RE - 31071 - Sessão: 14/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA REPÚBLICA (PR) contra decisão do Juízo da 92ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a representação ajuizada contra LUIS HENRIQUE PEREIRA DA SILVA, IVAN ANTÔNIO GUEVARA LOPEZ e COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR, concluindo não haver prova da alegada conduta vedada e captação ilícita de sufrágio imputada aos recorridos.

Nas razões recursais (fls. 151-165), sustenta que a prova dos fatos alegados não cabia exclusivamente ao autor da demanda, e destacou a falta de apresentação de documentos essenciais por parte dos representados. Aduz que os eleitores receberam materiais de construção sem prévia inscrição junto à prefeitura e laudo de estudo social, atestando a necessidade do benefício. Argumenta que o material era entregue sem a necessária nota de empenho, de modo informal, sem registros. Afirma que a eleitora Celina Hepp confirmou, em juízo, a compra de seu voto. Argumenta estar comprovada a oferta de uma casa e mais valor em dinheiro ao eleitor Vilson Souza. Requer a procedência da ação, com seus consectários legais.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 206-212).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão recorrida foi publicada no dia 01.12.2016 (fl. 146) e o recurso foi interposto no dia 04.12.2016 (fl. 151), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

Ainda em matéria preliminar, os recorridos suscitam a ilegitimidade ativa do Partido da República, pois este participou do pleito coligado com outras agremiações.

De fato, o partido que forma coligação para o pleito, de regra, não possui legitimidade para atuar de forma isolada, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

Todavia, correto o juízo firmado em primeiro grau, no sentido de que, após realizadas as eleições, os partidos coligados possam atuar de forma isolada, considerando possível que, após o pleito, as agremiações coligadas passem a ter interesses eventualmente divergentes.

Nesse sentido é a posição da jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. PARTIDO POLÍTICO. LEGITIMIDADE PARA ATUAR ISOLADAMENTE APÓS A ELEIÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, após a realização do pleito o partido político coligado tem legitimidade para, isoladamente, propor representações que envolvam a cassação de diplomas e/ou a imposição de inelegibilidade.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 69590, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 163, Data 02.9.2014, Página 104.)

Assim, considerando que a presente representação foi ajuizada após o pleito, impõe-se o reconhecimento da legitimidade ativa do partido recorrente.

No mérito, a representação imputa aos representados a distribuição de materiais de construção em troca do voto dos eleitores Nédio Caetano, Charlise Rodrigueiro e Celina Hepp, bem como a oferta de uma casa e a quantia de R$ 300,00 ao eleitor Vilson Souza em troca de seu voto, fatos que teriam caracterizado a conduta vedada, prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, e a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da mesma lei.

Relativamente à conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, assim dispõe o artigo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.

O aludido dispositivo busca resguardar a isonomia entre os candidatos, vedando aos agentes públicos não a execução de programas sociais, mas o seu uso promocional, a distribuição de bens ou serviços públicos com desvio de finalidade, para beneficiar a sua candidatura.

Assim leciona José Jairo Gomes:

Para a configuração do vertente inciso IV, é preciso que o agente use “distribuição gratuita de bens e serviços” em prol de candidato. Aqui não se trata de reprimir a distribuição em si mesma, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela se faça. Não se exige que durante o período eleitoral o programa social antes implantado seja abolido, ou tenha interrompida ou suspensa sua execução. Relevante para a caracterização da figura em exame é o desvirtuamento do sentido da própria distribuição, a sua colocação a serviço de candidatura, enfim, o seu uso político-promocional (Direito Eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 697)

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio é prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

O referido artigo tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, vedam-se a entrega ou a oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Assim, embora a jurisprudência não exija pedido expresso de voto, requer que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obter o voto do eleitor, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A:

Art. 41-A.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Passando à análise dos fatos, no tocante à primeira ocorrência, aduz a inicial que o eleitor Nédio Caetano recebeu materiais de construção da prefeitura em troca de seu voto.

O eleitor não foi ouvido em juízo, apenas seus vizinhos, os quais confirmaram o recebimento do material e as afirmações de Nédio de que havia solicitado os bens na Secretaria de Assistência Social há muito tempo, mas somente veio a recebê-los após cobrar do prefeito, Luis Henrique, a sua entrega.

Indagadas se haviam presenciado a conversa entre Nédio e Luis Henrique, as testemunhas afirmaram que não, e  que apenas souberam dos fatos pelo próprio eleitor.

A sentença bem descreveu as oitivas:

A testemunha Lauri Farias Barros, disse ser vizinho de Nedio Caetano. Falou que quatro dias depois das eleições Nedio recebeu materiais de construção e lhe pediu para colocá-los no seu pátio, visto que não tinha lugar em sua casa. Os materiais seriam para a construção de uma área na frente de sua casa. Contou que Nedio disse ter conseguido os materiais na Prefeitura, com troca de votos, que teria ido à Prefeitura mais de uma vez, porque estavam custando a chegar. Falou que sua esposa lhe contou que Henrique estava fazendo propaganda política na sua rua alguns dias antes da eleição. Contou que Nedio teria cobrado de Henrique a entrega dos materiais de construção, que disse que depois da eleição levaria lá. Contou que Nedio disse que o material teria sido comprado na JL, e dado pela Prefeitura. Disse que Nedio queria vender os materiais, lhe ofereceu e para outro, de nome "Marcão", mas depois acabou vendendo para sua filha. Quando questionado pela defesa se tinha visto Henrique falar com Nedio, disse que não, pois não estava em casa no dia da visita. Também, quando questionado se tinha visto os representados prometerem vantagem em troca de voto para alguma pessoa, disse que não, ficou sabendo por Nedio. Disse que a gravação ocorreu em frente a sua casa, depois da eleição. Falou que não sabia que estava sendo gravado. Disse que ficou sabendo depois, por Marcelo, que a conversa foi gravada. Não sabia da gravação.

Marcelo Dal Castel, ouvido como informante, contou que pediu para que seu filho filmasse a conversa com Nedio, pois já tinha ouvido diversas vezes que estariam dando material de construção em troca de voto, e achava errado, mas ninguém fazia nada. Nedio teria dito que recebeu telhas e que solicitou na Assistência, e que, uns dias antes da eleição, o candidato Henrique foi lá e prometeu que se votasse nele iria receber o material. Nedio teria dito que o material de construção foi adquirido da JL. Nedio teria dito que havia uma lista grande de pessoas a serem beneficiadas. Reconheceu que as fotografias de fl. 20 foram tiradas por ele, na casa da filha de Nedio. Contou que Nedio e Lauri estavam conversando e resolveu gravar a conversa. Lauri não teria conhecimento.

Marcos Gonçalves da Silva, ouvido como informante, disse ser vizinho de Nedio, que lhe ofereceu os materiais recebidos pela Prefeitura. Teria negado a oferta, pois é funcionário da Prefeitura. Então, Nedio vendeu os materiais para sua filha. Disse que os materiais foram entregues alguns dias depois da eleição. Contou que Henrique visitou Nedio dois dias antes da eleição. Quando questionado pela defesa se viu Henrique prometer os materiais de construção, falou que não, porque estava na sua casa.

Nesse prisma, verifica-se que Nedio Caetano recebeu os materiais de construção pois os tinha solicitado junto à Secretaria de Assistência Social do Município.

Situação semelhante verifica-se em relação ao segundo fato, qual seja, o recebimento de materiais de construção da prefeitura – segundo narra a inicial – pela eleitora Charlise Rodrigueiro, em troca de seu voto. 

A eleitora também não foi ouvida em juízo, mas funcionários da prefeitura afirmaram que o secretário municipal, Cesar Donai, lhes mandou retirar materiais na empresa JL e entregá-los em uma residência, identificada como sendo de Charlise Rodrigueiro.

Indagadas, as testemunhas afirmaram não saber se a eleitora estava cadastrada em algum programa social.

Reproduzo a descrição dos testemunhos realizada na sentença:

A testemunha Davi Fagundes Correa contou que o Secretário Cesar Donai mandou que pegassem material de construção na JL e entregasse no endereço de Charlise. Disse não ter recebido nota fiscal para que retirassem o material de construção da JL. Contou que entregaram madeira, terra, telha, ferro e cimento. Disse que entregou os materiais no começo do mês de agosto. Não conhecia Charlise. Disse que ela mandou agradecer o prefeito, mas não ouviu que teria tido algum benefício pelos materiais. Falou que a casa de Charlise era humilde. Não viu o prefeito ou o vice-prefeito prometerem alguma coisa para Charlise. Quando questionado pela defesa, falou que somente ouviu os pedreiros que trabalham pela Assistência comentar que faziam obra na casa de pessoas.

Marcos Gonçalves da Silva, ouvido como informante, disse que o Secretário Cesar Donai mandou que fossem pegar material na JL e entregar na casa de Charlise. No meio de agosto, foram à loja com uma lista de materiais, e os pegaram e foram entregar. Não receberam nenhuma nota. Reconheceu que a casa em que entregaram os materiais é a das fotografias de fls. 17/19. Disse que depois que fizeram essa entrega lhes deram férias forçadas. Não sabe se Charlise está inscrita em algum programa social da Prefeitura. Contou que Charlise lhes agradeceu e mandou agradecer o Prefeito. Disse que a casa de Charlise é mal acabada, pobre. Disse que os pedreiros realizam obras para as pessoas cadastradas pela Assistência Social.

Em relação a esses fatos, verifica-se haver prova apenas da entrega dos materiais. Não há indícios do desvio de finalidade nem do pedido de votos pelos representados.

Nenhuma das testemunhas presenciou as conversas havidas entre os eleitores e os representados, capazes de demonstrar o alegado desvio do programa ou cooptação dos seus votos.

Ademais, em relação a Nédio, as testemunhas informaram que ele havia se cadastrado na prefeitura para o recebimento de benefícios sociais e, em relação a Charlise, os funcionários ouvidos nada sabiam a respeito, mas “afirmaram que a casa de Charlise é humilde, logo, tenho que se enquadra no perfil de famílias que recebem auxílio da Secretaria de Assistência Social”, conforme bem consignou o magistrado sentenciante (fl. 143).

Relativamente à alegação recursal de que o material não poderia ser retirado da empresa JL de maneira informal, sem as respectivas notas de empenho, tem-se que tal comportamento não demonstra, por si próprio, a prática de condutas vedadas ou captação ilícita de sufrágio, pois somente por presunção se poderia concluir pela presença dos elementos caracterizadores dos ilícitos imputados aos representados.

Se porventura houve alguma irregularidade quanto aos procedimentos licitatórios e aos controles de retirada dos materiais contratados, isso deve ser apurado na seara própria, administrativa, mas não caracterizam, por si sós, ilícitos eleitorais, especialmente porque não há indícios de aproveitamento eleitoral do programa social em questão.

Quanto ao requerimento de juntada do cadastro de cidadãos perante a Secretaria de Assistência Social, formulado na petição inicial, a providência mostra-se inócua, pois não foram apurados, no decorrer da instrução, indícios capazes de levantar suspeitas razoáveis de ilícitos eleitorais, e a medida não foi reiterada pela representante na fase de diligências complementares, quando poderia ainda completar a prova trazida aos autos (fl. 99).

No tocante ao terceiro fato, a eleitora Celina Hepp, da mesma forma, teria recebido materiais de construção em troca de seu voto.

Ouvida em juízo, a testemunha afirmou que efetivamente tinha preenchido cadastro junto à prefeitura. Disse ter conversado com o representado Luis Henrique, o qual teria lhe prometido arrumar sua casa se fosse reeleito, mas registra que essa conversa ocorreu ainda no início do ano de 2016, bem antes do período eleitoral.

Transcrevo a descrição de seu testemunho, tal como realizado na sentença:

A testemunha Celina Furtado Hepp contou ter recebido mil tijolos, três sacos de cimento e três barras de ferro fornecidas por Henrique. Falou que Henrique teria dito que se fosse eleito iria arrumar sua casa. Disse que recebeu os materiais de construção cerca de dez dias depois da promessa de Henrique, ainda antes da eleição. No entanto, quando questionada pelo juízo quando Luis Henrique esteve em Santa Isabel, falou que foi muito antes das eleições, não recorda quando, mas que foi início do ano. Ainda, contou que, além dela, outras pessoas receberam material de construção em Santa Isabel. Quando questionada pela defesa que tipo de material de construção teria solicitado, disse que pediu material para arrumar sua casa, pois mora em um chalé pequeno de madeira. A defesa perguntou, também, se já tinha preenchido ficha na Secretaria de Assistência Social, no que respondeu que sim, mas que nunca lhe deram nada. Na mesma linha, quando o Ministério Público questionou se tinha se inscrito em algum programa social da Prefeitura Municipal, falou que sim, e que de vez em quando recebe um rancho. Por fim, saliente-se que a testemunha disse que tinha pedido o material de construção faziam mais de dois anos à Secretaria de Habitação e que Henrique não estava junto quando os materiais foram entregues.

O fato de a conversa ter ocorrido no início do ano passado torna os fatos duvidosos, pois, como alertou o magistrado, “não é crível que os réus tenham tentado comprar o voto de Celina com o fornecimento de materiais de construção, que, como mencionado pela própria testemunha, foram entregues a outras famílias da localidade, frise-se, muito antes das vésperas da eleição municipal” (fl. 144).

Relativamente ao quarto fato, o representado Luis Henrique teria oferecido ao eleitor Vilson Souza uma casa e o valor de R$ 300,00.

O eleitor não foi ouvido em juízo, sob o crivo do contraditório, e o único documento buscando comprovar esse fato é um vídeo do eleitor, no qual ele conversa com pessoas que se fazem passar por funcionários da prefeitura, interessados em confirmar as promessas do prefeito, para efetivá-las.

Além de o vídeo ter sido gravado a partir de uma encenação, o que já prejudica o seu valor probatório, a gravação é bastante curta, e o eleitor não chega a referir em que circunstâncias se deram as promessas, nem é possível aferir minimamente a veracidade de sua afirmação.

Assim, tal vídeo não possui valor probante, sendo incapaz de demonstrar o fato imputado aos representados.

Dessa forma, não há provas das alegadas irregularidades, como bem analisou a sentença recorrida, devendo ser mantido o juízo de improcedência da representação.

 

DIANTE DO EXPOSTO, afastada a matéria preliminar, voto pelo desprovimento do recurso.