse ao propósito de angariamento de recursos para a reeleição de Gilmar Sossella, nada há a apontar que tenha o réu, de alguma forma, praticado a conduta típica ou contribuído de forma determinante para o sucesso da empreitada criminosa.

Portanto, assiste razão à defesa ao afirmar que a prova dos autos não logrou demonstrar de forma suficiente a autoria imputada a Gilmar Sossella. Conforme entende o STF, não há óbice a que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal. Contudo, para a condenação, é necessário que, além disso, a acusação aponte indícios convergentes no sentido de que o réu não só teve conhecimento do crime, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados.

Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior (STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6.12.2016 - Info 850).

Mesmo considerando que a omissão de Gilmar em demonstrar discordância com os atos praticados por Artur após ser deflagrada a investigação policial tenha, de certo modo, chancelado o consentimento com os crimes praticados, ainda assim essa circunstância não revela a fração indispensável de eventual ato executório praticado por Gilmar, mormente porque, tratando-se de crime formal, a anuência de Gilmar após a prática do crime não representa forma de coautoria nem de adesão ao ato delituoso enquanto participação.

Considero que os indícios aproveitados pelo Ministério Público Eleitoral são inconsistentes e insuficientes para compor conjunto probatório de que o acusado tivesse conhecimento da prática ilícita ou deferido ordens para que o crime de concussão fosse perpetrado.

Na visão garantista do Direito Penal, tenho que a condenação de réu pela prática de um delito exige certeza processual do ocorrido, cabendo à acusação a prova, para além de dúvida razoável, das acusações formuladas na denúncia, não se admitindo a condenação por presunção ou suspeita.

[...]

Nesses termos, destacando o profícuo e judicioso trabalho desempenhado pela defesa encampada pelo ilustre Dr. Joel Cândido e pela Dra. Caroline Ferreira, concluo, à míngua de demais elementos de convicção, que, em relação a Gilmar Sossella, a prova da autoria é inconclusiva e insuficiente para sustentar eventual decreto condenatório, impondo-se a sua absolvição por falta de provas, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

(Grifei.

Não obstante os fundamentos adotados pela relatoria para justificar a absolvição do corréu, no caso concreto, penso que aqui se aplica a teoria do domínio do fato, mais especificamente a sua derivação nominada pela doutrina de teoria do domínio da organização, mas, substancialmente, há necessidade de condenação com assento na robusta prova indiciária. Explico.

Os crimes do colarinho branco tendem a ocorrer de forma adrede organizada e estruturada e, em boa medida, medram no seio de empresas legal ou ilegalmente estabelecidas e até mesmo de aparatos estatais. No caso, os fatos criminosos aconteceram na alta administração da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por meio dos cargos de Presidente e candidato (GILMAR SOSSELLA) e de Superintendente-Geral da Assembleia e coordenador de campanha (ARTUR ALEXANDRE SOUTO).

Com efeito, é no espaço ideal intangível, inacessível e preservado que se esconde, atrás do emaranhado complexo das organizações, o cérebro da operação criminosa: aqueles que não praticam os atos materiais do delito, mas que, ou permitem que ocorram, ou ordenam e coordenam a sua realização, auferindo, sobretudo, os proveitos ou vantagens da empreitada criminosa. É o chamado “homem de trás", de comportamento comissivo omissivo, ou autor mediato. Para que o Direito Penal possa chegar ao “homem de trás”, é mister o rompimento de alguns preconceitos dogmáticos. Uma das diretrizes político-criminais da Associação Internacional de Direito Penal para o mundo globalizado está assim assentada:

Entrando en las cuestiones específicas de la parte general del Derecho Penal, la insuficiencia de las categorías tradicionales de autoría y participación con vistas a alcanzar a los jefes y dirigentes de la organización por los hechos delictivos particulares cometidos, debería llevar a su “prudente modernización” a partir del principio de la responsabilidad organizativa, de modo que en “organizaciones jerárquicamente estructuradas, las personas con un poder de decisión y de control puedan ser responsables de los actos cometidos por otros miembros bajo su control, si dieron la orden de comisión de esos actos o si omitieron conscientemente prevenir su comisión".

(CUESTA, José Luis de la. Principios y directrices político-criminales de la Asociación Internacional de Derecho Penal en un mundo globalizado - Los sistemas penales frente al reto del crimen organizado: XVI Congreso Internacional de Derecho Penal (1999, Hungría: Budapest). Disponível em: http://www.penal.org/IMG/Guadalajara-cuesta.pdf. Acesso em: 12 jul. 2010.)

A teoria da responsabilidade própria, diante da possibilidade de ser reduzida ou mesmo inexistente a autonomia do “homem da frente”, enquanto executor material da conduta criminosa, precisa ser repensada. A dificuldade de dupla imputação, ou seja, de considerar-se tanto o executor imediato como o executor mediato imputáveis, constitui um desafio para o Direito Penal. Por certo que alguns institutos tradicionais do Direito Penal precisam de uma releitura. Poder-se-ia cogitar, na hipótese, por exemplo, de um crime contra a administração, executado em sua materialidade por um servidor público subordinado, no cumprimento das ordens de um de seus superiores hierárquicos, na hipótese de incidência dos institutos da autoria e da participação, quando, em verdade, o que se tem é a figura da autoria mediata: um autor imediato, executando o delito, e um autor mediato, no caso, o superior hierárquico, comandando, com o domínio da vontade, a atuação do executor.

“O domínio da vontade se dá em virtude dos aparatos organizados de poder, que Roxin chama de domínio da organização. Considera-se autor mediato, pelo domínio da vontade, qualquer um que esteja ligado a um aparato organizado, de modo ‘que possa dar ordens a pessoas a ele subordinadas’ e autorizá-las ‘a praticar condutas puníveis’ (Cf. AMBOS, Kay. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. 2006. p. 50). É o instituto que a doutrina convencionou chamar de “teoria do domínio da organização” (ROXIN, Claus. Autoría y dominio del hecho en derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000).

A teoria foi apresentada por ROXIN em 1963, em uma conferência em Hamburgo, publicada em artigo na Revista alemã Goltdammer’s Archiv, e posteriormente fundamentou a sua monografia Täterschaft und Tatherrschaft, trabalho que o habilitou à cátedra em Gotinga.

ROXIN opera com um novo fundamento para a autoria do "homem de trás", superando o clássico exemplo da coação ou do erro do autor imediato. Nas formas clássicas de autoria mediata, utiliza-se instrumentalmente uma pessoa, forçando-a ou usando-a como fator causal cego. Nessa espécie de autoria mediata o que se instrumentaliza é o aparato organizado de poder.

Quatro são os requisitos da teoria de ROXIN: 1. o domínio da organização de forma verticalizada: é necessário um aparato de poder de que se aproveita o "homem de trás" (os autores de escritório necessitam dispor do poder de mando), aparato este que adquire vida independente da identidade variável de seus membros, ou seja, funciona automaticamente, possibilitando que o autor mediato ofereça uma contribuição efetiva à realização do fato por meio da predisposição de determinadas condições marco-organizativas a desencadear procedimentos regrados que se colocam a serviço da realização do tipo (exige-se que o suposto autor mediato, dentro da organização rigidamente estruturada, disponha do poder de mando, ou seja, tenha autoridade para dar ordens, e que exerça sua autoridade para dar causa à realização do tipo, devendo ter conhecimento e vontade do resultado típico como obra própria.); 2. a intercambialidade ou fungibilidade do executor individual: é necessário que se demonstre a fungibilidade (substituibilidade daqueles que, no atuar delitivo de aparatos organizados de poder, executam os atos materiais de realização do tipo) e anonimato do executor, isso porque o autor mediato não depende do executor, como no caso da indução; 3. a atuação dos autores em organizações à margem da legalidade (a situação da organização à margem da lei (fora do Estado de Direito) é contestada por Kai Ambos, que sustenta ser prescindível esta característica para o domínio da organização. Observa esse penalista alemão que a configuração da autoria mediata nos aparatos organizados de poder exigiria apenas uma organização estruturada de modo hierárquico e o domínio do fato do "homem de trás" sobre os executores fungíveis. Assim foi que decidiu o Tribunal Supremo Alemão (BGH) no caso dos “Guardiões do Muro”, em que, embora tenha aplicado a teoria roxiniana, dispensou a exigência de que o aparato estivesse atuando à margem da legislação, pois a lei de fronteiras constitui direito positivo e estavam os franco-atiradores protegidos por um regime de exceção (AMBOS, Kay. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. 2006. p. 72-77); e 4. a disponibilidade do executor material ao fato consideravelmente elevada: a atuação do autor imediato precisa estar marcada por influências específicas da organização como pressão ideológica, medo de perder o emprego, certeza da impunidade, que tornam o executor mais preparado para o fato e para o cumprimento das ordens superiores.

Os fundamentos empíricos da defesa da teoria do domínio da organização são assim resumidos por GÓMEZ-JARA DÍEZ:

através de la aplicacción en el ámbito empresarial de la autoria mediata en aparatos organizados de poder se intenta fundamentar la punibilidad de los directivos o dueños del negocio, afirmando igualmente la responsabilidad de los operarios de niveles inferiores. Se trata, en definitiva, de un mecanismo para poder alcançar na “cúspide” empresarial, lo qual coincide con la concepción generalizada de que la permanencia de la responsabilidad penal en los niveles inferiores de la organización empresarial trae consigo un indeseable menoscabo del efecto preventivo de las norma jurídico penales.

(GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. Responsabilidad penal de los directivos de empresa en virtud de su dominio de la organización. Algunas consideraciones críticas. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. Porto Alegre. Ano 6, n. 11, jan./jun 2005, p. 16.)

O Direito Penal brasileiro adota a teoria monista (unitária) quanto ao concurso de agentes, conhecendo as figuras do autor e do partícipe. Mas é remansosamente acolhida a teoria do domínio do fato como critério definidor da autoria. Esta teoria, na perspectiva roxiniana, assim se divide: domínio da ação, domínio funcional do fato e domínio da vontade. Os dois primeiros fundamentam a coautoria, enquanto essa última serve de base para a autoria mediata, subdividindo-se em domínio do erro, domínio da coação e domínio da organização. A teoria do domínio da organização, baseada no domínio da vontade é, portanto, uma vertente da teoria do domínio do fato amplamente acolhida pelo sistema penal pátrio.

Vale lembrar que o nosso direito positivado, no que concerne aos delitos ambientais, contempla uma previsão que está intimamente relacionada com a teoria do domínio organizacional, embora com algumas peculiaridades.

Trata-se do art. 2° da Lei n. 9.605/98:

Art. 2° Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. (Grifei.)

Na parte final do citado preceptivo instituiu-se a responsabilidade do empresário por omissão relevante, permitindo que este seja responsabilizado pela conduta não materializada por ele próprio, mas por outro, o autor imediato, na condição de garante das atividades de sua empresa praticadas pelos seus representantes, prepostos ou empregados. Não se trata de coautoria nem de participação. Não se exige que seja o empresário o mandante ou mesmo o instigador da conduta delituosa. Basta que ostente o poder de gestão, detenha conhecimento do fato e lhe seja possível de qualquer forma evitar a sua prática e, consequentemente, o resultado. Está implícito que o fato deve ser praticado em razão da atividade empresarial e do aparato estruturado para o fim de que esta possa desenvolver-se. Há uma espécie de culpabilidade organizativa, em que se atribui a responsabilidade (individual) ao empresário que não organiza em sua empresa um serviço ou aparato que se destine a evitar eficazmente a comissão de delitos por aqueles que em nome da empresa agem (defeito organizativo). É um avanço, na medida em que concebe a responsabilidade empresarial comissiva omissiva, a partir da responsabilidade individual do autor material do fato.

Está, assim, consagrada no direito penal brasileiro uma vertente do domínio da organização. Diferente, porque se exige a possibilidade de o autor mediato evitar o resultado, mas com esta guardando semelhança, na medida em que opera também com a ideia de autoria mediata e imediata, em previsão que mereceria também ser inserida na legislação penal econômica, especialmente no que concerne à disciplina jurídico-penal dos crimes contra o sistema financeiro nacional.

Como bem assevera AMBOS, em lição que se amolda perfeitamente ao sistema penal brasileiro,

impõe-se refletir e questionar as regras tradicionais de imputação do Direito Penal Individual nos casos de execução do fato por parte de outro no contexto de condutas da macrocriminalidade. A circunstância de que o homem de trás – como nos casos ‘normais de autoria mediata’ – não domina de modo direto o executor, senão (somente) pelo aparato, leva a uma responsabilização em razão da competência funcional (como autor de ‘escrivania’ [Schreibtischtäter], emissor de ordens, planejador, autor espiritual, etc.); em síntese: uma responsabilidade com base no injusto de uma organização em vez de individual. (AMBOS, Kay. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. 2006. p. 61.)

Em hipótese alguma a responsabilização penal do “homem de trás” pode ser objetiva e independente de culpabilidade. Apenas agrega-se a ela o fator domínio organizacional.

No campo jurisprudencial, destaco precedente de minha relatoria no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem lançado mão da teoria do domínio organizacional, enquanto vertente da teoria do domínio do fato, para fundamentar a culpabilidade do chamado "homem de trás" nos crimes praticados no âmbito dos aparatos organizados e hierarquizados:

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE IMPOSTOS FEDERAIS (IRPJ, PIS COFINS, CSLL). AUTORIA. TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PENAL. 1. Comete crime contra a ordem tributária o agente que, dolosamente, suprime o pagamento de tributos, omitindo do Fisco a percepção de rendimentos sujeitos à tributação. 2. Diante da insuficiência das categorias tradicionais de coautor e partícipe para a atribuição da responsabilidade penal individual, em vista do modelo organizacional que passou, na época moderna, a caracterizar a prática delitiva societária, construiu-se, doutrinariamente, o conceito de autor mediato, assim compreendido como sendo o agente que não tem, propriamente, o domínio do fato, mas sim o da organização, o que sobressai mormente quando o superior hierárquico "sabe más sobre la peligrosidad para los bienes juridicos que su proprio subordinado" (DIEZ, Carlos Gómez-Jara. Responsabilidade penal de los directivos de empresa en virtud de su dominio de la organización. Algunas consideraciones críticas. In Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. Porto Alegre: ESMP, 2005. n. 11, p. 13)

(TRF4, Oitava Turma, Apelação Criminal n. 2005.71.00.003278-7/RS, j. 17.9.2008, D.E. 25.9.2008.)

Naquela oportunidade, assim me manifestei:

A noção de domínio do fato é contemporânea ao finalismo de Hans Welzel, que propugnava ser o autor, nos crimes dolosos, aquele que detém o controle final do fato. Superando as teorias puramente objetivas e subjetivas, a teoria do domínio do fato atua no plano objetivo-subjetivo, que pressupõe o controle final do ponto de vista subjetivo, sem desconsiderar que a posição objetiva do sujeito determine o efetivo domínio da circunstância (ou da organização). No caso em tela, o domínio do fato não se equipara ao domínio sobre as Ciências Contábeis e Jurídicas, mas as circunstâncias que levaram à supressão do tributo.

Disso decorre que a criminalidade contemporânea, sobretudo nos delitos ditos empresariais, é caracterizada, quase sempre, por um verdadeiro e intrincado sistema de divisão do trabalho delituoso no qual são repartidas, entre os agentes executores da ação criminosa, uma multiplicidade de tarefas, cada qual fundamental à consecução do fim comum. As categorias tradicionais de coautor e partícipe, assim, em vista do modelo organizacional que passou, na época moderna, a caracterizar a prática delitiva societária, não se mostram mais suficientes para a atribuição da responsabilidade penal individual. Foi assim que, a partir de uma formulação idealizada por Claus Roxin em sua monografia Täterschaft und Tatherrschaft ("Autoria e Domínio do Fato") para estabelecer a responsabilidade oriunda dos crimes cometidos pelo Estado nacional-socialista alemão, construiu-se o conceito de autor mediato, ou seja, aquele que, atuando na cúpula da associação criminosa, dirige a intenção do agente responsável pela prática direta do ato delituoso. O autor mediato não tem, propriamente, o domínio do fato, mas sim o domínio da organização , que, segundo o vaticínio de Jorge de Figueiredo Dias, "constituye una forma de dominio-de-la-voluntad que, indiferente a la actitud subjetivo-psicológica del específico ejecutor, no se confunde con el dominio-del error o con el dominio-de-la-coacción, integrando un fundamento autónomo de la autoría mediata" (Autoría y Participación en el Dominio de la Criminalidad Organizada: el "Dominio de la Organización". (In OLIVÉ, Juan Carlos Ferré e BORRALLO, Enrique Anarte. Delincuencia organizada - Aspectos penales, procesales y criminológicos. Huelva: Universidad de Huelva, 1999).

Idêntica orientação foi adotada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da AP n. 470, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 17.12.2012, Acórdão Eletrônico DJe-074 Divulg 19.4.2013 Public 22.4.2013 RTJ Vol. -00225-01 PP-00011.

Na referida AP 470 (Mensalão), embora o STF não tenha sido muito claro e didático no que concerne à condenação do acusado José Dirceu, restando dúvida se utilizou adequadamente a teoria do domínio da organização na sua essência, parece que foi mais longe do que a teoria autoriza.

Em alguns votos, ficou claro o recurso à teoria para reconhecer uma espécie de presunção de responsabilidade aos dirigentes de empresas que, a princípio, teriam sempre domínio dos fatos praticados em sua instituição, como no seguinte trecho: “Importante salientar que, nesse esteiro âmbito da autoria nos crimes empresariais, é possível afirmar que se opera uma presunção relativa de autoria dos dirigentes. Disso resultam duas consequências: a) é viável ao acusado comprovar que inexistia poder de decisão; b) os subordinados ou auxiliares que aderiram à cadeia causal não sofrem esse juízo que pressupõe uma presunção iuris tantum de autoria” (folha 1.162).

A definição da autoria nos crimes empresariais é deveras complexa, sendo comum que a estrutura organizacional esteja sendo usada para ocultar os efetivos responsáveis pela determinação da conduta delitiva, sendo elogiável a posição do STF em evitar a impunidade. Todavia, não me parece adequado que se possa abrandar a necessidade de uma precisa descrição e demonstração da autoria, com todos os seus requisitos, que antecede ao uso da teoria do domínio dos fatos, usada apenas para a distribuição de responsabilidade entre aqueles já identificados como responsáveis em maior ou menor medida pela infração penal.

A simples demonstração de que alguém é dirigente de uma empresa ou entidade estatal não significa que ele seja responsável por qualquer ato típico praticado em seu seio — exige-se a demonstração de que ele conhecia os fatos e contribuiu como figura central para sua prática. Tais atos devem ser demonstrados, descritos na inicial, e não presumidos pela posição hierárquica ocupada na estrutura institucional.

Em outros votos, o STF foi muito mais longe, como o do decano Celso de Mello no tocante ao crime de lavagem de dinheiro, restando evidenciada a possibilidade de sua configuração mediante dolo eventual, notadamente no que concerne ao caput do art. 1º, cujo reconhecimento apoiar-se-ia no denominado critério da teoria da cegueira deliberada ou da ignorância deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida. No ponto, o Pretório excelso aplicou a teoria da cegueira deliberada, também conhecida como teoria do avestruz. Isso restou evidenciado não apenas no voto do aludido ministro, mas também nos votos de Carlos Ayres Britto, Rosa Weber e Luiz Fux.

A teoria da cegueira deliberada deita raízes na consolidada jurisprudência estadunidense, sendo lá designada como willful blindness ou ostrich instructions, e tornando-se mundialmente reconhecida quando a Suprema Corte norte-americana julgou o caso In re Aimster Copyright Litigation. O objeto do litígio versava sobre a violação de direitos autorais, e a decisão do órgão julgador condenou o acusado e afastou a alegação de que seu sistema criptografado para a disponibilização de músicas o impedia de ter conhecimento específico de quais arquivos eram baixados. Entendendo que optou conscientemente pela indiferença diante dos fatos, foi rechaçado o argumento de sua ignorância quanto à violação autoral em tutela.

Também conhecida como teoria do avestruz, é utilizada para evitar que os delitos cometidos por agentes submersos propositadamente numa situação de desconhecimento sejam cobertos pelo manto da impunidade, mas deve obedecer a alguns requisitos básicos, conforme asseverou a ministra Rosa Weber à folha 1.273 do acórdão. O primeiro consiste na alta probabilidade de que o objeto envolvido tenha origem criminosa, ao passo que a segunda exigência reside na opção consciente de se manter inerte e alheio ao conhecimento desse aspecto criminoso. O terceiro requisito, por sua vez, é a existência da real possibilidade de conhecimento da verdade, a direcionar-se, portanto, àqueles que têm meios para dimensionar suas ações.

Mas é preciso frisar que a teoria do domínio do fato concebida por Claus Roxin não permite condenar por meras presunções e nem mesmo possibilita afastar a imprescindibilidade da prova relativa à culpa. Como bem esclarecem Greco e Leite, a teoria “[...] não condena quem, sem ela, seria absolvido; ela não facilita, e sim dificulta condenações. Sempre que for possível condenar alguém com a teoria do domínio do fato, será possível condenar sem ela” (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. Revista dos Tribunais, (S. l.), v. 933, p. 1-19, jul. 2013).

Para a análise dos elementos da culpabilidade do “homem de trás”, considerando que este não pratica atos materiais do delito, parece indubitável que se necessite recorrer a categorias de provas não tão tradicionais, desde que acreditadas. É no campo probatório que as dificuldades práticas acontecem, pois o “homem de trás” age invariavelmente por meio do aparato hierárquico e sem deixar vestígios, como ordens escritas. Nesses casos, é adequado que se busque socorro na prova indiciária. Nesse aspecto, não se faz mister romper paradigmas, porque tal meio probatório é legal e sempre foi uma prova que, no contexto, pode e deve ser valorada, sobretudo para essa espécie de criminalidade empresarial que se estrutura com requintes e com planejamento, não deixando muitos rastros e conseguindo, de certa forma, obstar a persecução penal ou, pelo menos, obscurecer as provas.

A solução, pois, passa por uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, constitui uma tendência de natureza globalizada. Vemos isso nos sistemas penais mais avançados, como é o caso do sistema penal espanhol (nesse sentido, ver MORO, Sérgio Fernando. Autonomia do crime de lavagem e a prova indiciária. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 41, abr./jun. 2008. p. 11-14). O Tribunal Supremo Espanhol tem valorado com muita frequência a prova indiciária. É certo que exige alguns requisitos para que se acolha uma prova exclusivamente indiciária.

Não se sustenta aqui a consideração da jurisprudência da Espanha para resolver processos brasileiros, mas apenas que há uma tendência mundial, diante de certos delitos, de se prestigiar a prova formada a partir de indícios. Destaco um precedente do Tribunal Supremo Espanhol, em que ficou reconhecida a validade da prova indiciária. Contudo, merece destaque o fato de aquela Corte ter estabelecido alguns requisitos para o exame da prova indiciária:

[...] Es doctrina reiterada de esta Sala la eficacia de la prueba de indicios y la exigencia de requisitos relativos a los indicios y a la inferencia.

"La prueba indiciaria, circunstancial o indirecta es suficiente para justificar la participación em el hecho punible, siempre que reuna unos determinados requisitos, que esta Sala, recogiendo principios interpretativos del Tribunal Constitucional, há repetido hasta la saciedad. Tales exigencias se pueden concretar em las seguintes:

1) De carácter formal: a) que em la sentencia se expresen cuáles son los hechos base o indicios que se estimen plenamente acreditados y que van a servir de fundamento a la dedución o inferencia; b) que la sentencia haya explicitado el razonamiento a través del cual, partiendo de los indicios, se há llegado a la convicción del acaecimiento del hecho punible y la participación em el mismo del explicitación, que aún cuando pueda ser sucinta o escueta se hace imprescindible em el caso de prueba indiciaria, precisamente para posibilitar el control casacional de la racionalidad de la inferencia.

2) Desde el punto de vista material es preciso cumplir unos requisitos que se refieren tanto a los indicios em sí mismos, como a la deducción o inferencia.

Respecto a los indicios es necessario:

a) que estén plenamente acreditados.

b) de natureza inequívocamente acusatoria.

c) que sean plurales o siendo único que posea una singular potencia acreditativa.

d) que sean concomitantes al hecho que se trate de probar.

e) que estén interrelacionados, cuando sean varios, de modo que se refuerzen entre sí.

Em cuanto a la deducción o inferencia es preciso:

a) que sea razonable, es decir, que no solamente no sea arbitraria, absurda e infundada, sino que responda plenamente a las reglas de la lógica y la experiencia.

b) que los hechos base acreditados fluya, como conclusión natural, el dato precisado de acreditar, existiendo entre ambos um "enlace preciso y directo según las reglas del criterio humano".

Como se vê, cumpre ao intérprete observar alguns requisitos que se referem tanto aos indícios em si mesmos como à dedução ou à inferência. E, a respeito dos indícios, apregoou aquele Tribunal ser necessário que estejam plenamente acreditados, que sejam de natureza inequivocamente acusatória, que, se forem plurais ou sendo únicos, possuam uma singular potência acreditativa, ou seja, um potencial de verdade, que sejam concomitantes com o fato que se pretenda aprovar, que estejam inter-relacionados quando forem vários, de modo que se reforcem entre si.

No que diz respeito ao resultado, à dedução ou à inferência, aquele Tribunal afirma que é imprescindível que seja razoável, vale dizer, que não seja arbitrário, absurdo ou infundado, senão que responda plenamente às regras da lógica e da experiência. É isso que devemos fazer quando o conjunto probatório permitir inferir que no seio de uma organização, privada ou estatal, se esteja utilizando a estrutura hierárquica para a prática comissiva ou omissiva de condutas com resultados que repercutem na esfera penal. Ainda refere o Tribunal ser necessário que dos fatos flua como conclusão natural o dado em que se precisa acreditar, existindo entre ambos um enlace preciso e direto, segundo as regras do critério humano.

Talvez a fórmula mais simples e que não desbordaria das categorias tradicionais do Direito Penal esteja no pensamento do renomado Jesús-María Silva Sánchez (SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidad penal de las empresas y de sus órganos en derecho Español. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 79) quando sustenta que a responsabilidade penal individual daquele que detém o domínio da organização levaria em conta a sua conduta “comissiva omissiva”. É dizer, a sua culpabilidade decorre do fato de que, tendo conhecimento da ilicitude, omite-se em tomar as medidas que estavam ao seu alcance, dentro da hierarquia organizacional, para evitar o seu cometimento ou o resultado danoso. Funciona o corpo diretivo do aparato organizado como agente garantidor e, portanto, com o dever de impedir a ocorrência dos fatos delituosos: 

En virtud de esta estructura, podrá estimarse que cometem el correspondiente delito por omisión los referidos hombres de trás, superiores jerárquicos, que no impidem que éste se produzca, cuando ello sucede en el ámbito de su competencia y podían y debían, siempre según los términos del compromiso adquirido de controlar los correspondientes factores de riesgo, evitar su producción. La idea básica de esta imputación es que la estructura jerárquica y de división funcional del trabajo genera unos âmbitos de competencia individual.

Mas qual seria o critério para se definir quando o indivíduo poderá ser considerado garantidor, no caso concreto? Para evitar a atribuição arbitrária de delitos aos administradores da pessoa ideal, estes só serão considerados agentes garantidores para conter riscos determinados diante de bens jurídicos determinados, de acordo com suas atribuições dentro do aparato hierárquico organizado. Portanto, são essas atribuições, previamente definidas, que irão determinar os riscos concretos que lhes cabe controlar e evitar. J. M. Silva Sánchez ressalta este ponto ( Idem, ibidem, p. 80):

El compromisso individual adquirido con la aceptación del cargo, traslada al sujeto la competencia que conleva el dominio y, a la vez, la responsabilidad. Solo tal compromiso, en virtud del qual se asume la correspondiente competencia, tiene la virtualidad de producir en el hecho una identidad estructural en el plano normativo con la comisión ativa.

Trazendo a teoria da imputação por conduta comissiva por omissão ao caso concreto, impõem-se algumas breves explicitações. 

O Código Penal dispõe sobre a relevância da omissão no art. 13, § 2º, da seguinte forma:

Art. 13 – (…) § 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: 

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

A lei fala em “dever de agir”. Nos crimes omissivos próprios não existe o dever de agir e o omitente não responde pelo resultado, mas apenas porque não agiu. Por exemplo, na omissão de socorro com resultado morte, o omitente não responde pela morte, mas pela omissão de socorro. Por outro lado, no crime comissivo por omissão (ou omissivo impróprio), o agente garantidor tem o dever de agir, por isso na sua omissão responde pelo resultado que deveria ter evitado. É a mãe que tem o dever de cuidar do filho que brinca na piscina; se ela se omite em socorrê-lo (podendo fazê-lo) responde pela morte se ela ocorrer.

Mas quando existe o dever jurídico de impedir a produção do resultado? Quando esse advém de um mandamento legal específico. Quando o sujeito, de outra maneira, tornou-se garantidor da não-ocorrência do resultado. Quando um ato precedente determina essa obrigação (Código Penal, art. 13, § 2º). Vejamos:

Entre os órgãos da Assembleia Legislativa, de acordo com A Resolução n. 2.288/91, está a Mesa (art. 21), constituída pelo Presidente e demais membros, que funciona como órgão diretivo dos trabalhos do parlamento, competindo-lhe, entre outras atribuições, administrá-la e organizar seus serviços.

Dentre as atribuições expressas do Presidente (art. 32), está a de “dirigir, com suprema autoridade, a polícia da Assembleia e promover as medidas necessárias à apuração da responsabilidade por delito praticado nas dependências da Assembleia (inc. III).

De acordo com a Resolução n. 3.030/2008, a estrutura organizacional da Assembleia Legislativa é composta pelos seguintes órgãos centrais: I - Gabinete da Presidência; II - Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional; III - Ouvidoria; IV - Procuradoria; V - Grupo de Controle Interno; VI - Escola do Legislativo; http://www.al.rs.gov.br/legis 1 VII - Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul; VIII - Superintendência-Geral; IX - Superintendência Legislativa; X - Superintendência Administrativa e Financeira; e XI - Superintendência de Comunicação Social e Relações Institucionais (art. 3º).

São órgãos subordinados diretamente à Mesa: I - Gabinete da Presidência; II - Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional; III - Ouvidoria; IV - Procuradoria; V - Grupo de Controle Interno; VI - Escola do Legislativo; VII - Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul; e VIII - Superintendência-Geral (art. 6º).

À Superintendência-Geral, órgão de direção superior, compete dirigir, coordenar, planejar e orientar as atividades dos órgãos a que se referem os incisos IX a XI do art. 3º da referida Resolução, de acordo com as diretrizes emanadas da Mesa. Compete, ainda, à Superintendência-Geral: I - exercer a direção geral da Casa; II - implementar, de acordo com a orientação da Mesa, a política administrativa na Assembleia Legislativa; III - orientar as atividades das Superintendências; e IV - normatizar os procedimentos administrativos, bem como padronizar os fluxos de trabalho (art. 17).

Pois bem. Vertendo o tema para a hipótese dos autos, conforme consignado no voto do relator, ficou sobejamente demonstrado que os réus GILMAR SOSSELA e ARTUR não apenas eram parentes (primos), mas também mantinham longo vínculo político, no qual sempre o segundo era subordinado ao primeiro em cargos demissíveis ad nutum. Isso, por óbvio, não ensejaria a imposição do édito condenatório.

Contudo, segundo referido alhures, esse dado revela a extrema cumplicidade dos denunciados no âmbito de suas ações políticas, visto que o êxito eleitoral de GILMAR SOSSELA (obtenção de mandatos eletivos) gerava vantagens financeiras a ARTUR (cargos públicos demissíveis ad nutum), à medida que ele coordenava as campanhas eleitorais vitoriosas de GILMAR SOSSELA.

Quando Artur elegeu-se vereador em Tapejara, no mesmo ano Sossella tornou-se prefeito, ocasião em que foi seu Secretário Municipal de Administração. Quando da reeleição de Sossella como prefeito, Artur exerceu o cargo de Secretário Municipal da Fazenda. Artur trabalhou, ainda, na qualidade de coordenador de campanha à reeleição de Gilmar como prefeito de Tapejara e, a partir de então, coordenou suas campanhas eleitorais ao cargo de deputado estadual em 2006, 2010 e 2014.

Nessa linha de intelecção, válido registrar o conteúdo do depoimento de Mariana Gonzales Abracal quando perguntada a respeito da posição de Artur frente a Sossella. Asseverou que, em discursos, Gilmar Sossella sempre dizia: era ele na Assembleia Legislativa, pois era seu homem de confiança.

Tal parceria, no entanto, não resistiu à censura desta Justiça Eleitoral, que lhe impôs condenação na esfera cível, de acordo com a referência do eminente relator, demonstrando, acima de qualquer dúvida razoável, que houve um modus operandi ilícito.

Deve-se frisar que a substituição da pena de cassação do mandato do Deputado GILMAR SOSSELA pelo TSE não retira a culpabilidade dos acusados, senão que confirma a prática dos atos ilícitos eleitorais, apenas não lhes atribuindo a gravidade suficiente para autorizar a cassação, sem, no entanto, afirmar que os fatos não teriam ocorrido. Aliás, em relação à conduta vedada, aquela Corte majorou a multa aplicada neste Tribunal de R$ 10.000,00 para R$ 20.000,00.

Por óbvio, o TSE não tratou, e nem poderia ter tratado, naquela instância cível, de tipicidade, de materialidade, nem de autoria, matérias reservadas à órbita penal.

À esfera cível-eleitoral compete a análise, no que refere ao abuso de poder, econômico e ou político, da gravidade das circunstâncias que envolveram os atos (art. 22, inc. XVI, Lei n. 64/90), pressuposto e requisito inexistente à condenação na esfera penal.

Eventual improcedência de ação eleitoral não impede a propositura da ação penal pelos mesmos fatos, visto que a instância criminal é absolutamente independente da cível-eleitoral.

Esse o entendimento uníssono do Tribunal Superior Eleitoral, ao afirmar que são independentes as esferas cível-eleitoral e a penal, de sorte que eventual improcedência do pedido, na primeira, não obsta o prosseguimento ou a instauração da ação penal para apurar o mesmo fato (corrupção eleitoral prevista no art. 299 do Código Eleitoral) (Acórdão n. 28.702, Rei. Min Felix Fischer, 11.9.2008).

No mesmo sentido:

Ação Penal. Corrupção Eleitoral (art. 299, do Código Eleitoral). Admissibilidade. Representação por captação ilícita de sufrágio. Improcedência. Trânsito em julgado. Irrelevância. Agravo regimental improvido. A absolvição na representação por captação ilícita de sufrágio, na esfera cível-eleitoral, ainda que acobertada pelo manto da coisa julgada, não obsta a persecutio criminis pela prática do tipo penal descrito no art. 299, do Código Eleitoral.

(Acórdão n. 6.553, Rel.. Min. Cezar Peluso, 27.11.2007.) (Grifei.) 

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. PROCESSUAL PENAL. COMPRA DE VOTOS. FUNDAMENTOS DISTINTOS DAQUELES APRESENTADOS NO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO NESTE PONTO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CÍVEL-ELEITORAL E PENAL. ORDEM DENEGADA. 

1. Argumentos apresentados na presente impetração não têm correlação com os que foram apresentados na instância inferior. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tem admitido o conhecimento de habeas corpus nesses casos, por entender incabível o exame per saltum de questões não analisadas pelo tribunal de origem. Precedentes. 

2. A improcedência da ação eleitoral não obsta a propositura da ação penal pelos mesmos fatos, já que a instância criminal é independente da cível-eleitoral.

3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, na parte conhecida, ordem denegada.

(Habeas Corpus n. 31828, Acórdão, Relatora Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 01.10.2010, Página 35-36.) (Grifei.)

Voltando ao caso, o elemento subjetivo cristaliza-se, a toda evidência, na conduta comissiva omissiva do denunciado GILMAR SOSSELLA após a descoberta das ameaças perpetradas por seu preposto ARTUR com os servidores do Parlamento, não tendo demonstrado qualquer espécie de censura à prática imputada ao seu fiel subordinado, inclusive mantendo a realização do aludido jantar de campanha, bem como assegurando-lhe a continuidade da coordenação da campanha eleitoral que estava em curso.

Note-se que, à época dos fatos, GILMAR SOSSELLA era Chefe do Poder Legislativo do Estado do Rio Grande do Sul. Logo, se tal procedimento era costumeiro entre os demais deputados estaduais, era seu dever de ofício zelar pela probidade das ações praticadas pela administração da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Portanto, jamais poderia valer-se das prerrogativas do cargo para assediar diversos servidores subordinados da organização da qual era dirigente máximo!

Por conseguinte, diante do extremo vínculo de confiança existente entre os denunciados, que exerciam cargos públicos na alta cúpula do Poder Legislativo Estadual, é forçoso reconhecer que GILMAR SOSSELA sempre teve o domínio funcional dos fatos ilícitos descritos na denúncia, sendo defeso exigir do Parquet a apresentação de provas da existência de ordem expressa do acusado GILMAR SOSSELA, porquanto, por óbvio, em práticas ilícitas incompatíveis com os valores republicanos como as que foram imputadas neste feito, não se costuma fazer procurações registradas em cartório, assim como quadrilha alguma possui ata de fundação!

Restou inequívoco que GILMAR SOSSELA não apenas deu o seu aval à realização do jantar (a coação está bem demonstrada no voto do relator), como se omitiu de evitar, quando ainda poderia fazê-lo, no exercício do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa, que os resultados acontecessem (mesmo que se trate de delito formal). Mais, restou patente da prova contida nos autos que a decisão de fazer o jantar, fixar o preço e apresentar os convites-coação aos servidores foi conjunta. Veja-se o depoimento da fl. 12 do voto do relator, em que SOSSELA admite que pensou em cancelar o jantar diante das irregularidades, mas preferiu prosseguir, dando seu assentimento.

A tese no sentido de que Artur era quem tomava todas as decisões administrativas é, no mínimo, insustentável. Seja como Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa, seja como coordenador de campanha, não se pode crer que não tivesse que prestar contas de seu trabalho, que tivesse tamanha independência e autonomia a ponto de não necessitar apresentar relatórios dos fatos, que não se reunisse com o “chefe”, ao menos para relatar os problemas e receber as orientações. Enfim, que não houvesse uma relação de subordinação entre ambos. Seria GILMAR SOSSELA um candidato que não opina nas ações de campanha, nem na Presidência da Assembleia Legislativa?

GILMAR SOSSELA, no dizer da defesa, um gestor público experimentado, preparadíssimo e eficiente, não pode alegar sua omissão, sua má-gestão, sua desinformação e alienação e até mesmo que Artur era o Presidente “de fato” da Assembleia Legislativa (sua condição de Presidente só “de direito”, então), porque os deveres do seu cargo (Presidente), sobretudo os de prevenção dos riscos e resultados danosos à Administração e aos particulares, são, por lei, indeclináveis, inalienáveis e insubstituíveis.

A suposta alienação gerencial de SOSSELA é infirmada pela própria defesa que o qualifica de Presidente ativo, com larga experiência administrativa e que, como bom gestor, não tinha como se manter alheio a tudo o que acontecia na Assembleia Legislativa que presidia. Não existe gestão sem conhecimento, sem orientação, sem responsabilidades.

Então, acompanhando o primoroso voto do eminente relator, reconheço a existência do fato típico, mas vou mais longe para acolher a tese acusatória quanto à autoria de GILMAR SOSSELA do crime tipificado no art. 316 do Código Penal.

1.2. Quanto ao delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral

Acompanho o eminente relator quanto à absolvição de Gilmar Sossella. Como dito em seu voto, tudo leva a crer que ao manter a realização do jantar e permanecer com os valores arrecadados, mesmo com consciência de que alguns afirmavam terem sido coagidos a comprar os ingressos, Gilmar Sossella consentiu que os recibos eleitorais referentes ao evento integrassem a prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral.

Ademais, tenho que o elemento do tipo previsto no art. 350 do Código Eleitoral de fazer inserir declaração falsa está subsumido no delito de concussão.

O crime de falsidade ideológica nestes autos, consistente na circunstância de que alguns recibos eleitorais continham verbas obtidas por coação, é mera etapa, desdobramento, exaurimento do delito anteriormente analisado (art. 316 do Código Eleitoral).

Com essa pequena consideração, acompanho o relator para absolver Gilmar Sossella do cometimento do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral.

 

1.3. Acusação de prática de propaganda eleitoral no dia da eleição – art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97

Em relação a este delito, o eminente relator, por força da Súmula n.  337 do STJ, após reconhecer a tipicidade do fato descrito na denúncia, converteu o feito em diligência para determinar a remessa dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral a fim de verificar a viabilidade de aplicação dos institutos previstos nos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95, com designação da audiência após a vista ministerial.

Entretanto, por coerência lógica do voto-vista aqui lançado, no sentido de condenar Gilmar Sossella nas penas do art. 316 do Código Eleitoral, por força do que dispõe a Súmula n. 243 do STJ, como se trata de concurso material de crimes, passo a enfrentar o mérito da acusação, inclusive as alegações da defesa de ausência de publicidade ou universalidade do conteúdo da mensagem, e seu valor enquanto propaganda eleitoral.

Imputa-se a Gilmar Sossella o delito de divulgação de propaganda eleitoral no dia das eleições de 2014, consistente no envio de 4.987 mensagens de texto (SMS) diretamente de seu celular funcional (51 – 9864-0485).

A conduta é proibida no dia da eleição, consoante dispõe o art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

 

A redação desse tipo penal foi incorporada à Lei das Eleições pela Lei n. 12.034/2009 e veda, modo amplo, toda e qualquer espécie de divulgação de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

Na lição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, Ed. Atlas, São Paulo, 2015, p. 133): No dia da eleição, nenhuma propaganda é aceita. O ideário legislativo é de que todo o convencimento do eleitor deve ter ocorrido anteriormente, permitindo que o dia mesmo do pleito seja de reflexão e exercício do voto, com tranquilidade e sem interferências.

Essa mesma Lei n. 12.034/2009 também regulamentou a propaganda eleitoral pela internet, que não sofre a limitação temporal geral prevista no art. 240 do Código Eleitoral (cessar 48 horas antes do pleito).

Entretanto, diversamente do que sustentado pela defesa do réu, o envio de mensagens de texto entre aparelhos telefônicos não se confunde com divulgação de propaganda na internet.

Portanto, não havendo qualquer regra que excepcione a veiculação desse tipo de publicidade na data do pleito, como ocorre com a internet, forçoso reconhecer que a divulgação de propaganda eleitoral por meio de SMS no dia da eleição está contemplada pela vedação ampla contida no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

O argumento da defesa de que o fato seria atípico foi muito bem enfrentado e afastado pelo eminente relator, sendo emblemático o paradigma por ele citado:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ART. 39, § 5º, III, DA LEI Nº 9.504/97. TRANCAMENTO. ATIPICIDADE. INDÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É intempestivo o recurso ordinário em habeas corpus interposto após o tríduo legal. Todavia, é possível a análise das questões expostas no apelo, em face da possibilidade de concessão de ofício do habeas corpus, por flagrante ilegalidade ou abuso de poder. Precedentes do TSE e do STJ. 2. A aceitação da transação penal não prejudica a impetração de habeas corpus que pretende o trancamento de ação penal, por atipicidade. Precedentes do STJ e do STF.
3. O trancamento de ação penal na via do habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando se constata, de plano, a imputação de fato atípico, a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade.

4. Não constitui fato evidentemente atípico, para fins de apuração do delito previsto no art. 39, § 5º, III, da Lei das Eleições, o envio de mensagens de texto, em aparelhos telefônicos, via SMS, no dia da eleição.

Recurso não conhecido.

(RHC n. 2797, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 17.09.2013.)

(Grifei.)

Outro aspecto trazido pela defesa contesta o valor, como propaganda eleitoral, do conteúdo da mensagem enviada.

O inteiro teor da mensagem foi demonstrado no ofício Of. MPC/TCE n. 119/2014, encaminhado pelo Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul:

Gente Amiga do RS. Nestes 08 anos trabalhamos com muita determinação em várias ações que resultaram muitas conquistas em favor dos(as) Gaúchos(as). Sabemos que muito há por fazer. Neste sentido solicitamos seu apoio e seu voto nas eleições de 05 de Outubro a mais conquistas para você e ao RGS. Grande abraço e contem sempre conosco. Sossella. 12333

(Grifei.)

Da simples leitura da mensagem, é possível concluir que se trata de propaganda eleitoral, pois há o pedido explícito de voto e consta o nome e número do candidato.

De outra banda, os argumentos defensivos de “ausência de publicidade ou universalidade do conteúdo da mensagem” não afastam a incidência do fato típico.

Proíbe-se a divulgação de propaganda eleitoral em sentido amplo e irrestrito, não havendo prévia tarifação numérica ou de qualidade do destinatário das mensagens como condicionante à incidência da norma penal ou como ofensa ao bem protegido pela norma incriminadora.

No ponto, trago precedente do TSE:

Recurso especial. Crime eleitoral. Art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504197. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Reprovabilidade acentuada da conduta. Comportamento que afronta o direito dos cidadãos às eleições livres. Recurso provido.

1. A aplicação do princípio da insignificância condiciona-se à coexistência da mínima ofensividade da conduta do agente, da ausência de periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexpressiva lesão ao bem jurídico. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

2. O crime tipificado no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504197 encerra acentuada gravidade e inegável dano à sociedade, porque atenta contra a liberdade de escolha dos eleitores, traduzindo bem jurídico de elevada expressão.

3. Recurso provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N. 11887-16.2008.6.20.0000 —CLASSE 32— PENDÊNCIAS - RIO GRANDE DO NORTE Relatora: Ministra Cármen Lúcia, julgado em 03.05.2011.) (Grifei.)

 

No caso acima, a prova testemunhal atestou a entrega de um panfleto pelo candidato, em que pese a instrução tivesse revelado que a conduta não se limitou à entrega de um único panfleto, pois vários foram apreendidos em seu veículo.

Mas o que importa registrar foi o consignado pela Ministra Relatora Cármen Lúcia em seu voto:

Ainda que se apreendesse um único panfleto, a atitude do Recorrido continuaria sendo lesiva à regularidade das eleições, conspirando contra o direito dos cidadãos a um pleito isento de máculas.

Adjetivar de desprezível a propaganda irregular no dia das eleições significa apequenar a democracia e vulgarizar o momento solene da escolha dos representantes do povo.

No Agravo Regimental n. 10.672, de minha relatoria, julgado no Tribunal Superior Eleitoral em 28.10.2010, enfrentando questão semelhante, anotei que "o princípio da insignificância, conforme afirmado na decisão agravada, não pode ser aplicado, porque o bem tutelado é o livre exercício do voto, a lisura do processo de obtenção do voto. O grau de reprovabilidade do comportamento do Agravante não pode ser considerado como reduzido e o bem jurídico tutelado não é ínfimo".

No caso presente, verifica-se ser acentuado o grau de reprovabilidade da conduta, posto que a distribuição de panfleto, se não coibida, estimulará práticas similares.

Não pode este Superior Tribunal Eleitoral sinalizar aos brasileiros a permissão para que se distribua propaganda no dia das eleições, ainda que de um único panfleto, sob pena de inviabilizar a aplicação do art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504197.

Para José Jairo Gomes:

"Nem tudo é permitido na propaganda política. Ao contrário, ela se submete à observância de alguns princípios, a uma rígida disciplina legal e ao controle da justiça eleitoral, o qual é exercido quer no âmbito do poder de polícia, quer no jurisdicional. Entre os princípios destacam-se:

Legalidade - a propaganda política é regulada por lei, sendo esta de ordem pública, insuscetível de derrogação pelos interessados. A competência é privativa da União (CF, art. 22, 1). Ao Tribunal Superior Eleitoral é dado regulamentar o tema, sem, porém, invadir a competência do legislador. (...) Igualdade ou isonomia - todos os interessados, inclusive partidos e coligações, devem ter iguais oportunidades para veiculação de seus programas, pensamentos e propostas. (...)

Controle Judicial - a propaganda submete-se ao controle da Justiça Eleitoral, à qual é atribuído poder de polícia para controlá-la e coibir abusos. (..)" (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 21 Ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 2681269).

Na situação sob exame, o comportamento do Recorrido está tipificado em lei, desequilibra as oportunidades que devem ser conferidas à totalidade dos candidatos (aqueles que não infringiram a lei podem ser prejudicados) e exige pronta atuação do Poder Judiciário, ao qual se confere o dever de zelar pela lisura do pleito eleitoral.

(Grifei.)

Como se percebe, ainda que se tratasse do envio de um único SMS no dia da eleição, a conduta teria malferido o bem jurídico protegido pela norma, qual seja, o livre exercício do voto, a lisura do processo de obtenção do voto.

De outra banda, é irrelevante à configuração do delito o direcionamento dos SMS apenas aos contatos contidos na agenda do candidato, pois o que é vedado é a divulgação de propaganda eleitoral no dia da eleição, não sendo excludente da ilicitude o fato de serem “conhecidos” do candidato.

Ademais, o número de mensagens enviadas é significativo, alcançando quase 5.000 SMS.

Cumpre, agora, analisar os elementos de prova quanto à autoria e materialidade.

O conteúdo da mensagem, como dito alhures, foi demonstrado no ofício Of. MPC/TCE n. 119/2014, encaminhado pelo Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

O próprio Gilmar Sossella, em seu interrogatório, confirma ter elaborado o texto e que o celular do qual foram disparadas as mensagens estava em seu poder no dia da eleição. Igualmente, confessa ter enviado as mensagens de texto contendo o pedido de voto.

Também reforça a materialidade e autoria do delito, o recente acórdão do TSE, transitado em julgado, que não só confirmou a decisão deste Regional quanto ao uso do telefone funcional (51 – 9864-0485) para divulgar propaganda eleitoral, como majorou a multa fixada, de R$ 10 mil para R$ 20 mil:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO ESTADUAL. ABUSO DE PODER. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. INOCORRÊNCIA. CONDUTA VEDADA. MAJORAÇÃO DA MULTA.

[…]

4. Condutas vedadas. 4.1. A cassação por conduta vedada, à semelhança do art. 30-A da Lei das Eleições, exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta. A cassação do diploma com fundamento nos incisos I (utilização de uma sala para reunião para tratar da questão dos convites) e V (suposta exoneração do servidor em período vedado) não se revela razoável ao concreto, mormente quando um dos fatos é absolutamente controverso nas provas dos autos (inciso V). 4.2. Art. 73, inciso III, da Lei das Eleições. A referida proibição alcança somente os servidores do Poder Executivo e não os do Legislativo (cf. o AgR-REspe nº 137472/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 1º.3.2016). 4.3. Majoração da multa com fundamento no inciso II. O Regional desconsiderou que o representado não era apenas deputado, mas presidente da Assembleia Legislativa, exigindo-se um cuidado maior no trato da coisa pública. E ainda: o valor da conduta vedada é representativo, levando-se em conta a própria remuneração do representado, razão pela qual a multa merece ser majorada.

5. Recursos ordinários dos representados providos. Recurso do MPE conhecido como ordinário e provido em parte. Recurso da Coligação desprovido. Prejudicada a AC n. 203-31/RS.

(Recurso Ordinário n. 265041, Acórdão, Relator Min. GILMAR MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 88, Data 08.05.2017, Página 124.) (Grifei.)

Extraio, a propósito, do voto do relator, Min Gilmar Mendes, as razões que motivaram a majoração da multa, utilizando os fundamentos exarados por esta Corte:

Quanto à majoração da multa com fundamento no inciso II (usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram), extraio do voto vencedor (fls. 1.168 e 1.171):

Já quanto ao uso, por SOSSELA exclusivamente, e por ele admitido, de telefone celular funcional em 30.9.2014, para envio de mensagens SMS de cunho eleitoral ao Procurador Geral do Ministério Público de Contas Estadual, concluo diversamente.

[...]

Já para a fixação do valor da multa, também em juízo de proporcionalidade, em razão de todos os meandros da conduta vedada, à luz do bem jurídico tutelado (igualdade de oportunidades entre os concorrentes), parto da premissa de que a lesividade foi moderada. Essencialmente, porque, em razão de exercer o cargo de presidente da Assembleia Legislativa, SOSSELLA beneficiou-se da máquina estatal por meio de prática vedada, objetivando o envio de propaganda em benefício de sua campanha à reeleição, com indevida vantagem sobre os demais concorrentes ao pleito, mormente frente a todos os contendores que desenvolveram campanha de forma proba, límpida.

A conduta vedada em foco resultou na despesa total de R$ 14.209,31 (valor declarado das despesas com telefone funcional - fI. 74), a qual, é cediço, foi reembolsada à Assembleia Legislativa, o que, embora deva ser ponderado, não retira, como dito, a censurabilidade da conduta.

A boa condição econômica do candidato é patente, considerando que percebe vencimentos no valor bruto de R$ 20.042,34 (extrato de fI. 249 do "Anexo 02, Volume 02").

Assim, julgo suficiente e razoável sancionamento correspondente a R$ 10.000,00, praticamente duas vezes o valor mínimo previsto para condutas dessa natureza.

No ponto, entendo que o Regional desconsiderou que o representado não era apenas deputado, mas presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, exigindo-se dele, portanto, um cuidado maior no trato da coisa pública. Além disso, o valor da conduta vedada é representativo, levando-se em conta a própria remuneração do representado. Dessa forma, a multa aplicada merece ser majorada.

(Grifei.)

Ressalto que, apesar da independência das esferas cível-eleitoral e criminal, inegável que as conclusões do TSE podem e devem ser utilizadas como reforço do efetivo uso do telefone funcional para envio de propaganda eleitoral pelo candidato.

Além disso, a prova documental contida neste autos, cujo compartilhamento foi deferido pelo relator, é formada pelos seguintes elementos:

a) Dados apresentados pela empresa TELEFÔNICA BRASIL S.A. (VIVO), detalhando as chamadas da linha telefônica 51-9864-0485, no período de 06.2014 a 11.2014;

b) Informações da prestação de contas eleitoral de Gilmar Sossella descrevendo como despesas de campanha os valores ressarcidos à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul;

c) Ofício do Procurador-Geral do Ministério Público das Contas do Rio Grande do Sul, dando conta de ter recebido a mensagem SMS de propaganda eleitoral de Gilmar Sossella;

d) Depoimentos de Gilmar Sossella na instrução da AIJE 2.650-41 e RP 2.651-26 e no Procedimento Preparatório Eleitoral, no sentido de que aproximadamente 50% dos custos do serviço de telefonia foram utilizados para campanha eleitoral.

No período compreendido entre 06.2016 e 10.2014, conforme dados da VIVO, foram disparados 61.696 "torpedos" com propaganda eleitoral. Desse total, 25.776 nos últimos 10 dias, sendo no sábado 5.723 e no domingo (dia da eleição) 4.989.

Assim é que, diante do conjunto probatório, tenho que estão caracterizados os elementos constitutivos do tipo penal previstos no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, em função da divulgação de maciça propaganda eleitoral no dia da eleição por meio de mensagens de texto - SMS.

1.4. Dosimetria da pena quanto ao réu GILMAR SOSSELLA- Crime do art. 316 do Código Penal em concurso material com o art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97

Art. 316 do Código Penal (reclusão de 2 a 8 anos e multa)

Circunstâncias do art. 59:

Quanto à culpabilidade, a conduta apresentada pelo acusado merece maior reprovabilidade, porquanto praticou o ilícito na condição de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, à época da campanha para sua reeleição como deputado estadual no pleito de 2014, e, portanto, na condição de representante do povo, destinatário de fé pública outorgada pela sociedade, não agiu com a retidão exigida pelo cargo. Com a sua atuação, o acusado maculou de forma indelével a dignidade do cargo que exercia na estrutura organizacional deste Estado, desmoralizando o Poder Legislativo, quando tinha a obrigação de zelar por seus interesses.

Em caso análogo, assim decidiu o STJ:

O fato de o delito de concussão ter sido praticado por deputado federal - cargo de destaque na estrutura organizacional da República -, de quem há de se exigir maior lisura de atuação, demonstra especial reprovabilidade da conduta, a justificar o incremento da pena pela acentuada culpabilidade.

(HC n. 320.215, Relator Ministro Néfi Cordeiro, Sexta Turma, DJE 01.10.2015.)

O réu não registra antecedentes criminais. Não há dados para se aferir a conduta social e a personalidade.

Os motivos do crime são comuns a essa modalidade ilícita.

As circunstâncias do delito estão vinculadas a todos os demais dados que, não se amoldando a nenhuma das outras vetoriais descritas no art. 59 do Código Penal, permeiam a ação criminosa, sejam de ordem externa (tempo, local, arma empregada etc.) ou interna (premeditação, hesitação, relações com a vítima, finalidade etc.). No caso, não justificam maior censurabilidade na conduta do agente.

As consequências são graves, considerado o enorme prejuízo para a imagem do Poder Legislativo Estadual e para a Administração Pública como um todo, haja vista a repercussão de sua conduta no meio social e institucional – diante da relevância da função pública exercida pelo acusado. De fato, a quebra do dever legal de representar fielmente os anseios da população, advinda de quem se esperaria uma conduta compatível com as funções exercidas, representa um descrédito ao Poder Legislativo. Além disso, a atuação do acusado resultou na exoneração de um servidor da função gratificada que ocupava.

Não há falar em qualquer contribuição da vítima à conduta da agente.

Destarte, sendo desfavoráveis a culpabilidade e as consequências do crime, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a qual torno definitiva, na ausência de causas modificadoras.

A multa, em simetria com a pena privativa de liberdade cominada, vai fixada em 12 (doze) dias-multa, cada dia à razão de 02 (dois) salários mínimos vigentes na data do fato, corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento.

Art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 (detenção de 6 meses a um ano e multa no valor de cinco a quinze mil UFIR):

Circunstâncias do art. 59:

Quanto à culpabilidade, a conduta do acusado merece maior reprovabilidade, porquanto praticou o ilícito aproveitando-se do uso de linha telefônica celular (51-9864-0485) que detinha na condição de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, valendo-se dos diversos “contatos” mantidos em razão do cargo para divulgar sua campanha à reeleição como deputado estadual no pleito de 2014, gerando evidente desmoralização do Poder Legislativo por sua autoridade máxima, encarregada de zelar pela imagem do órgão.

O réu não registra antecedentes criminais. Não há dados para se aferir a conduta social e a personalidade.

Os motivos do crime são comuns a esta modalidade ilícita.

As circunstâncias do delito não serão aqui sopesadas negativamente, pois já consideradas no vetor culpabilidade.

As consequências são graves, considerado o enorme prejuízo para a imagem do Poder Legislativo Estadual e para a Administração Pública como um todo, haja vista a repercussão de sua conduta no meio social e institucional – diante da relevância da função pública exercida pelo acusado.

Não há falar em qualquer contribuição da vítima à conduta do agente.

Destarte, sendo desfavoráveis a culpabilidade e as consequências do crime, fixo a pena-base em 7 (sete) meses de detenção, a qual torno definitiva, na ausência de causas modificadoras.

A multa prevista no tipo (de 5.000 a 15.000 UFIR), considerando a boa situação econômica do réu, vai fixada em R$ 10.000,00.

Concurso Material

Os crimes de concussão e divulgação de propaganda eleitoral no dia da eleição foram cometidos em concurso material, razão pela qual devem ser somadas as penas privativas de liberdade (art. 69 do Código Penal), de modo que o montante definitivo alcance 3 anos e 3 meses, devendo ser observada, para fins de início do cumprimento da pena, a de reclusão e, ao depois, a de detenção (STJ, RHC 18664/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 26/03/2007, p. 283).

Para o cumprimento da reprimenda imposta ao acusado será observado o regime aberto (art. 33, § 2º, al. c, do Código Penal).

No caso, foram atendidos os requisitos objetivos para a substituição da pena, pois a condenação não foi superior a 4 anos, não tendo sido o delito praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. São favoráveis os requisitos subjetivos, porquanto o réu é primário e as vetoriais do art. 59 do CP foram, em sua maioria, consideradas benéficas. Assim, o acusado tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, eis que a medida revela-se suficiente à repressão do ilícito, sendo socialmente recomendável.

A sanção corporal imposta ao réu, à luz do art. 44, § 2º, do CP, é substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 43, inc. IV, do CP), pelo período da condenação (3 anos e 3 meses), e prestação pecuniária (art. 43, inc. I, do CP), em favor de entidade assistencial, na forma a ser definida pelo Juízo da Execução. A despeito de sua natureza reparatória, a pena de prestação pecuniária deve ser cominada segundo os seus próprios critérios, limitada, de acordo com o art. 45, § 1º, do CP, entre um e trezentos e sessenta salários mínimos, sem uma necessária equivalência com a quantidade da pena privativa de liberdade que substituiu ou com o valor do prejuízo causado. Tendo em conta a situação econômica do acusado, fixo a prestação pecuniária em 200 (duzentos) salários mínimos vigentes ao tempo do efetivo pagamento.

As penas restritivas de direitos que melhor atingem a finalidade da persecução criminal são a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a prestação pecuniária. A primeira, porque exige do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda, porque, ao contrário da multa, que reverte sempre ao Estado, converte-se em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social.

2 – Réu ARTUR SOUTO

A pena-base foi fixada em 03 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão, tendo sido valoradas negativamente três das vetoriais do art. 59 do Código Penal.

O objeto de divergência reside na valoração negativa das circunstâncias do delito.

Com efeito, a culpabilidade, como bem anotado pelo relator, merece maior reprovabilidade, máxime por ser o réu bacharel em Direito, de quem poderiam ser esperados maior cautela e zelo na conduta, na esteira de precedentes do STJ (HC n. 312.715/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turna, DJE 12.05.2016).

As circunstâncias do delito estão vinculadas a todos os demais dados que, não se afigurando a nenhuma das outras vetoriais descritas no art. 59 do CP, permeiam a ação criminosa, sejam de ordem externa (tempo, local, arma empregada etc.) ou interna (premeditação, hesitação, relações com a vítima, finalidade etc.). A superioridade hierárquica do alto cargo que ocupava, de Superintendente-Geral, foi o meio utilizado pelo réu para praticar o crime e obter a indevida vantagem, portanto, não serve de fundamento para elevar a pena.

Realmente, como bem frisou o eminente relator, as consequências do crime não favorecem ao acusado, considerado o grave prejuízo para a imagem do Poder Legislativo Estadual e para a Administração Pública como um todo, especialmente devido à declaração prestada pelo acusado à imprensa reputando legítima a exigência de valores de servidores públicos pelo simples fato de ocuparem funções gratificadas, tendo realizado o delito dentro das dependências do Parlamento. O descrédito que esse tipo de ato gera nos servidores e cidadãos de um modo geral não pode ser mensurado, dada a atuação do acusado com menosprezo ao cargo público que ocupava, sendo em tudo contrária à missão institucional do órgão a que servia, com evidente desrespeito e descaso pela Administração Pública.

A presença de duas circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade e consequências do crime) em relação ao acusado justifica um agravamento da pena acima do mínimo legal, ficando tanto mais distante quanto mais vetoriais desfavoráveis ocorrerem. Sendo o crime em exame apenado com reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, entendo que se revela suficiente à repressão da conduta a elevação da pena em 08 (oito) meses.

Destarte, reduzo a pena-base para 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a qual torno definitiva, na ausência de causas modificadoras.

A multa, em simetria com a pena privativa de liberdade cominada, é reduzida para 12 (doze) dias-multa, cada dia à razão de 01 (um) salário mínimo vigente na data do fato, corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento.

Para o cumprimento da reprimenda imposta ao acusado será observado o regime aberto (art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal).

No caso, foram atendidos os requisitos objetivos para a substituição da pena, pois a condenação não foi superior a 4 anos, não tendo sido o delito praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. São favoráveis os requisitos subjetivos, porquanto o réu é primário e as vetoriais do art. 59 do CP foram, em sua maioria, consideradas benéficas. Assim, o acusado tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, eis que a medida revela-se suficiente à repressão do ilícito e socialmente recomendável.

A sanção corporal imposta ao réu, à luz do art. 44, § 2º, do CP, é substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 43, inc. IV, do CP), pelo período da condenação (2 anos e 8 meses), e prestação pecuniária (art. 43, inc. I, do CP), em favor de entidade assistencial, na forma a ser definida pelo Juízo da Execução. A despeito de sua natureza reparatória, a pena de prestação pecuniária deve ser cominada segundo os seus próprios critérios, limitada, a teor do art. 45, § 1º, do CP, entre um e trezentos e sessenta salários mínimos, sem uma necessária equivalência com a quantidade da pena privativa de liberdade que substituiu ou com o valor do prejuízo causado. Tendo em conta a situação econômica do acusado, fixo a prestação pecuniária em 100 (cem) salários mínimos vigentes ao tempo do efetivo pagamento.

As penas restritivas de direitos que melhor atingem a finalidade da persecução criminal são a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a prestação pecuniária. A primeira, porque exige do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda, porque, ao contrário da multa que reverte sempre ao Estado, converte-se em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social.

Cumprimento imediato do acórdão

Em relação ao cumprimento imediato da sanção penal, divirjo do eminente relator.

A Carta Magna dispõe no art. 5º, inc. LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O princípio da presunção de não-culpabilidade – ou do estado de inocência – como 'ideia força' derivada do texto constitucional deve orientar a formulação e a interpretação das normas de caráter penal e processual penal. Emana desse princípio uma regra de tratamento ao acusado, que não deve ser tratado como se culpado fosse, antes do pronunciamento definitivo do Poder Judiciário. Segue-se que o cumprimento da pena não pode ser imposto antes da condenação passada em julgado, a menos que seja do interesse do réu.

A propósito do interesse do réu, isso deve ocorrer sempre que não seja o caso de responder ao processo em liberdade, é dizer, quando não estiverem presentes os motivos da prisão cautelar preventiva, em que o início do cumprimento da pena presume-se seja vantajoso ao réu condenado.

É inegável que, na realidade do sistema jurídico brasileiro, os recursos aos tribunais superiores demoram muito para serem julgados. E que isso gera um incômodo legítimo na sociedade. Mas, embora se possa prever que 75% a 80% das decisões não serão modificadas, isso não justifica que o restante dos acusados deva sofrer cumprindo penas que, mais tarde, possam ser desconstituídas.

Ademais, os riscos decorrentes de uma leitura moral da Constituição pelo Poder Judiciário em matéria penal, além do abandono do direito (a moral não corrige o direito, senão que o complementa) são justamente o aumento do arbítrio punitivo estatal e a quebra do fundamento de confiança que os indivíduos depositaram no Estado como protetor dos direitos fundamentais. Esses riscos só desaparecem quando essa interpretação esteja voltada para a proteção da parte mais frágil na relação entre Estado-acusador e indivíduo-acusado.

O sistema jurídico, é certo, não se pode enclausurar, precisa ouvir a sociedade, mas não deve julgar segundo o clamor social punitivo. Não existe input ou output direto do ambiente, do entorno, para dentro do sistema do direito. Tudo passa pelo filtro do direito, pelo código binário, direito, não direito.

É certo que os recursos à superior instância não têm efeito suspensivo e que esses tribunais não reexaminam matéria de fato, e isso gera um certo desconforto hermenêutico, mas se trata de um problema que desafia uma mudança constitucional, uma possível emenda, quiçá. Até lá, a regra continuará sendo a exigência do trânsito em julgado para a defesa e as exceções somente se justificarão diante de colisões insuperáveis entre princípios fundamentais e no caso a caso.

O grande problema é a prescrição. O último marco interruptivo da prescrição é a publicação da sentença ou do acórdão recorrido (art. 117 CP). E mais, se adotada uma interpretação literal do art. 112 do CP [a prescrição começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação...(I)], teremos uma ruptura sistêmica importante.

Não tem sentido que a acusação não possa executar a pena e ao mesmo tempo seja punida pela demora em propor a execução. Mas esse problema de incongruência sistêmica deve ser resolvido na via legislativa ou mesmo jurisprudencial, como fez o TRF4:

Penal e processual. Habeas corpus. Art. 112, inc. I, do CP. Prescrição da pretensão executória. Termo a quo. Trânsito em julgado para ambas as partes. Interpretação de acordo com o sistema constitucional vigente. 1. Na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ (HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no Dje de 25/04/2011) o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes - e não somente para a acusação - como termo inicial para a prescrição da pretensão executória. 2. Em face de interpretação dada pela Suprema Corte ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória") o Estado somente pode executar a pena após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, após esgotados todos os recursos. 3. Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado, em face da pendência de recurso interposto pela defesa, está impedido de executar a pena e, inobstante isso, continua fluindo o prazo prescricional. 4. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção da punibilidade, sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte. 5. Não é caso de declaração de inconstitucionalidade, porquanto "não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal, mas dando-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional".

(TRF4, "HABEAS CORPUS" N. 0025643-59.2010.404.0000, 4ª SEÇÃO, Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, POR MAIORIA, D.E. 02.03.2012, PUBLICAÇÃO EM 05.03.2012.)

 

Com efeito, o STF, ao julgar o ARE 964.246, em regime de repercussão geral, fixou a seguinte tese: A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal (Tema 925).

Como se percebe, a tese fixada expressamente faz referência ao acórdão penal condenatório proferido em grau recursal.

Na espécie, a condenação criminal decorre de ação penal originária, situação completamente distinta da que restou fixada na tese.

Ademais, os réus responderam ao processo em liberdade, não trazendo, a prolação do acórdão, circunstância que justifique nesse momento a segregação dos condenados.

A execução provisória apenas teria sentido na perspectiva do acusado em dar início ao cumprimento da pena, hipótese que não se verifica.

Portanto, com a vênia do relator, tenho que o caso concreto não se revela com a similitude necessária a justificar a execução provisória da pena, devendo o cumprimento da sanção apenas ocorrer após o trânsito em julgado.

Por fim, quanto à perda de cargo, função ou mandato eletivo, assim dispõe o art. 92 do CP:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

O STJ agasalha a compreensão de que a perda do cargo deve ser restrita àquele ocupado no momento do crime. 

Na época dos fatos, Gilmar Sossella desempenhava a função de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e Artur Alexandre Souto a de Superintende-Geral daquele órgão.

Como ambos não exercem mais essas funções, incompatível a imposição desse efeito.

ANTE O EXPOSTO, VOTO no seguinte sentido:

a) Acompanhar o relator quanto à rejeição das preliminares e à condenação de ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática do delito tipificado no art. 316, caput, do Código Penal, divergindo, no entanto, quanto à dosimetria da pena, nos termos da fundamentação;

b) Acompanhar o relator quanto à absolvição de GILMAR SOSSELLA pela prática do delito previsto no art. 350 d0 Código Eleitoral, divergindo em relação à absolvição pelo crime tipificado no art. 316, caput, do Código Penal, ao efeito de condená-lo e, por via de consequência, analisando o delito previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, igualmente considerá-lo incurso nesse crime, em concurso material, nos termos da fundamentação;

d) Divergir do relator quanto à execução provisória da pena.

É o voto.

Assim, tenho por inviável a aplicação desse efeito condenatório.

É o voto.

 

(Proferido voto-vista pelo Des. Federal Paulo Afonso, suspenso o julgamento para aguardar a presença do relator.)