E.Dcl. - 482 - Sessão: 14/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos por IRTON BERTOLDO FELLER e MARIZETE GARCIA PINHEIRO em face do acórdão das fls. 555 a 564 que, por unanimidade, negou provimento ao recurso, para manter a sentença de indeferimento do registro de candidatura de Irton Bertoldo Feller.

Em suas razões, Irton Bertoldo Feller sustenta haver omissão: (a) quanto à alegação de que as irregularidades praticadas não foram praticadas pelo candidato, pois não eram de sua atribuição, conforme estatuto social da CORAG; (b) quanto à alegação de irretroatividade da denominada Lei da Ficha Limpa. Requer sejam supridas as omissões apontadas.

Marizete Garcia Pinheiro sustenta haver obscuridade: (a) no ponto em que reconhece ordem do Ministro Gilmar Mendes para que o juízo de primeiro grau analisasse o pedido de registro de candidatura nos autos da cautelar; (b) quanto à capacidade de ser proferida sentença sem os principais documentos do registro de candidatura; e (c) no tocante à competência da Justiça Eleitoral para apreciar a presença de improbidade, ausência de má-fé de Irton Feller e cronologia dos fatos. Por fim, sustenta haver omissão no tocante à falta de dolo por parte do candidato, pois dividia a direção da companhia com outros gestores.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, os embargantes sustentam haver omissão quanto ao efetivo dolo do candidato, tendo em vista que os atos irregulares foram praticados em subordinação ao Conselho de Administração, além de ser dividida a gestão da companhia com outros diretores.

A alegada omissão não prospera. O acórdão analisou, em cada fato apontado como irregular pelo Tribunal de Contas, a ciência do candidato a respeito dos fatos, atendo-se às conclusões da Corte de Contas do Estado, a qual aponta o candidato como o responsável legal pela gestão financeira da Corag, o que lhe confere, por lei, o dever de tutelar pela regularidade dos gastos realizados pela entidade.

Ademais, embora a defesa alegue que o candidato agiu em subordinação ao Conselho de Administração, não demonstra quais fatos, especificamente, foi o candidato obrigado a praticar em razão dessa subordinação. Em determinada passagem, o acórdão reproduz decisão da Corte de Contas no sentido de não haver “informação de terem sido os gastos legitimados por órgão competente e/ou amparados em normativa própria” (fl. 561v.).

O embargante Irton Feller requer ainda a manifestação do Tribunal a respeito da irretroatividade da denominada Lei da Ficha Limpa, editada em 2010, após a prática dos atos irregulares (gestão do exercício 2006).

O egrégio STF já definiu que a inelegibilidade é um requisito negativo a ser observado no momento do pedido de registro de candidatura, de acordo com a legislação vigente ao seu tempo, conforme se extrai da seguinte ementa:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). […]

(STF, ADC 29, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012 RTJ VOL-00221-01 PP-00011.)

A inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90 é prevista como decorrência automática e obrigatória da condenação pelo Tribunal de Contas, quando preenchidos os requisitos do aludido dispositivo.

O precedente citado pelo recorrente (RE n. 929670) refere-se, unicamente, à inelegibilidade do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, prevista como sanção a ser aplicada de forma fundamentada por atos de abuso de poder, hipótese distinta da verificada nestes autos.

Marizete Pinheiro aduz haver obscuridade no acórdão embargado ao reconhecer que a sentença foi proferida em observância à ordem do Ministro Gilmar Mendes, a qual não poderia determinar que o registro de candidatura fosse julgado nos autos da ação cautelar.

Aduz ainda haver obscuridade ao reconhecer que a sentença foi proferida sem a integralidade dos documentos do processo de registro de candidatura, fundamentais para a apreciação da causa, mas, apesar disso, reafirmou a sua validade.

Não se verifica a pretendida obscuridade.

O acórdão embargado reconheceu expressamente que, nos autos da Ação Cautelar n. 0602927-22.6.00.0000, o Min. Gilmar Mendes “determinou ao juízo competente que procedesse 'com a máxima urgência à análise do pedido de registro de candidatura” (fl. 557).

A ordem acima referida não condicionou a nova decisão ao retorno dos autos principais ao primeiro grau. Pelo contrário, admitiu que a decisão fosse proferida antes, quando determinou a remessa de cópias dos autos principais ao juízo sentenciante.

Todavia, o juízo de primeiro grau, ao receber a ação cautelar, entendeu dispor dos documentos suficientes para resolver o registro de candidatura, embora não tivesse recebido todas as cópias da ação principal.

A enumeração dos documentos presentes ou ausentes na ação cautelar restou irrelevante diante da ausência de razões para a invalidade da decisão, pois: (a) a sentença cumpriu os requisitos do art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil; (b) os fatos foram adequadamente identificados, sem que a defesa pontuasse equívocos na sua caracterização; e (c) as partes puderam exercer plenamente a ampla defesa, como se verifica pela seguinte passagem:

Ademais, a sentença mostra-se devidamente fundamentada, com a caracterização da matéria fática e fundamento jurídico, não se verificando a alegada insuficiência de fundamentação.

O recorrente aduz que a decisão não cumpriu integralmente os requisitos do art. 489, § 1º, do CPC, notadamente a necessidade de explicar a relação do ato normativo com a causa em questão (I), explicar o motivo concreto da incidência dos conceitos jurídicos (II) e enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo capazes de infirmar a conclusão do julgamento (IV).

Entretanto, verifica-se o preenchimento dessas condições.

Os fatos considerados como ímprobos foram identificados na sentença, esclarecendo o magistrado em quais hipóteses da Lei n. 8.429/92 eles se enquadravam, além de afastar as teses defensivas, como a de absolvição na seara penal.

Assim, a ausência da integralidade dos documentos da ação principal não acarretou a alegada carência de fundamentação da sentença.

Importante destacar, ainda, que não foi demonstrado prejuízo à parte recorrente, requisito fundamental para o reconhecimento de nulidades, pelo princípio da instrumentalidade das formas.

Os fatos que deram ensejo à inelegibilidade do candidato foram identificados e puderam ser pontualmente rebatidos pelo recorrente. Neste ponto, relevante destacar que o recurso não aponta erro nos fatos considerados pelo magistrado, nem nega seu reconhecimento pelo Tribunal de Contas do Estado. Apenas apresenta circunstâncias diversas com o intuito de modificar a percepção judicial a seu respeito, como ausência de dolo, má-fé ou responsabilidade do candidato.

Tal circunstância evidencia que a falta da integralidade dos documentos não trouxe prejuízo à apreciação do caso.

A embargante ainda sustenta haver obscuridade quanto à competência da Justiça Eleitoral, alegação que não prospera, pois o acórdão embargado registra ser competência da Justiça Eleitoral verificar, entre as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas, quais se afiguram como improbidade administrativa, para fins de caracterização da inelegibilidade, conforme pacífica jurisprudência, mencionada no acórdão.

Por fim, os embargos aduzem obscuridade quanto ao prévio reconhecimento da irregularidade acerca dos gastos incompatíveis com a finalidade da Companhia.

Dessa forma, acolho os embargos para o único efeito de agregar ao acórdão embargado a fundamentação supra.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por conhecer e acolher os embargos, para agregar ao acórdão embargado a fundamentação supra, a qual é incapaz de modificar a sua conclusão.