RE - 39340 - Sessão: 21/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por WELLINGTON BACELO DOS SANTOS contra sentença do Juízo da 43ª Zona Eleitoral, que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista uma doação realizada por depósito em valor acima de R$ 1.064,10, em infringência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões recursais (fls. 122-125), afirma que o depósito pode ser identificado pelo CPF do doador, sendo incabível a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional. Requer a aprovação das contas, com ou sem ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 133-138).

É o breve relatório.

 

VOTO

Preliminar

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada em 16.12.2016 (fl. 121) e o apelo foi interposto no dia 19.12.2016 (fl. 122).

Nulidade da sentença

Preliminarmente, a sentença, ao reconhecer que houve a doação de R$ 2.000,00 sem transferência bancária, obrigatória para os recursos acima de R$ 1.064,10, determinou o recolhimento unicamente do montante excedente ao valor de referência, ou seja, R$ 935,90.

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à determinação expressa do art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual busca o recolhimento integral do valor doado de forma irregular.

Ressalta o órgão ministerial que a inobservância do ordenamento jurídico, matéria de ordem pública, não está acobertada pela preclusão, razão por que os autos devem retornar à origem para que nova decisão seja proferida.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Não se verifica, na sentença recorrida, a omissão de um dever legal, mas o entendimento do magistrado em sentido contrário ao adotado por esta Corte.

No caso, a sentença reconheceu a ofensa ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 e efetivamente determinou o recolhimento do montante ao Tesouro.

Entretanto, em vez de ordenar o pagamento da integralidade da doação irregular, o magistrado, interpretando a norma, entendeu que apenas o valor excedente a R$ 1.064,10 deveria ser recolhido ao Tesouro, pois somente as doações acima desse valor devem ser feitas por transferência bancária.

Não se trata, portanto, de omissão da sentença a respeito da consequência de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, mas de uma interpretação da norma, que acabou determinando o recolhimento a menor do valor irregular.

Nesta hipótese, em que há efetiva ordem de recolhimento, mas de valor menor, não se está diante de nulidade, pois o juiz não se omitiu na aplicação de uma norma de ordem pública, mas a interpretou dentro dos limites do razoável, situação que apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei, e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, conforme pacífica jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula n. 28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.)

(Grifei.)

Do exposto, máxime frente à ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

MÉRITO

Passando ao mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão de um depósito realizado no valor de R$ 2.000,00, sem observar a determinação de transferência eletrônica prevista no art. 18, § 1º, da Resolução 23.463/15 para valores acima de R$ 1.064,10:

art. 18.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total - em torno de 10% dos recursos -, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade, com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.2.2017, Página 48-49.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório".

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

Na hipótese, o valor da doação irregular de R$ 2.000,00 não se mostra relevante frente ao total de recursos arrecadados de R$ 79.490,27, representando 2.51% da movimentação financeira, montante inexpressivo que não prejudica a análise e confiabilidade das contas.

Ademais, verifica-se também a boa-fé do prestador, que apontou a origem da quantia, indicando o doador por seu CPF no momento do depósito (fl. 12) e emitindo o pertinente recibo eleitoral (fl. 71).

Assim, mostra-se adequada a aprovação das contas com ressalvas.

O juízo de aprovação, entretanto, não afasta a imposição de recolhimento do valor recebido de forma irregular. Isso porque tal determinação não é uma penalidade ou efeito decorrente da reprovabilidade das contas, mas uma consequência específica e independente, que deriva da inobservância do art. 18 da Resolução 23.463/15, como se extrai do seu § 3º, a seguir transcrito:

art. 18.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

A norma é impositiva quanto ao recolhimento do montante doado ao Tesouro Nacional. Embora os documentos juntados apontem a origem do valor, não apresentam a mesma segurança da transferência eletrônica exigida pela norma acima transcrita, sendo incapazes de substituir sua eficácia como prova.

A jurisprudência reconhece que a aprovação com ressalvas não afasta, por si, o dever de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional quando assim determinado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. FALHAS. VALOR IRRISÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL.

TRANSFERÊNCIA DE SOBRAS DE CAMPANHA AO ÓRGÃO PARTIDÁRIO. AUSÊNCIA. PEDIDO. REFORMA. RAZÕES RECURSAIS. DESPROVIMENTO.

1. O provimento do recurso especial do candidato, para aprovar com ressalvas suas contas, em nada alterou o acórdão recorrido quanto à necessidade de devolução de valores ao Tesouro Nacional e de transferência de sobras de campanha ao órgão partidário (arts. 29 e 39, § 1º, da Res.-TSE 23.406/14), não constando das razões recursais nenhum pedido de reforma a esse respeito.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 430910, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.5.2016.)

Assim, embora as contas mereçam ser aprovadas com ressalvas, mantém-se o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento da preliminar e pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas, mantendo a ordem de recolhimento do valor de R$ 935,90 ao Tesouro Nacional.