RE - 19113 - Sessão: 08/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO PARA ARROIO GRANDE VOLTAR A CRESCER contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (fls. 178-182v.) ajuizada em face de LUIS HENRIQUE PEREIRA DA SILVA e IVAN ANTÔNIO GUEVARA LOPES, considerando não estar caracterizado o abuso de poder político e econômico pela distribuição de programa social com a finalidade de obter benefício eleitoral.

Em suas razões (fls. 187-193), argumenta ter havido um acréscimo dos gastos no ano de 2016 com o programa “Cartão Cidadão”, em relação ao ano de 2015. Aduz que houve aumento de mais de R$ 90.000,00 e que dobrou o número de famílias beneficiadas, números  aptos a macular a legitimidade do pleito em um pequeno município. Requer a procedência da ação, com os consectários legais.

Com as contrarrazões (fls. 196-202), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 204-209).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. A sentença foi publicada no dia 21.3.2017 (fl. 183), terça-feira, e o recurso, interposto no dia 27 do mesmo mês, segunda-feira seguinte. Levando em consideração que dia 24.3.2017, sexta-feira, foi feriado local (fl. 210), merece ser conhecido, portanto.

No mérito, sustenta a recorrente que, no ano de 2016, houve um aumento na distribuição do programa "Cartão Cidadão" – o qual permite aos beneficiários o saque de R$ 50,00 junto à Caixa Econômica Federal –, configurando abuso de poder político em benefício dos recorridos.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

A vedação ao abuso de poder vale-se de norma com textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade.

(Elementos de Direito Eleitoral, 2ª ed., 2010, p. 377.)

Considerando que a vedação ao abuso preserva de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente. É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90:

art. 22  [...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos.

(Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663.)

Na hipótese, aduz a recorrente que houve um aumento de mais de R$ 90.000,00 dos gastos com assistência social em relação ao ano de 2015, e um incremento no número de famílias atendidas, passando de 237, em 2015, para 542, em 2016.

Em que pese o aumento dos números envolvendo o aludido programa, verifica-se correto o juízo de improcedência da ação.

O programa "Cartão Cidadão", pelo qual são transferidos R$ 50,00 por mês a famílias carentes cadastradas na prefeitura, foi implementado pela Lei n. 2.810/15 (fls. 9-11), e somente entrou em efetivo funcionamento em outubro de 2015, como se verifica pela anotação de empenhos (fls. 13-14) e pela lista de beneficiários apresentada pela CEF (fl. 99).

A referida lista de famílias cadastradas também permite verificar o aumento de beneficiários mês a mês (fls. 99-153), iniciando – como pontua o Ministério Público de primeiro grau – com 127 famílias em outubro de 2015, passando a 232 em 2016, e chegando a 542 em agosto de 2016 (fl. 159v.).

Considerando que o programa apenas foi iniciado em outubro de 2015, mostra-se natural o aumento paulatino de famílias cadastradas, acompanhado do incremento do valor investido em 2016 em relação aos gastos no ano de 2015, pois, neste exercício, foram computados apenas 03 meses de execução, contra 08 meses em 2016.

Ademais, como se pode verificar pela justificativa do projeto de lei que instituiu o programa, a sua finalidade era substituir a entrega de cestas básicas aos cidadãos de baixa renda por dinheiro em espécie, viabilizando tanto a escolha, pelo beneficiário, acerca da aplicação do valor, quanto maior distribuição de riqueza entre os estabelecimentos comerciais locais (fl. 52).

Analisando-se os gastos com cestas básicas em anos anteriores e as despesas com o programa "Cartão Cidadão", verifica-se que não houve um aumento dos dispêndios em benefícios sociais. Em 2008, foram gastos R$ 352.409,60 (fl. 62); em 2012, R$ 304.955,65 (fl. 67); e, em 2016, R$ 237.129,70.

O simples fato de que a Secretaria do Desenvolvimento Social (responsável pelos recursos das cestas básicas e, posteriormente, pelo "Cartão Cidadão") liberou mais verbas em 2016 do que em 2015 (R$ 237.129,70 contra R$ 144.680,00) não permite concluir que tenha havido abuso de poder político por parte dos representados.

O programa "Cartão Cidadão" fora implementado por lei e colocado em execução ainda no ano anterior ao pleito, e não instituiu novo benefício social, mas substituiu um programa que, em anos antecedentes, chegou a receber um aporte de recursos ainda maior.

Ademais, a toda evidência, as famílias beneficiárias foram previamente cadastradas, conforme condicionantes previstas na Lei Municipal n. 2.810/15, não se trazendo aos autos qualquer notícia de desvio de finalidade ou de desrespeito aos termos legais em benefício à campanha dos representados.

Registre-se também que não se vislumbra o aproveitamento desse programa na campanha dos representados. Como se vê no panfleto da folha 41, o "Cartão Cidadão" é citado entre outros benefícios e iniciativas da prefeitura, não recebendo destaque especial.

Assim, o mero aumento do repasse de valores para o programa "Cartão Cidadão" não serve à caracterização do abuso de poder político ou econômico, especialmente porque ausente qualquer indício do desvio de sua finalidade, tal como já se manifestou o Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97. DISTRIBUIÇÃO DE BENS. TABLETS. PROGRAMA ASSISTENCIALISTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONTINUIDADE DE POLÍTICA PÚBLICA. ABUSO DE PODER POLÍTICO. DESVIO DE FINALIDADE. BENEFÍCIO ELEITORAL. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Na espécie, a distribuição de tablets aos alunos da rede pública de ensino do Município de Vitória do Xingu/PA, por meio do denominado programa "escola digital", não configurou a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 pelos seguintes motivos:

a) não se tratou de programa assistencialista, mas de implemento de política pública educacional que já vinha sendo executada desde o ano anterior ao pleito. Precedentes.

b) os gastos com a manutenção dos serviços públicos não se enquadram na vedação do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. Precedentes.

c) como os tablets foram distribuídos em regime de comodato e somente poderiam ser utilizados pelos alunos durante o horário de aula, sendo logo depois restituídos à escola, também fica afastada a tipificação da conduta vedada, pois não houve qualquer benefício econômico direto aos estudantes. Precedentes.

d) a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos, além da exigência de contrapartidas a serem observadas pelos pais e alunos, também descaracterizam a conduta vedada em exame, pois não se configurou o elemento normativo segundo o qual "a distribuição de bens, valores ou benefícios" deve ocorrer de forma "gratuita". Precedentes.

2. O abuso do poder político caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros, o que não se verificou no caso. No ponto, a reforma do acórdão recorrido esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ.

3. Recurso especial eleitoral desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 55547, Acórdão, Relator Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 19-20)

Dessa forma, ausentes indícios do desvio de finalidade do programa social implementado, deve ser mantida a improcedência da ação.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.