RE - 39941 - Sessão: 14/06/2017 às 17:00

 

VOTO VISTA

Senhor Presidente,

Ilustres Colegas:

 

Na sessão de 06 de junho p.p., após o exaustivo voto do Dr. Bainy, pedi vista dos autos para melhor analisar a prova coligida, especialmente ante a gravidade de que se reveste, no caso concreto, o acolhimento da representação aviada contra os recorrentes ALDI MINETTO e LUCIANO VANDERLEI LUTZER, eleitos para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Vitória das Missões. E o pedido de vista foi realizado, justamente, para analisar o áudio que instruiu o pedido inaugural (fl. 44) e no qual consta a prática de captação ilícita de sufrágio, nomeadamente da eleitora Cláudia Heidmann da Silva.

Registro, primeiramente, tal como o fizeram a sentença do Juízo Eleitoral de piso e o voto do Relator, que afasto, igualmente, a preliminar de nulidade/imprestabilidade da gravação ambiental levada a efeito no caso concreto e na qual se encetaram as tratativas tendentes a fazer com que a esposa de Daniel Giordani Maciel, a Sra. Daiane Müller Colleto, desistisse de assumir a sua vaga no concurso de agente de saúde do município (2ª colocada) para o efeito de, assim, fazer com Cláudia (3ª colocada) lograsse ingressar no quadro específico de funcionários da municipalidade.

Nesse sentido, o STF, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral no recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Comarca do Estado do Rio de janeiro, reafirmando, ao fim e ao cabo, a jurisprudência da Corte de admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, acabando por dar provimento ao apelo extremo da Defensoria Pública para anular o processo desde o indeferimento da prova tida, então, como admissível (por todos, consulte-se o RE n. 583937 QO/RJ, Rel. o Min. Cezar Peluso, em 19.11.2009).

Consigno, igualmente, que a agenda do recorrente Aldi Minetto, inadvertidamente deixada por ele em um estabelecimento comercial de Vitória das Missões, e que também serviu de base ao pedido efetuado na origem pelos recorridos, não pode - e nem deve - ser utilizada no caso como elemento de prova e de convicção, já que obtida por meio escuso, à margem dos direitos e garantias fundamentais, especialmente porque, como deixa entrever o vídeo de fl. 44, uma senhora se apossou indevidamente daquele documento, sem a autorização de Aldi e, a partir daí, passaram a ser realizadas indevidas cópias reprográficas do teor da malsinada agenda. Por isso, imprestáveis, como gizado pelo eminente Relator, os documentos de fls. 20/43 dos autos.

Tangente ao mérito, porém, tal como o fez o eminente Dr. Bainy, estou, também, em confirmar a sentença, ao efeito de cassar os diplomas de ALDI MINETTO e LUCIANO VANDERLEI LUTZER, eleitos Prefeito e Vice-Prefeito, respectivamente, do Município de Vitória das Missões, por violação ao expresso no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e, bem assim, aplicando-lhes a multa no valor convertido de R$ 21.282,00 para cada um.

O áudio de fl. 44 - vídeo "da vaga 2" - comprova que Daniel já havia feito proposta anterior à testemunha Cláudia no sentido de que a mulher do primeiro, classificada em segundo lugar em certame público, "desistiria" da nomeação ao cargo de agente de saúde para que Cláudia o assumisse, já que era a terceira colocada no concurso. O diálogo travado deixa transparecer isso claramente, exatamente no trecho reproduzido no parecer do Ministério Público neste grau de jurisdição (fl. 251) e, bem assim, no voto do ilustre Relator (página 11 do acórdão), sem que daí se infira tenha a testemunha procurado induzir Daniel e Aldi. Este, ao final do trecho destacado, assevera que estaria "aí para avalizar" a situação.

Tem-se aí, infelizmente, a conjugação de todos os elementos necessários à captação ilícita de sufrágio, como previsto no antedito art. 41-A da Lei das Eleições, a saber, (i) o oferecimento, ou, quando menos, a promessa de vantagem pessoal à eleitora Cláudia, consistente na desistência de nomeação para que ela assumisse o cargo público para o qual fora aprovada; (ii) o fim especial de agir, caracterizado na obtenção do voto de Cláudia e, por fim (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral. E Daniel, na sequência do diálogo com a testemunha, ratifica que já teria trazido sua esposa Daiane para falar com Cláudia a fim de confirmar que esta também anuíra com o "brique", na expressão de Daniel.

Nesse sentido, o controle das fraudes eleitorais, da corrupção e as chamadas "práticas sujas" é objetivo de qualquer sistema de regulação de candidatos e partidos políticos. E esse o objetivo maior dos dispositivos aqui invocados, todos da Lei  n. 9.504/97.

Quando uma eleição é levada a cabo, é essencial assegurar que todos os cidadãos tenham confiança na integridade do processo, independentemente de terem apoiado os ganhadores ou os perdedores. A seriedade da fraude eleitoral, da corrupção e as práticas injustas põem em dúvida a confiabilidade do processo eleitoral e, dessa forma, vulneram a própria democracia.

Muito provavelmente, se a maioria dos eleitores tivesse a possibilidade de saber ou estar informada antes do pleito de que os recorrentes agiram da forma como agiram, talvez não teriam neles votado. Pelo menos este é o sentido e o alcance da norma proibitiva do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, para que se proclame em alto e bom som que quem "ganhou a eleição" o fez de maneira ilícita, especialmente em município de dimensões pequenas e de um colégio eleitoral igualmente restrito. O "jus", vale dizer, o Direito Eleitoral, não pode levar e chancelar o "injus", isto é, as práticas ilícitas que afetam diretamente a soberania popular.

A captação ilícita de sufrágio, tal como foi vista no caso concreto, é uma espécie de corrupção eleitoral, justamente porque parte da ideia de oferecer, prometer, dar, entregar um bem ou vantagem, ou, simplesmente, benefícios ilegais como forma de recompensa aos eleitores a fim de angariarem seus votos, violando-se com isso a própria vontade expressa nas urnas. E, nesse contexto, a sanção prevista na Lei das Eleições para essa espécie de espúria conduta deve ser, sim, a cassação dos mandatos e a imposição de multa, tal como realizado pela sentença do ilustre julgador singular.

Por isso, voto, também, Senhor Presidente, pelo desprovimento do recurso, confirmando a bem-lançada sentença do Juiz da 45ª Zona Eleitoral, em todos os seus termos, com as consequências dispostas nas alíneas "a" a "c" do voto do eminente Relator.