RE - 42023 - Sessão: 12/09/2017 às 17:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por PAULO DA ROSA GIUDICE FILHO e COLIGAÇÃO ALIANÇA POR SANTA VITÓRIA (PT - PTB - PC do B - PROS) em face de sentença de improcedência de Ação de Investigação Judicial Eleitoral interposta contra WELLINGTON BACELO DOS SANTOS (prefeito eleito de Santa Vitória do Palmar), SIDNEY NUNES DAS NEVES (vice-prefeito eleito de Santa Vitória do Palmar), LEONIR SAN MARTINS FONSECA (candidato a vereador) e COLIGAÇÃO DE MÃOS DADAS POR SANTA VITÓRIA (PMDB - PDT - SD - PP).

A inicial aponta inúmeros ilícitos aos demandados, sinteticamente resumidos no relatório da sentença:

Narrou que o candidato a Prefeito, Wellington Bacelo, durante seu mandato como vereador, teria efetuado doações de pares de sapatos, patrocinados por empresário local, em 12 de outubro de 2013. Acusou o candidato Wellington Bacelo de realizar condutas caluniosas e difamatórias, seja por meio da rede social Facebook, seja pela distribuição de folhetos, seja na ocasião do debate eleitoral realizado em 28 de setembro passado. Argumentou que os réus, por má-fé, teriam ingressado com ação de investigação judicial eleitoral contestando doações efetuadas por ocupantes de cargos comissionados junto ao Município de Santa Vitória do Palmar. Afirmou que os réus, durante o período eleitoral, teriam doado ao senhor Alcione Hunter da Silva uma bicicleta ergométrica, a fim de que este desse continuidade a tratamento de saúde, e teriam prometido, na mesma ocasião, em eventual vitória de Wellington, doar um triciclo mecânico para Alcione e um emprego na Escola Municipal Bernardo Arriada para sua esposa, tendo como condição apoio político e voto. Narrou que, também durante a campanha eleitoral, os requeridos Wellington e Sidney Desenhista, acompanhados de Vilson Correa, teriam prometido entregar a administração da fábrica de filetagem de pescados (situada na Vila Anselmi) à Gilka Rodrigues, em troca de seu apoio político e de seu voto. Argumentou que teria havido distribuição de bens (mochilas) e alimentação, a pretexto de comemoração do aniversário de Leonir Fonseca.

Em suas razões recursais, os recorrentes, sem suscitar a suspeição da magistrada, referem que, na colheita do depoimento de Gilka Rodrigues, houve intervenção da autoridade judicial em prejuízo da espontaneidade das declarações acerca da compra de votos. Em seguida, afirmam que as provas carreadas nos autos comprovam a materialidade e a autoria das imputações tecidas na exordial. Ao final, pugnam pela procedência da ação para cassar os diplomas dos réus e decretar-lhes a inelegibilidade na forma da legislação de regência.

Em contrarrazões, os recorridos sustentam que não se demonstrou a prática de nenhum ato ilícito, devendo a sentença monocrática ser mantida em sua integralidade.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e regular.

Mérito

Antes de adentrar na análise dos fatos, cumpre tecer algumas considerações teóricas sobre os ilícitos descritos na inicial, que oscilam entre o abuso do poder econômico, a captação ilícita de sufrágio e a arrecadação ou gasto ilícito de recursos eleitorais.

A atuação com desvio das finalidades legais, de forma a comprometer a legitimidade do pleito, seja em favor do próprio agente ou de terceiro, caracteriza o exercício abusivo do poder previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(Grifei.)

Para apuração do abuso de poder, quer seja de autoridade/político ou econômico, faz-se necessária a propositura da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, no curso da qual, para a sua procedência, deverá ser demonstrada, de modo inequívoco, a violação do bem jurídico protegido, qual seja, a normalidade e a legitimidade do pleito.

O abuso de poder, conforme a doutrina eleitoralista, é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A caracterização da violação ao bem jurídico protegido, portanto, está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, se não ocoresse a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. […].

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Grifei.)

Em relação à captação ilícita de votos, o fundamento legal está no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64 de 18 de maio de 1990.

O núcleo da norma reside em alguns elementos principais: seus verbos, o destinatário da prática, o período em que as condutas são levadas a efeito, e o fim a que se destina. A norma veda doar, oferecer, prometer ou entregar vantagem pessoal de qualquer natureza. O destinatário é o eleitor; o período de restrição é claro: desde o registro de candidatura até, inclusive, o dia das eleições.

E, segundo a interpretação do TSE, a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1- a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2- a existência de uma pessoa física (eleitor); 3- o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Ou seja, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, é necessária a conjugação dos citados elementos subjetivos e objetivos.

Por derradeiro, reproduzo o teor do art. 30-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

O dispositivo busca coibir e sancionar o recebimento e o gasto de recursos realizados de forma ilícita, em contrariedade às normas a respeito da prestação de contas. Atualmente, verifica-se, de forma mais clara, a importância da fiscalização da movimentação financeira dos candidatos como fator de repressão à corrupção e como garantia da democracia.

Ademais, reconhecida a relevância do financiamento de campanha para o êxito nas urnas, o respeito às regras pertinentes mostra-se fundamental também à defesa da legitimidade do pleito e à igualdade entre os candidatos.

Delineados os parâmetros legais concernentes à caracterização do abuso do poder econômico, da compra de votos e da captação ou do gasto ilícito de recursos, passo a analisar os fatos descritos na peça inaugural.

I - Entrega de pares de sapatos por Wellington Bacelo

Os demandantes narram que, em 08.10.2013, o então vereador Wellington Bacelo visitou o bairro Vila Nova e realizou a entrega de cerca de quarenta pares de sapatos femininos, patrocinados pelo empresário local Paulo Ederson Teixeira dos Santos, proprietário da loja “Absoluta Moda Fashion”.

Consta, à folha 15 dos autos, reprodução de página da edição de 12.10.2013 do Jornal Liberal de Santa Vitória do Palmar, noticiando o ocorrido.

Infere-se, da reportagem, que houve a distribuição de benesses em ação beneficente e privada, levada a efeito pelo então vereador, com ênfase jornalística no cargo público ocupado por Wellington.

Outrossim, insta destacar que a conduta deu-se quase três anos antes do pleito de 2016.

Assim, a ação possui características de “agradecimento” ou “felicitações” aos eleitores pelos resultados conquistados ainda no pleito pretérito, ou seja, nas eleições de 2012, sem vinculação com a disputa eleitoral de 2016.

Com efeito, para a configuração do abuso de poder econômico, não basta que o ato tenha potencialidade para favorecer a imagem e o conceito do determinado agente público. É necessário, além disso, que a aparente irregularidade possua correlação com o pleito eleitoral vindouro e ostente gravidade, na sua gênese, para impulsionar eventual candidatura lançada ou em vias de o ser.

Ademais, como bem consignado pela magistrada sentenciante:

A potencialidade de tal ato influenciar eleições futuras é muito pequena. Enfraquecem o seu poder de influência as circunstâncias: a) de a doação não ter sido feita pelo candidato Wellinton, mas por empresário local; b) de as eleições ocorrerem apenas três anos depois. Também pode-se afirmar que estaria ausente o objetivo específico de obtenção de vantagem em pleito que viria a ocorrer tanto tempo depois.

A partir dessas circunstâncias, não se mostra factível considerar abusiva a conduta, quando despida de prova inconteste de que o evento teve por fim a cooptação antecipada de votos futuros, tomada a fragilidade da conexão com o pleito em questão.

O acervo probatório, quanto ao tópico, está restrito à juntada da citada reportagem no jornal local, noticiando o evento de filantropia realizado pelo vereador a partir do patrocínio de empresário do município.

Inexistem outros elementos de prova, seja documental, seja oral, a permitirem a aferição da tecitura eleitoral da ação.

Nesse mesmo trilhar, mesmo analisada a imputação sob a óptica do art. 41-A da Lei das Eleições, embora a jurisprudência não exija pedido expresso de voto, é imprescindível que se evidencie a toda clareza o dolo de obter o voto do eleitor em troca de benesses, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A, o que não se verifica nos autos.

Nesses termos, elenco precedente do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ILÍCITO DO ART. 41-A DA LEI DAS ELEIÇÕES. NÃO CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 24 DO TSE. FUNDAMENTO DO DECISUM OBJURGADO NÃO IMPUGNADO. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520). 2. A jurisprudência deste Tribunal pressupõe, ainda, a existência de provas robustas e incontestes para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, não podendo, bem por isso, encontrar-se a pretensão ancorada em frágeis ilações ou mesmo em presunções, nomeadamente em virtude da gravidade das sanções nele cominadas. Precedentes.3. In casu, a inversão do julgado quanto à inexistência de provas suficientes da prática de captação ilícita de sufrágio implicaria necessariamente nova incursão no conjunto fático-probatório, o que não se coaduna com a via estreita do apelo extremo eleitoral, ex vi do Enunciado da Súmula nº 24 do TSE.4. As razões do agravo regimental devem infirmar especificamente os fundamentos da decisão agravada, sob pena de subsistirem suas conclusões.5. No caso sub examine, a Agravante não se desincumbiu de impugnar o fundamento da decisão objurgada, i.e, imprescindibilidade de reexame do conjunto fático-probatório dos autos, limitando-se a debater a questão de fundo dos autos, atinente à configuração do ilícito de captação ilícita de sufrágio, previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.6. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 84315, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 04.8.2017, Página 142-143.) (Grifei.)

Dessa forma, deve ser mantida a sentença de improcedência quanto ao tópico.

II - Difusão de declarações públicas, postagens em rede social e panfletos apócrifos em desfavor de Paulo Giudice

É imputada aos demandados, ainda, a responsabilidade pela veiculação de informações caluniosas, difamatórias, injuriosas e inverídicas em desfavor de Paulo Giudice, as quais teriam sido divulgadas durante o debate eleitoral realizado em 28.9.2016 (fl. 17), por meio de diversas mensagens lançadas na rede social Facebook (fls. 19-23 e 25-30) e pela alegada distribuição de panfletos apócrifos, realizados na madrugada anterior ao pleito, com conteúdo desonroso sobre os candidatos da coligação autora da ação (fl. 31).

Tanto a declaração feita no contexto do debate eleitoral em rádio quanto as publicações nas páginas pessoais de correligionários e apoiadores políticos no Facebook, bem como os panfletos anônimos derramados às vésperas do pleito, versam sobre supostas acusações de corrupção e favorecimento de familiares com recursos públicos, pretensamente realizados por Paulo Giudice, quando Secretário Municipal de Educação.

Todas as propalações ofensivas descritas estão perfeitamente delimitadas, não revelando, mesmo em seu conjunto, gravidade suficiente para acarretar desequilíbrio no pleito ou caracterizar a utilização anômala do poder financeiro ou dos meios de comunicação social em desfavor de partidos ou candidatos, a justificar a severa penalidade de cassação do diploma.

Em realidade, as condutas em comento configuram, em tese, hipóteses de propaganda eleitoral irregular, ou mesmo delitos contra a honra praticados com fins de propaganda eleitoral. Essas, embora possam embasar as pertinentes representações eleitorais ou ações penais eleitorais, não autorizam o ajuizamento da AIJE, a qual possui causas de pedir estritamente vinculadas às previsões contidas no art. 22, inc. XIV, da Lei das Inelegibilidades.

A manifestação do candidato tida por ofensiva, realizada durante debate eleitoral no rádio, organizado e transmitido conforme as normas próprias, não representa objeto da presente espécie processual. O fato, se irregular ou abusivo, deveria ser contestado a partir da respectiva representação por propaganda eleitoral irregular ou de pedido de direito de resposta, consoante as previsões contidas na Resolução TSE n. 23.462/15.

Outrossim, não há, nos autos, elementos probatórios que vinculem a atuação pessoal do candidato às manifestações de eleitores e simpatizantes, elaboradas a partir de seus sítios pessoais na internet, em desabono do concorrente opositor.

Na mesma senda, não há comprovação de que o candidato é diretamente responsável pela confecção e pela distribuição dos panfletos apócrifos na madrugada prévia ao pleito.

Assim, ausente demonstração cabal da participação do candidato na prática imputada, não pode ser presumida a sua responsabilidade tão somente a partir do proveito obtido da eventual ação de terceiros.

III - Doação de bicicleta ergométrica e promessa de emprego

Narra-se que Wellington, Sidney e Leonir estiveram na residência do casal Chaiane Rodrigues Tapi e Alcione Hunter da Silva. Na ocasião, os candidatos deram uma bicicleta ergométrica para o eleitor Alcione, que sofre de atrofia muscular, e prometeram-lhe um triciclo e um emprego para Chaiane, se Wellington se sagrasse vitorioso nas eleições.

Quanto ao ponto, embora seja fato incontroverso que Vilson Correa efetivamente entregou uma bicicleta ergométrica de sua propriedade a Alcione, não há nos autos prova segura de que o oferecimento ocorreu em troca do voto.

Ouvida em juízo (fl. 182), Chaiane Rodrigues Tapi, testemunha compromissada, afirmou que seu marido, Alcione, sofre de problemas neurológicos e não consegue caminhar. Referiu que no dia 21 de agosto de 2016, na oportunidade do chá de fralda de sua irmã, compareceu à casa da depoente o Sr. Vilson, acompanhado do candidato Wellington, em campanha eleitoral, quando lhe prometeu um triciclo para o seu marido, assim que Wellington ganhasse as eleições. Asseverou ainda que Vilson já havia dado uma bicicleta de ginástica para Alcione. Negou que tivesse que votar em Wellington como condição para ganhar a bicicleta. Confirmou que todas as vezes em que, visitada por Vilson, disse que votaria em Wellington. Declarou que Vilson, ao doar a bicicleta, pediu que votasse em Wellington. Afirmou que lhe foi prometido um serviço.

Por sua vez, Vilson Dias Oliveira Correa, testemunha não compromissada, confirmou que doou uma bicicleta ergométrica que possuía e que estava sem utilização. Afirmou que tem por hábito praticar atos de caridade na comunidade. Narrou que ouviu de Chaiane sobre a necessidade que Alcione tinha do equipamento para se exercitar, devido a problemas de saúde. Asseverou que nunca prometeu um triciclo.

Finalmente, Gilka Rodrigues, testemunha não compromissada e que não presenciou os fatos, referiu que foi entregue uma bicicleta ergométrica para seu genro Alcione, que prometeram um serviço para a sua filha Chaiane, e que arrumariam a associação de pescadores.

A prova produzida não comprovou satisfatoriamente a ocorrência dos elementos indispensáveis à configuração da captação ilícita de sufrágio.

Não obstante o art. 41-A, § 1º, da Lei n. 9.504/96 dispense o pedido explícito de voto para a configuração da infração eleitoral, exige a evidência de dolo, quer dizer, que se extraia das circunstâncias, de modo cabal, o intento do candidato de, por meio da concessão de vantagem, obter o voto do eleitor.

As supostas promessas do “triciclo” e de “serviço” estão apenas sugeridas, de forma frágil e inconsistente. Não há especificação de detalhes, tais como quem fez a promessa de trabalho e em que consistia, onde seria exercido, etc. Igualmente, não se demonstra o contexto no qual as ofertas foram realizadas, não estando tal acusação amparada em qualquer outro elemento nos autos.

Por seu turno, não há demonstração categórica de que a doação do equipamento ocorreu em circunstância de negociação do voto, ou mesmo que houve determinação ou anuência por parte do candidato Wellington com o ato.

Nesse sentido, transcrevo passagem da sentença que retrata, de maneira impecável, o exame da prova dos autos, de forma que, para evitar tautologia, adoto-o como razões de decidir:

O sr. Vilson Correa, ouvido na condição de informante, negou ter realizado promessas de doação de triciclo ou oferta de emprego. Declarou que possui laço de amizade com a família de Chaiane e teria tão somente doado uma bicicleta ergométrica por apiedar-se da condição de seu esposo, ressaltando que a localidade da Vila Anselmi é muito pequena, onde todos se conhecem. Acrescentou que teria doado tal bem por encontrar-se abandonado em sua casa.  Por sua vez, a própria testemunha Chaiane declarou que os candidatos não se encontravam presentes quando da doação da bicicleta ergométrica e não pode afirmar que estes anuiram com o ato. Também falta prova de anuência dos candidatos em relação à promessa de entrega de um triciclo (embora o próprio ato tenha sido negado por Vilson Correa). A testemunha não soube confirmá-la também em relação a tal promessa. Tampouco soube caracterizar se tal ato configuraria compra de voto. Afirmou que teria declarado a Vilson que votaria em Wellington Bacelo diversas vezes antes, o que enfraquece a prova da intenção de compra de voto. Não há outros elementos que possam corroborar a ciência dos candidatos sobre tais ofertas.  Já em relação à promessa de emprego, não há suporte necessário para se afirmar sequer a autoria. Tampouco a testemunha refere a natureza do emprego que lhe foi supostamente oferecido. As informações são por demais vagas em relação a este ponto.

A debilidade da prova produzida não torna possível exarar um juízo de procedência da demanda. Nesse passo, é pacífica a jurisprudência do TSE acerca da necessidade da existência de demonstração cabal do ilícito visando fundamentar uma decisão condenatória, conforme retratado na seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO. MANDATO. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL. CONDENAÇÃO AFASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Para a configuração da captação de sufrágio, malgrado não se exija a comprovação da potencialidade lesiva, é necessário que exista prova cabal da conduta ilícita, o que, no caso em exame, não ocorre.

2. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, não são admitidos como prova depoimentos colhidos em inquérito policial sem observância do contraditório e da ampla defesa.

3. O conteúdo probatório dos autos é insuficiente para comprovar a captação ilícita de sufrágio

4. Recurso ordinário provido para afastar a condenação imposta ao recorrente.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Ordinário n. 329382494, Acórdão, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 97, Data 24.5.2012, Página 125-126.) (Grifei.)

Destarte, acertada a decisão recorrida pela improcedência da imputação quanto ao tema.

IV - Promessa da concessão da Administração da sala de filetagem

A exordial descreve ainda que Wellington e Sidney estiveram na casa de Gilka Rodrigues, líder comunitária, com o objetivo de angariar apoio político e votos em troca da promessa de que, quando eleitos, entregariam a administração da fábrica de filetagem de pescados localizada na vila Anselmi àquela eleitora.

A testemunha Gilka Rodrigues, ouvida em juízo – dispensada de compromisso em face de sua filiação partidária ao PT e do concomitante envolvimento com a corrente política adversária –, declarou que Wellington, Sidney, Leonir e Vilson Correa compareceram em sua residência durante a campanha e pediram apoio político, pois sabiam que estava brigada com o PT. Pediram que ela fizesse campanha para Wellington e prometeram que, se eleitos, arrumariam a fábrica de filetagem de pescados para que ela lá trabalhasse.

Os recorrentes questionam a postura adotada pela magistrada durante a inquirição da testemunha, dizendo que “em razão da interveniência do juízo na resposta da testemunha, a prova sofreu enorme prejuízo, haja vista que impediu a testemunha de afirmar o cometimento da venda e da compra de votos”.

Em realidade, verifica-se que a intervenção da julgadora, durante a audiência, visou repelir que juízos pessoais da eleitora sobre os acontecimentos, de compra de votos ou promessas de campanha, sobrepujassem a reconstituição dos fatos com a maior objetividade possível na aferição do ilícito e, ao mesmo tempo, alertá-la quanto a possíveis efeitos jurídicos da participação no tipo legal de corrupção eleitoral. Não houve atitude da magistrada que visasse impedir a testemunha de relatar os acontecimentos tais como por ela vivenciados.

Por sua vez, da averiguação do caderno probatório, não se extrai a proposta de uma vantagem ou benefício pessoal e individual para a eleitora. Em outras palavras, a partir da prova oral produzida, única a subsidiar a pretensão nesse ponto, não é possível vislumbrar, de modo escorreito, uma situação de negociação de benesse determinada em troca do voto.

Infere-se, ao contrário, que a manifestação dos candidatos representou uma promessa de campanha de reabertura da “fábrica de filetagem de peixes”, outrora utilizada pela associação local de pescadores, em benefício geral dos trabalhadores do ramo daquela localidade, inclusive da própria eleitora Gilka, que atua nesse contexto laboral.

Nesses termos, colaciono a doutrina de José Jairo Gomes:

Certo é que a promessa ou oferta deve ser específica e endereçada a alguém ou a um grupo determinado de eleitores, pois, se for genérica ou vaga, não se encaixa na moldura do artigo 41-A da LE. Nesse caso, mais se assemelha a “promessa de campanha”, feita de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou vincular os destinatários.

(Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 723)

Revela-se, portanto, uma usual promessa de campanha a acarretar benefícios iguais à eleitora então visada e a outros trabalhadores da pesca, eleitores ou não, salientado o papel de liderança comunitária já exercido por Gilka e que, presumivelmente, motivou que os candidatos enfatizassem tal projeto.

De tais circunstâncias, a comprovação do elemento subjetivo pelo candidato resta carente de prova escorreita a dar o indispensável suporte à procedência da pretensão.

V - Jantar com doação de brindes e benefícios

Aduz-se que, durante a campanha eleitoral, os ora recorridos realizaram um jantar, a pretexto de homenagear o candidato Leonir por seu aniversário, com o oferecimento de mochilas e gêneros alimentícios aos convidados.

Os demandantes ressaltam que as mochilas doadas eram itens publicitários pertencentes à pessoa jurídica “Fonse e Rotta Comércio de Combustíveis”, trazendo inclusive a inscrição “Shell” (fl. 90-92), e que os gastos e doações não constaram na prestação de contas de campanha do candidato.

Os ora recorridos, por sua vez, afirmam que o candidato Leonir verdadeiramente ofereceu uma festa, em comemoração ao seu aniversário, aos amigos e correligionários, na qual, dentro da naturalidade de qualquer evento da espécie, foram servidos itens alimentícios aos presentes. Além disso, sustentam que as mochilas não foram distribuídas aos potenciais eleitores, mas a pessoas contratadas para a distribuição de “santinhos” nas ruas, a fim de facilitar o transporte do material de propaganda. Assevera ainda que não houve doação de pessoa jurídica, pois as mochilas pertenciam ao próprio candidato, adquiridas na época em que atuava como administrador de posto de combustíveis, e a ele devolvidas ao final da campanha.

Postas as versões sobre os fatos, é necessário consignar que, à semelhança do abuso de poder político e econômico, a configuração da irregularidade delineada no art. 30-A da Lei n. 9504/97, na esteira da jurisprudência do TSE, “exige não apenas a ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito”. (REspE n. 172, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 03.02.2017, Página 119-120.)

No entanto, tem-se que os recorrentes não se desincumbiram do ônus probatório de trazer aos autos elementos mínimos acerca do caráter ilícito das condutas aventadas.

Ainda que se admita que o festejo de aniversário transmudou-se em evento de campanha, a gratuidade da distribuição de alimentos aos presentes, por si só, não caracteriza ilícito eleitoral, consoante jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.) (Grifei.)

O acervo probatório não fornece elementos mínimos acerca de eventual abuso de poder ou mercantilização do voto no contexto narrado.

Ademais, não bastam meras irregularidades formais no controle de gastos, que devem ser apuradas em prestação de contas, com a pertinente consequência para tanto. A caracterização do ilícito previsto no art. 30-A da Lei das Eleições requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, burlando as regras de arrecadação e gastos eleitorais, com a consequente vantagem sobre os demais candidatos.

Cito a lição de Rodrigo López Zilio:

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

(Recurso Ordinário n. 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.4.2009). (Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 674.)

Sobre o tema, especialmente no tocante à pretensa “distribuição” de mochilas, a julgadora monocrática analisou a prova de forma minudente:

Por fim, com relação à pretensa distribuição de bens (mochilas) e gêneros alimentícios durante festa de aniversário do candidato Leonir Fonseca, não foi produzida, mais uma vez, prova suficiente para legitimar a condenação postulada.  O depoimento da informante Isabel da Silva não trouxe qualquer evidência de distribuição irregular de bens. A informante confirmou que houve comemoração do aniversário de Leonir Fonseca em que estavam presentes diversas pessoas. Além dos gêneros alimentícios corriqueiramente servidos em festas de aniversário, não foi comprovada a distribuição de outros bens.  Quanto à utilização de mochilas, a depoente esclareceu que elas seriam utilizadas pelos cabos eleitorais de Leonir Fonseca. Estas mochilas eram emprestadas às pessoas que trabalhavam na campanha. Foram devolvidas após o trabalho. Foram elas adesivadas com propaganda do candidato Leonir. Afirmou que as mochilas seriam sobra de brindes doados pela empresa Shell durante a época em que Leonir era sócio de posto de abastecimento de combustíveis.  Não há, portanto, comprovação de distribuição irregular de bens. Embora as mochilas sejam provenientes de empresa privada, não há evidência de que tal empresa tenha efetuado contribuição para a campanha do candidato. O que houve, ao que tudo indica, foi a utilização de bens (que se encontravam na posse do próprio candidato Leonir) como materiais de apoio a seus colaboradores. Não há prova de que a empresa Shell tenha doado tais mochilas para a campanha eleitoral, o que corrobora a tese da defesa de que se tratava de cessão de uso de bens móveis próprios do candidato. Com relação a eles, aliás, considerado o baixo valor, sequer se faria necessária a emissão de recibos eleitorais nos termos do art. 6º, §3º, I, da Res. TSE n. 23.463/15:  Art. 6º Deverá ser emitido recibo eleitoral de toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet. (...) § 3º Não se submetem à emissão do recibo eleitoral previsto no caput: I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por cedente; Assim sendo, não há razão para cassação de registro ou diploma, seja pela ausência de comprovação de distribuição irregular de bens (alimentos em festa de aniversários), seja pela falta de prova da sua origem ilícita (mochilas).

Como se observa, o conjunto probatório, quanto a todas as imputações, é frágil, merecendo ser integralmente mantida a sentença de improcedência.

 

Dessa forma, à míngua de prova contundente, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter integralmente a sentença de improcedência.