RE - 321 - Sessão: 25/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Arvorezinha contra a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra ALVARO LUIZ FORNARI SALVATORI, candidato a vereador no pleito de 2016, considerando não estar caracterizado o abuso de poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação social (fls. 157-162).

Em suas razões recursais (fls. 164-169), sustenta que o recorrido utilizou-se indevidamente do jornal Eco Regional, pois, na condição de participante do movimento “Mobiliza”, que defende a redução da remuneração dos vereadores, teve sua imagem divulgada em diversas matérias jornalísticas, “com exposição desproporcional de um candidato em detrimento de outro”. Além disso, assevera que, às vésperas do pleito, o semanário local noticiou, em prejuízo dos demais candidatos, a declaração pública feita por Álvaro de que, caso eleito, doaria 40% do seu “salário” de vereador. Ao final, pugna pela reforma da decisão para que seja julgada procedente a demanda.

Em contrarrazões (fls. 173-185), o recorrido alega que o movimento “Mobiliza” encerrou suas ações no final de 2015 e que não foram divulgadas reportagens durante o período de campanha eleitoral. Afirma que não financiou o movimento e que o periódico em questão oferecia espaço a todos os candidatos para divulgação de suas promessas de campanha. Requereu a manutenção da decisão combatida.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 188-190v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. A sentença foi publicada no dia 20.3.2017 (fl. 163), e o recurso, interposto no dia 23 do mesmo mês.

No mérito, sustenta o recorrente a ocorrência de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, pois o candidato teria recebido tratamento privilegiado por parte do jornal Eco Regional, em detrimento dos demais disputantes ao pleito.

O abuso do poder econômico e o uso indevido dos meios de comunicação social está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder, em qualquer das formas insculpidas no dispositivo transcrito, é instituto de textura aberta, não sendo definido por fórmulas legais taxativas, mas pelo conteúdo teleológico ou finalístico da conduta, qual seja, ações ou omissões que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica ou do emprego regular dos veículos de imprensa, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Rodrigo Lopez Zílio (Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 540-541):

O abuso de poder econômico, o abuso de poder político, o abuso de poder de autoridade, a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e a transgressão de valores pecuniários se caracterizam como conceitos jurídicos indeterminados que, necessariamente, passam a existir no mundo jurídico após o fenômeno da recepção fáctica. Portanto, para a caracterização de tais abusos, na esfera eleitoral, prescinde-se do fenômeno da taxatividade.

Em reforço, colho a lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 310-311):

No Direito Eleitoral, por abuso de poder compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a se exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de se influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

Destarte, o reconhecimento do abuso ou do uso indevido dos meios de comunicação social não resulta da subsunção das condutas a tipos legais fechados, mas da verificação da gravidade dos fatos, direcionados a influenciar o eleitorado e capazes de interferir na normalidade e na legitimidade do pleito.

Nesse sentido é a jurisprudência, como se verifica pela seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ENTIDADE SINDICAL. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em Direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar as severas sanções previstas na LC nº 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, da LC nº 64/1990).

2. A normalidade e a legitimidade do pleito, referidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida assim como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe nº 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

4. Conquanto algumas das publicidades realizadas pelo sindicato tenham sido julgadas regulares pela Justiça Eleitoral, outras extrapolaram os limites da liberdade de expressão e revelaram propaganda eleitoral negativa. Contudo, não há, na hipótese dos autos, fato grave a ensejar condenação, pois, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Entendimento que não exclui a possibilidade de eventuais publicidades irregulares serem analisadas em outra ação e em conjunto com outros possíveis ilícitos eleitorais. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, "a caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes" (REspe nº 518-96/SP, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 22.10.2015).

5. Recurso ordinário desprovido.

(Recurso Ordinário n. 457327, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data 26.9.2016, Página 138-139.) (Grifei.)

Cumpre repisar, ainda, que nos termos do entendimento consagrado no âmbito do TSE, “a aplicação das sanções previstas no art. 22 da LC n. 64/90 impõe a existência ex ante de prova inconteste e contundente da ocorrência do abuso, não podendo estar ancorada em conjecturas e presunções” (REspE n. 85587, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA LÓSSIO, DJE, Tomo 92, Data 12.5.2017, Página 32).

Na hipótese dos autos, evidencia-se que, em setembro de 2015, na comunidade de Arvorezinha, constituiu-se um movimento popular chamado “Mobiliza Arvorezinha”, cujo escopo principal era a redução do subsídio dos vereadores da localidade.

A referida ação visou angariar assinaturas de apoio a projeto de lei que reduziria para um salário mínimo a retribuição financeira aos membros da Câmara Legislativa Municipal (fls. 09-16).

O recorrido Alvaro Luiz Fornari Salvatori atuou como “secretário” do referido movimento popular (fl. 10).

Por sua vez, o jornal “Eco Regional” claramente adotou posição editorial favorável à ação política da comunidade, noticiando e enfatizando as ideias e iniciativas do movimento – até porque a presidente da mobilização, Carla Pompermaier, como é possível inferir pela prova oral produzida, é também proprietária do periódico.

Da análise da prova posta, não se extrai que as publicações realizadas tiveram potencial para promover exacerbadamente determinada pessoa, a prejudicar a paridade de oportunidades entre os candidatos no contexto eleitoral.

As matérias nas folhas 17-29 demonstram que o movimento principiou e findou as suas ações durante o segundo semestre de 2015, ano não eleitoral, e que as matérias jornalísticas foram divulgadas no mesmo interstício, atenuando o potencial de influência sobre a campanha eleitoral do ano subsequente.

Ademais, constata-se que as publicações restringiram-se à divulgação do próprio movimento em si, de suas ações e conquistas e do projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal, ainda que com conotação de convencimento acerca da qualidade daquele ideário. Porém, não houve suplantação dos limites do legítimo exercício da liberdade de comunicação e informação pela imprensa escrita.

Não se vislumbra elemento de promoção ou exposição de qualquer candidato em especial, nas reportagens questionadas. O recorrido, quando ocasionalmente indicado, é nelas apresentado sem qualquer destaque ou deferência excepcional, posto ao lado de outros cidadãos com o mesmo espaço e conteúdo textual, como exemplificações de apoiadores da causa defendida pelo movimento.

Nesse cenário, não tem relevância a narrativa recursal de que Alvaro teria despendido R$ 500,00 em recursos próprios para financiar a colheita de assinaturas de apoio ao projeto de lei. Primeiramente, o argumento está desamparado de elementos de prova a lhe darem suporte. Em segundo, a conduta, realizada fora da circunstância eleitoral, externa ao Poder Público, utilizando um quantum irrisório, não é abusiva ou desproporcional sob a óptica do art. 22, inc. XVI, da Lei das Inelegibilidades.

As mesmas conclusões anteriores são depreendidas da análise da matéria divulgada pelo veículo de comunicação, na data de 30.9.2016, em que há destaque ao fato de que “Alvaro Salvatori se compromete a doar 40% do salário, caso seja eleito” (fl. 30).

Com efeito, a divulgação relata as experiências e plataformas de campanha de Alvaro, então candidato à Câmara Municipal pelo PDT. No entanto, não há dissonância entre essa e a exposição oferecida pelo periódico a outros concorrentes vinculados a agremiações diversas, todos divulgados em uma série de colunas envolvendo o perfil dos disputantes ao pleito.

Quanto ao teor da promessa em si, nada há de ilícito ou anômalo a indicar abuso, consoante bem pontuou o magistrado à origem:

Acrescenta-se, nessa linha, que a divulgação de promessa de campanha de candidatos não é apenas permitida pelo ordenamento jurídico, como também fomentada em razão do direito à informação e da liberdade de propaganda e expressão, punindo-se tão somente os eventuais excessos, na forma da lei. Reforça-se que promessas genéricas (no caso, compromisso de doar 40% do “salário”, caso eleito), por si só, não caracterizam abuso de poder econômico, porquanto não ultrapassam promessas de campanha semelhantes a diversas outras promessas, tais como construção de escolas, presídios, criação de novos empregos etc.

Vê-se que foram publicadas matérias com características semelhantes em relação a outros candidatos à vereança, tais como Simone Prior Dorigoni (PDT) e Osmar Desengrini (PDT), em 23.9.2016, Maurício Camargo (PP), em 16 e 30.9.2016, e Marta dos Santos Secco (PSDB), em 16.9.2016 (fls. 131-135).

Diante disso, tenho que a gravidade das circunstâncias, necessária para a configuração do abuso de poder econômico ou do uso indevido dos meios de comunicação social, não restou evidente.

A dimensão dos fatos demonstrados no processo não desborda da normalidade e do razoável nem ostenta aptidão para prejudicar a legitimidade do pleito ou a isonomia entre os concorrentes.

Dessa forma, não se verifica a presença do abuso de poder econômico ou do uso indevido dos meios de comunicação social pretendida pelo recorrente, impondo-se a manutenção da sentença de improcedência da demanda.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.