RE - 24046 - Sessão: 02/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Giruá, contra sentença do Juízo da 127ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista o recebimento de recursos estimáveis em dinheiro – doações de combustíveis e lubrificantes provenientes de pessoas físicas – sem que tenham transitado pela conta bancária de campanha (fls. 445-448v.).

Em suas razões (fls. 458-467), alega ser viável a doação de combustível na forma estimável em dinheiro. Sustenta que os doadores autorizaram o candidato a abastecer o veículo vinculado à campanha em estabelecimento no qual possuíam “verdadeira conta corrente”, procedimento usual em município do interior do estado. Argumenta que não houve sonegação de qualquer informação à Justiça Eleitoral, não havendo prejuízo à transparência. Aduz serem mínimos os valores doados na modalidade tida como irregular, e requer a aplicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Argumenta que os valores apontados sequer necessitariam ser declarados, considerando o disposto no art. 27 da Lei n. 9.504/97. Pugna pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar as contas, mesmo que com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela nulidade da sentença, por omitir-se em analisar fatos trazidos na impugnação e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 472-482).

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no dia 23.01.2017 (fl. 456), ao que se seguiu a interposição do recurso no dia 25 do mesmo mês (fl. 458).

Nulidade da sentença

Ainda em matéria preliminar, o douto Procurador Regional Eleitoral suscitou preliminar de nulidade da sentença, pois o juízo de primeiro grau deixou de analisar os fatos 3, 4 e 5 noticiados na impugnação oferecida pela Coligação Muito Mais por Giruá, pois seriam analisados em ação específica, de cognição exauriente.

Reproduzo a sentença (fl. 448 e v.):

No que diz respeito ao 3º, 4º, 5º fatos descritos na impugnação – irregularidades na contratação da empresa individual Henri Naumann, cujos serviços foram recebidos pelos candidatos impugnados, no valor de R$ 14.000,00 (catorze mil reais), através de doação do Diretório do PP, e eventual irregularidade na contratação, ausência de despesas do contador e ausência de despesas de combustíveis decorrentes da carreata realizada em 25.9.2016, vislumbro que estes são objeto de ações eleitorais específicas a lá serão apreciadas, onde a cognição é exauriente.

Aduz o órgão ministerial que cada ação possui objeto e requisitos próprios, não havendo litispendência entre a prestação de contas e a ação por arrecadação e gastos irregulares de campanha, estando o juiz obrigado a examinar as alegações tecidas na impugnação.

A nulidade não merece prosperar.

Não se duvida de que o processo de prestação de contas e a ação para apurar arrecadação e gastos ilícitos de campanha possuem objetos distintos e consectários próprios, a serem tomados em consideração para o julgamento de cada uma.

Todavia, não se vislumbra, no presente caso, a negativa de prestação jurisdicional nem o prejuízo à análise das denúncias trazidas na impugnação.

Inicialmente, cumpre registrar que a impugnação à prestação de contas não instaura uma ação contra o prestador, com dilação probatória, diligências e alegações finais. Pelo contrário, a impugnação de que trata o art. 51 da Resolução TSE n. 23.463/15 destina-se a trazer ao juízo indícios e notícias de irregularidades ou impropriedades na contabilidade de campanha.

Por tal característica, pode-se dizer que a impugnação é vocacionada a suscitar temas passíveis de demonstração documental, para serem confrontados com as anotações de receitas e gastos eleitorais.

No caso dos autos, a impugnação trouxe notícia de distribuição de combustível – adquirido com recursos não contabilizados – para uma grande carreata, não trazendo prova direta da alegação, mas meramente fotografias de veículos e vales-combustível.

A natureza da notícia e dos indícios apresentados não permitia a sua devida apuração no rito da prestação de contas, mas apenas em procedimento de cognição exauriente. Assim, em vez de empregar à prestação de contas um rito incompatível, o juízo concentrou a análise dessa denúncia na representação do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, a qual teve por objeto os mesmos fatos ora impugnados.

Evitou-se, assim, uma sobreposição de diligências, sem negar, entretanto, a resposta jurisdicional aos fatos, devidamente apurados a analisados nos autos da AIJE n. 254-30.

Relativamente ao 3º e 4º fatos da impugnação, estes trazem impropriedades que foram esclarecidas em primeiro grau e que podem ser analisadas nesta instância por força do art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC, não havendo prejuízo ao controle judicial das contas.

Pelo exposto, afasto a preliminar suscitada.

 

MÉRITO:

Passando ao mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão da ocorrência de doações estimáveis em dinheiro de pessoas físicas que não atenderam ao disposto no art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, visto que não se tratava de produto de seu próprio serviço ou de suas atividades econômicas (combustíveis).

Reproduzo o dispositivo:

art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Estas doações, no valor total de R$ 8.900,00, originaram-se de diversas pessoas jurídicas, conforme anotado na sentença (fl. 446):

No caso, o órgão partidário recebeu doação de Carlos Oberti Scherer, realizadas no dia 19.9.2016, no valor de R$ 2.100,00; no dia 22.9.2016, no valor de R$ 650,00; e no dia 25.9.2016, no valor de R$ 1.150,00, adquiridos da empresa B.F. Comércio de Combustíveis Ltda. (fls. 373, 375 e 377); de Leandro Martins Kleyn, no dia 19.9.2016, no valor de R$ 2.000,00, adquirido no Comércio de Combustíveis Giruá Ltda. - Posto São Paulo (fl. 379); de Roque Lazeri, no dia 23.9.2016, no valor de R$ 2.000,00, também adquirido no Posto São Paulo (fl. 381) e de Francisco Welter, no dia 25.9.2016, no valor de R$ 1.000,00, novamente adquirido no Posto São Paulo (fl. 383), totalizando R$ 8.900,00.

O montante irregular – R$ 8.900,00 – representa 10,46% do total arrecadado na campanha eleitoral – R$ 85.027,57 (fl. 363).

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total – em torno de 10% dos recursos –, desde que evidenciada a boa-fé do prestador, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

Na hipótese, o valor irregular representa pouco mais de 10% da movimentação total de recursos, sendo incapaz de prejudicar a fiscalização e a confiabilidade do conjunto das contas.

Registre-se ainda que os doadores, embora tenham realizado doação estimável em dinheiro em contrariedade à disposição do art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, foram perfeitamente identificados, com seus CPFs e datas da doação (fl. 421 e v.).

Este Tribunal tem analisado a mesma irregularidade, apurada na prestação de contas de vereadores de Giruá, concluindo, em regra, pela sua aprovação com ressalvas, pois esclarecida a origem do valor, e ausente o prejuízo à confiabilidade das contas, conforme se extrai da ementa que segue:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DOAÇÕES ESTIMADAS EM DINHEIRO. BENS QUE NÃO INTEGRAVAM O PATRIMÔNIO DOS DOADORES. VALORES NÃO MOVIMENTADOS EM CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. MONTANTE INEXPRESSIVO. IDENTIFICAÇÃO DOS DOADORES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016.

Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio. Art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Recursos para campanha do candidato por meio de doações de combustíveis e lubrificantes em desacordo com a legislação eleitoral. Bens doados não pertencentes ao patrimônio dos doadores e que tampouco constituíam produto do seu próprio serviço ou atividade econômica. Embora irregular e sem o necessário trânsito pela conta de campanha, o percentual correspondente é inexpressivo em relação ao total de recursos arrecadados. Identificados os doadores e a data da doação. Aprovação com ressalvas.

Parcial provimento.

(RE 149-53, Rel. Dr. Jamil A. H. Bannura, julgado em 20.6.2017.)

Dessa forma, considerando a baixa repercussão em face do montante total de gastos e a evidência de boa-fé do prestador, a irregularidade na doação de combustíveis não é capaz de macular a confiabilidade das contas.

Por fim, relativamente ao 3º e 4º fatos descritos na impugnação, as falhas apontadas igualmente não causam prejuízo à apreciação das contas.

O 3º fato aponta as seguintes irregularidades na contratação da empresa individual Henry Nauman: prestação do serviço de comunicação e marketing no dia 03.10.2016 – embora o contrato tenha previsto o dia 02.10.2016 como termo, assinatura por pessoa despida de poderes de representação da empresa, e ausência de identificação dos subcontratados que prestaram o serviço.

As situações foram esclarecidas nas folhas 134 a 139 do apenso, tanto que as aludidas irregularidades constaram no parecer para expedição de diligências, mas não foram mencionadas no parecer conclusivo.

No tocante ao 4º fato, alusivo à ausência de despesas com contador, o art. 29, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15 exclui dos gastos eleitorais os valores despendidos na contratação desse profissional técnico quando destinado unicamente à elaboração das contas.

Dessa forma, como as falhas não se afiguram graves a ponto de prejudicar a confiabilidade das contas apresentadas, estas devem ser aprovadas com ressalvas, restando afastada, por consequência, a determinação de suspensão do repasse de quotas do fundo partidário.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas.