RE - 90616 - Sessão: 26/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO SANTA TEREZA MERECE MAIS (PDT - PT - PSD - PTB) contra sentença do Juízo da 8ª Zona Eleitoral, sediada em Bento Gonçalves, que julgou improcedente o pedido contido na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pelo recorrente em face de COLIGAÇÃO POR UMA SANTA TEREZA AINDA MELHOR (PMDB - PSDB), GILNEI FIOR, IVONEI CHIMENTO, NEI PAULO BONGIORNO, CAMILA CAMPESTRINI ZAFFARI, CASSIANO BORTOLINI BOCHI, CRISTIANO CASAGRANDE, EGIDIO LAVA, ELIANA FRANCO FURLANETTO, FLAVIO PIEROZAN, FRANCIELE GIROTTO BATISTI, GERALDO DOS SANTOS, IVALDO PISSETI, JANETE JANECI PARENTI, JURACI TERESINHA PEDRON, MARCIO PILATTI E OLIR FERRONATO, por entender não comprovada a ocorrência de fraude, com violação ao princípio da isonomia e participação de candidatas do sexo feminino somente para legitimar a candidatura dos eleitos pela coligação recorrida (fls. 320-322v.).

Em suas razões (fls. 324-334), a recorrente alega que a ínfima votação das candidatas, aliada aos respectivos gastos eleitorais, é flagrância da prática de fraude eleitoral. Afirma que três das quatro candidatas registradas pela coligação prestaram-se ao papel de “laranjas”, sendo que sequer possuíam santinhos. Argumentam a existência de provas suficientes nos autos e requerem o recebimento e o processamento do recurso para que seja julgado procedente o pedido, com a declaração de inelegibilidade dos recorridos e cassação dos registros e diplomas.

Com contrarrazões (fls. 338-347), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 351-355v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

A intimação da recorrente acerca dos termos da sentença ocorreu em 06.4.2017 (fl. 323), quinta-feira, sendo o recurso apresentado em 10.4.2017 (fl. 324), segunda-feira, dentro do tríduo legal, portanto.

Não havendo preliminares a serem examinadas, passo ao exame do mérito.

No julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 243-42, o Tribunal Superior Eleitoral evoluiu no entendimento sobre o cabimento da ação de investigação judicial eleitoral para exame de alegações de existência de fraude cometida após a análise do DRAP, em especial quando se questiona fraude à quota de gênero. Até então, entendia-se que o disposto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 permitia o manejo desta ação somente para apuração das hipóteses de abuso do poder político e econômico, assim como do uso indevido dos meios e veículos de comunicação social.

Constou da ementa do precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

[...]

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

Recurso especial parcialmente provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 65-66.)

A viragem jurisprudencial decorreu do reconhecimento da existência de possível vácuo de prestação jurisdicional, no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo.

Feitas essas considerações no sentido do cabimento da ação, passo a examinar a alegação de prática de fraude no registro de candidatura da COLIGAÇÃO POR UMA SANTA TEREZA AINDA MELHOR (PMDB - PSDB), em relação à sua nominata de candidaturas à Câmara de Vereadores de Santa Tereza no pleito de 2016, no tocante ao cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

Consoante aduz a recorrente, a referida coligação apresentou à Justiça Eleitoral a lista de candidatos formada por nove homens e cinco mulheres, atendendo o percentual mínimo de 30% de cada gênero, conforme impõe o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, obtendo, assim, o deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP).

Entretanto, na ótica da recorrente, os registros de CAMILA CAMPESTRINI ZAFFARI, FRANCIELE GIROTTO BATISTI, JANETE JANECI PARENTI e JURACI TERESINHA PEDRON (quatro das cinco candidatas) teriam configurado candidaturas fictícias, para, mediante fraude, preencher a proporção mínima do gênero feminino.

Contudo, a recorrente não logrou êxito em comprovar a ocorrência de fraude ou a participação das candidatas indicadas somente para legitimar a candidatura dos eleitos – ônus que lhe incumbia.

As candidatas do sexo feminino, aparentemente, realizaram campanha eleitoral em intensidade menor que a recomendável, do que não se pode presumir, todavia, não ter havido campanha.

Nessa linha, não houve investimentos financeiros substanciais nas candidaturas, mas Camila (fl. 265), Franciele (fl. 271), Janete (fl. 238) e Juraci (fl. 213) arrecadaram recursos e prestaram contas de campanha. Nenhuma delas renunciou à candidatura após o deferimento do registro.

Quanto a Juraci, tenho que o falecimento de seu companheiro durante a campanha eleitoral (fls. 204-211) é justificativa bastante razoável para o abatimento da candidata em relação à prática de atos de campanha, o que explicaria a obtenção de apenas um voto.

Daí, tenho que o acervo probatório não demonstra que as candidatas deixaram de buscar votos. Mesmo que o tenham feito de forma não exitosa, tal circunstância não autoriza a conclusão de ter sido constituído simulacro de candidatura.

Ademais, as movimentações financeiras apresentadas são compatíveis com candidatos de posses modestas e sem maior potencial na conquista de votos, em pequenos municípios do interior, tal como Santa Tereza, que conta com apenas 1.647 eleitores.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só não é condição suficiente para caracterizar burla à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito os seguintes precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.)

Em acréscimo, peço licença para traçar algumas considerações acerca do mecanismo de política afirmativa que aqui se analisa.

A sub-representação das mulheres na política é fenômeno global, sendo pertinentes os dados de estudo português que lista fatores que podem constituir obstáculo à participação, e medidas que buscam fomentar o exercício dos direitos políticos passivos. Vejamos:

Têm, de facto, sido apontados vários fatores na literatura que podem constituir obstáculos à entrada e progressão das mulheres na política e explicar as variações entre países (e.g., ver Baum & Espírito-Santo, 2012; Franceschet, Krook, & Piscopo, 2009, 2012; Norris & Lovenduski, 1995; Verge & Marín, 2012; Verge & Troupel, 2011; Wängnerud, 2009). Salientamos, por exemplo, os fatores institucionais (ou “do lado da procura”), como é o caso do tipo de partido político, de sistema político, de sistema eleitoral, de regras eleitorais, da magnitude dos distritos, da ideologia dos partidos, etc.; os fatores culturais e ideacionais, como as crenças sobre a igualdade de género ou sobre as capacidades das mulheres para ocupar cargos de liderança; ou os fatores situacionais, como designa Verge e Marín (2012), relacionados com o tempo dedicado às responsabilidades domésticas e ao cuidado; e os fatores estruturais que afetam a “oferta” de candidatos do sexo feminino, como a proporção de mulheres na força de trabalho e as realizações das mulheres em termos de educação nalguns países.

Devido aos grandes movimentos sociais e feministas (Krook & O’Brien, 2010) e às grandes instituições transnacionais, como a Organização das Nações Unidas, a UE e o Conselho da Europa (EIGE, 2015), o reconhecimento das desigualdades de resultados tem levado países de diversas partes do mundo a desenvolver ações e a implementar diversos tipos de medidas de ação positiva. Por outras palavras, mais do que seguir a tradicional e lenta “via incremental”, medidas, como as “quotas de género”, tornaram-se uma “moda” (Dahlerup, 2008), tendo vários sistemas políticos do mundo optado pela estratégia da “via rápida” (Dahlerup & Freidenvall, 2005), com o objetivo de aumentar mais rapidamente a representação das mulheres na política. É o caso das “quotas voluntárias dos partidos” e das “quotas legislativas” (e.g., a, impropriamente, designada “Lei da Paridade” em Portugal, que, em vez dos 50/50, determina um “limiar mínimo de paridade” entre mulheres e homens, Coucello et al., 2016, assegurando, desta forma, que as mulheres, que são mais de metade da Humanidade, constituam alguma "massa crítica” na política, como refere Dahlerup, 2006) que, no seu conjunto, já foram adotadas em mais de cem países do mundo (Dahlerup, 2008; Dahlerup & Freidenvall, 2008; Krook, 2009; Krook, Lovenduski, & Squires, 2009) e em 23 países da UE 28 (ver EIGE, 2015, p.13).  

Veja-se também que, conforme apontado por Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos, “as leis de cotas surgem com a finalidade de efetivar esse direito intrinsecamente relacionado à democracia: a igualdade e a participação de adultos – homens e mulheres – nas tomadas de decisões da vida política.” (Participação política feminina e a regulamentação legal das cotas de gênero no Brasil: breve análise das eleições havidas entre 1990 e 2014. In: Adriana Campos Silva; Armando Albuquerque de Oliveira; José Filomeno de Moraes Filho. (Org.). Teorias da democracia e direitos políticos. 1 ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 427-448).

É certo que o mecanismo de promoção da participação feminina tem encontrado resistência desde sua positivação no Brasil, mas é possível vislumbrar que a postura de lançar candidatas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar candidaturas masculinas, vem sendo combatida pela doutrina e encontrado eco na jurisprudência.

Como exemplo, recente decisão do TSE, de relatoria do Ministro Henrique Neves da Silva, em cuja ementa constou que:

Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão de 16.8.2016.)

Ou seja, muito embora no caso em exame não tenha sido reconhecida a fraude, mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas tendem a aumentar a exigência em relação ao aparelhamento pessoal e material das candidatas para as eleições vindouras.

Feitas tais considerações, não havendo prova robusta, concreta e coerente,  há de se preservar a acertada sentença pela improcedência da ação.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.

Inclua-se nos registros de autuação o recorrido IVONEI CHIMENTO.