RE - 25430 - Sessão: 02/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO MUITO MAIS POR GIRUÁ, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), PARTIDO DA REPÚBLICA (PR) e PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) em face da sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada contra RUBEN WEIMER e ANTÔNIO CARLOS DALLA COSTA, considerando não caracterizados o recebimento e o gasto irregular de recursos, conforme previsão do art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais (fls. 957-966), alegam a realização de gastos com combustível por meio de recursos decorrentes de doações irregulares e de "caixa dois". Afirmam restar comprovado que gastos de R$ 6.703,50 em combustível foram sonegados na prestação de contas. Argumentam que a irregularidade equivale a 14,39% da movimentação financeira de campanha. Aduzem estar provado que os gastos referidos eram convertidos em vales-combustível de R$ 10,00 ou R$ 20,00, oferecidos a diversos eleitores, para participação em carreata, alcançando uma quantidade de 1.000 a 2.000 veículos abastecidos. Alegam que a distribuição de grande volume de combustível a eleitores ultrapassa o limite da normalidade das eleições e fere a igualdade do pleito. Aduzem que este esquema permitiu a realização de uma grande carreata às vésperas do pleito, influenciando tanto os participantes quanto os demais eleitores da cidade. Argumentam que os representados foram eleitos por uma diferença de 5,32% dos votos. Aduzem ter recebido doação estimável em dinheiro – bandeiras – no valor de R$ 2.000,00, de forma irregular. Afirmam que os recorridos gastaram R$ 6.842,22 em combustível, embora possuindo apenas 2 veículos cadastrados na campanha. Argumentam que o registro de todas as despesas de campanha teria levado a movimentação financeira a exceder o limite de gastos.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 1037-1046).

É o relatório.

 

VOTO

PRELIMINARES

Tempestividade:

O recurso deve ser considerando tempestivo.

A decisão nos embargos de declaração opostos contra a sentença foi publicada no dia 08.3.2017 (fl. 953), quarta-feira, encerrando-se o tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral no dia 13.3.2017, segunda-feira seguinte.

O recurso foi encaminhado no dia 13 para o e-mail institucional da zona eleitoral, às 18h18 (fl. 967), informando os recorrentes que teriam comparecido ao local às 17h15, mas encontraram o cartório fechado, em contrariedade a uma informação recebida da servidora, de que o funcionamento naquele dia teria ocorrido até as 19h (fl. 968).

A chefe de cartório certificou não ter dado essa informação a qualquer pessoa, e afirmou que “o horário de expediente desta zona foi alterado pela Portaria P n. 360/16, publicada no DEJERS em 02.12.2016, passando a ser das 10 às 17 horas, a partir de 05 de dezembro de 2016, cuja alteração foi encaminhada, na época, à imprensa local para divulgação” (fl. 994).

Independente da informação alegadamente recebida, entendo que a alteração do horário de funcionamento da zona eleitoral de forma antecipada – às 17h – não pode prejudicar o direito de acesso ao Judiciário pela parte recorrente, ainda que tal horário estivesse amparado em portaria expedida pela presidência deste Tribunal.

A Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, como regra geral (inclusive, o Tribunal Regional Eleitoral) estava em atividade em seu horário normal de expediente, ou seja, até as 19h. Somente em algumas localidades pontuais o horário de funcionamento foi alterado pela presidência, incluindo a 127ª Zona Eleitoral, cujo funcionamento passou a se encerrar às 17h.

Essa diversidade de regras quanto ao funcionamento de diferentes cartórios eleitorais torna insegura a atuação dos advogados e causa risco do perecimento de direitos ou da apuração de um fato ilícito por causa de meras alterações pontuais no funcionamento das Zonas Eleitorais.

Os fatos devem ser analisados em seus devidos contextos. Trata-se de uma Justiça especializada, na qual atuam poucos profissionais e advogados, que apenas esporadicamente têm contato com ela ou  que atuam perante diferentes Zonas Eleitorais. Tais profissionais ficam submetidos a diferentes regras dentro de uma mesma Justiça.

Esta situação deve ser vista à luz do princípio da cooperação, prevista no art. 6º do CPC, no sentido de proteção contra a surpresa.

Embora a Justiça Eleitoral possua um horário normal de funcionamento – criando uma legítima expectativa nos advogados e nas partes –, Zonas Eleitorais específicas possuem horários distintos, induzindo a erro os sujeitos do processo, e tornando intrincada a atuação profissional perante esta Justiça.

Não se duvida da necessidade e da legitimidade desses diferentes horários em prol da melhor administração judiciária; mas tais medidas, em homenagem ao princípio da cooperação, devem ser acompanhadas de uma mitigação no controle rigoroso de tempestividade dos atos processuais.

No caso, em que pese os recorrentes não tenham encontrado o cartório aberto no último dia do prazo, encaminharam a petição de recurso ao e-mail institucional da Zona Eleitoral ainda no dia 13 de março e dentro do horário de expediente ordinário da Justiça Eleitoral (18h18min).

Outrossim, no primeiro horário de funcionamento do cartório no dia seguinte, juntaram a petição original, na qual se vê que não houve alteração ou aditamento à peça encaminhada no último dia do prazo.

Não se verifica, portanto, má-fé da parte, nem prejuízo às garantias processuais, devendo ser conhecido o recurso, portanto.

 

Litigância de má-fé:

Os recorridos pretendem a condenação dos recorrentes em multa por litigância de má-fé, por alterarem a verdade dos fatos (art. 80, inc. II, do CPC) quando atribuíram a culpa pela perda do prazo recursal a uma alegada informação equivocada de servidora do cartório, o que não ocorreu, conforme certidão da folha 994.

Embora gozem de presunção de veracidade as certidões expedidas pelos órgãos públicos, entendo que este único dado não pode ser considerado determinante para definir se os recorrentes efetivamente faltaram com a verdade ou não.

Ademais, o conhecimento do recurso, conforme acima exposto, deu-se independentemente da alegada informação da servidora acerca do horário de fechamento do cartório, de forma que tal afirmativa por parte dos recorrentes não se mostrou relevante para o processamento de sua irresignação.

Assim, indefiro o requerimento de condenação dos recorrentes por litigância de má-fé.

 

Inépcia da inicial:

Os recorridos suscitam a inépcia da inicial, pois esta teria sido formulada com base em suposições, sem a descrição de fatos objetivos, causando prejuízo à defesa.

A preliminar não prospera. Vê-se que a inicial pontuou os pretendidos atos irregulares, como a ausência de registro dos gastos com combustíveis distribuídos para a carreata realizada, bem como as irregulares doações estimáveis em dinheiro – combustível e bandeiras –, descrevendo os fatos que indicavam tais práticas.

Os fatos puderam ser especificamente apurados no decorrer da instrução a partir das alegações tecidas na petição inicial, sendo viável aos representados exercer sua defesa, motivo pelo qual não merece ser acolhida a preliminar suscitada.

Destaco.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol (voto divergente):

Sr. Presidente, eminentes colegas:

É com a mais respeitosa vênia ao eminente Relator que, no tocante à tempestividade, possuo posicionamento diverso. Recordo-me de Norberto Bobbio, em sua clássica obra sobre normas, segundo o qual as diretrizes jurídicas devem ser claras, objetivas e obedecidas. Sua excelência pontuou que essa diversidade de horário pode criar um certo risco aos operadores do direito por não saberem exatamente em qual horário devem dirigir-se ao cartório para interpor o recurso ou a peça processual necessária, a fim de cumprir o ato processual.

Eu acho que Vossa Excelência colocou bem: correm o risco, isto é, o ônus que, se desatendido, faz com que ele sofra uma consequência pela não prática do ato, no tempo e na forma devida. Aqui digo “no tempo” porque essa diversificação de horário, que é comum na Justiça Eleitoral (quem trafega no meio sabe que nós temos pelo menos três horários diferentes, nas diversas zonas eleitorais), não é de causar estranheza, porque, não bastasse a portaria que a disciplina – e, como tal, é diretriz jurídica –, é um fato notório. E falo aqui como fato notório exatamente como Couture dizia nos seus estudos, ou seja, é aquele fato que não é só conhecido, mas que pode ser conhecido pela ciência pública ou privada. É um fato não absoluto, conhecido por todos, em todo tempo; mas relativo. Basta que seja conhecido por algumas pessoas, ou em determinada localidade, ou por alguns, para ser notório daquela localidade, daquele meio. E Chiovenda ainda acrescentava: não só na localidade, mas inclusive em diversas sequências, fatores ou zonas de conhecimento dos operadores do direito. E aí eu me lembro, mais uma vez, do direito alemão, para não ficar só com os italianos: Rosenberg dizia que, além do notório, com que todos nós trabalhamos, há o notório judicial, aquele que é fato conhecido de todos os operadores do direito, na zona, na circunscrição em que ele é realizado. É o que me parece ter ocorrido no caso concreto.

Lá em Giruá, é fato notório o horário, porque foi publicado na imprensa comum, conhecimento privado; mas também através de uma portaria, a ciência pública. Portanto, a ciência não é só conhecida, como também conhecível. Como qualquer pessoa pode ter acesso à portaria, é dever de todos conhecer aquela diretriz, sob pena de, não a conhecendo, sofrer o risco de sua inatividade. Então, no caso concreto, eu vou mais longe ainda: a portaria que estabeleceu horário diversificado não sofre de nenhuma mácula, e digo por quê. Em primeiro lugar, o e-mail não é fac simile, muito menos protocolo, e não existe uma diretriz eletrônica que determine a forma de obter esses meios por parte da justiça. O e-mail, ainda que ingresse no fim do prazo, é intempestivo, e não é a peça adequada; teria que ser um fac simile, um protocolo. Ademais, há uma resolução do TSE que disciplina o processo eletrônico, a qual determina que, ainda quando se tratar do meio adequadamente previsto, este deve ser interposto no prazo e na data útil à ultimação do ato. Não foi o que ocorreu aqui.

O Ministro Marco Aurélio, em um agravo regimental, em tempos outros, já disse que o ato processual, para ter validade, tem que ser praticado no prazo previsto, mesmo que seja através de portaria. Aliás, por falar em portaria, eu me permito a leitura de excerto do voto do Ministro Fux, em um julgamento do TSE, quando sua excelência pontualiza, “no que concerne à alegação de que a intempestividade estaria afastada em razão da redução do horário de expediente do Tribunal. Melhor sorte não acode aos agravantes; isso porque o acórdão regional consignou que a redução do horário normal de expediente, durante o mês de janeiro, decorreu de orientação fixada na Portaria n. 958/2012, devidamente publicada no Diário Oficial, em dezembro de 2012. Portanto, dado conhecimento ao público, ciência prévia às partes, aos advogados, a alteração do horário de expediente não implica óbice ao ajuizamento da ação”. Nesse sentido, colecionou outros acórdãos.

É o que me parece que houve: nós temos uma portaria que é fonte comum, que é de conhecimento de todos. Ela foi publicada dia três de dezembro; entrou em vigor no dia cinco do mesmo mês, e, em março, foi praticado o ato cuja tempestividade agora estamos examinando. A meu juízo, com a mais respeitosa vênia ao eminente relator, reconheço a intempestividade.

 

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Eminente Presidente:

São sempre percucientes, ilustrativos e dotados de fortes razões jurídicas os argumentos do nosso eminente Corregedor. Entretanto, o problema me tocou, porque lembro que perdi um Recurso Especial no STJ, uma vez que a comprovação não tinha sido acompanhada de uma certidão, o que foi uma criação inusitada. Quando juntei a cópia ao recurso, lá estava a data protocolada. Assim, bastaria acessar o andamento do processo no site para comprovar a tempestividade do recurso. Aí está o lado do advogado que integra este Tribunal como juiz.

Quando o advogado sustentou na tribuna, e quando li a argumentação do relator, eu me dei conta das dificuldades que enfrentamos. Com devida vênia e respeito: tratando-se de uma Justiça especializada, o advogado foi feliz ao dizer, na tribuna, que são poucos aqueles que trabalham na Justiça Eleitoral. Ademais, pelas explicações dadas, havia uma diversidade de horários, e a portaria limitava-se a algumas zonas eleitorais. Salvo engano meu, parece-me que é esse o caso concreto. Então, se não há essa uniformidade, pode o advogado ter sido induzido em erro ao protocolar. E o que ele fez? Ele teve o cuidado, com os meios de que dispunha, de fazer uma comunicação, de pronto, à Corregedoria. Fez a comunicação à Corregedoria e protocolou do modo que lhe era disponível. Eu lembro que muito sustentei a possibilidade do e-mail, e perdi; até que, hoje, está perfeitamente reconhecido como meio de prova. Ele fez o que estava à sua mercê; foi à corregedoria, protocolou ad tempus pelo modo que lhe era possível. E disse bem o relator em sua análise: no outro dia, ao abrir as portas da Justiça Eleitoral, lá estava ele protocolando a sua petição. Então, com a devida vênia, reconhecendo os judiciosos e sempre pertinentes argumentos de Vossa Excelência, eu acompanho integralmente o voto do relator, por uma questão de justiça, exatamente porque toda a dinâmica do novo Código de Processo Civil trafega pelo aproveitamento dos atos. Assim, quanto ao exame da preliminar, acolho a tempestividade. É como voto: acompanhando o relator.

 

Dr. Luciano André Losekann:

Assim como o ilustre Corregedor Regional Eleitoral, estou acolhendo a preliminar de intempestividade, sem, contudo, impor a pena de litigância de má-fé, como foi sustentado pela advogada dos recorridos na tribuna. A meu ver, a certidão da servidora da Zona 127 possui fé pública, e nenhuma prova foi feita por parte do recorrente no sentido de infirmar essa presunção de veracidade do ato administrativo. Então, essa mera alegação de que ele foi mal informado, de que interpôs o recurso somente às 17h15min, quando o cartório encerrou suas atividades às 17h, a despeito de já ter sido publicada a portaria com ampla divulgação, em dezembro de 2016, não beneficia o recorrente.

 

Des. Federal João Batista Pinto Silveira:

Senhor Presidente, pedindo redobrada vênia à divergência, estou me alinhando com o relator, e também peço permissão para incorporar as razões trazidas pelo nobre colega Dr. Silvio.

 

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Senhor Presidente, eminentes colegas:

Considerando que havia essa portaria estabelecendo um prazo para o horário do cartório eleitoral, penso que não acolher a divergência abriria um sério precedente, tendo em vista que o prazo recursal é preclusivo e, por essa razão, com a vênia dos votos do eminente relator e dos colegas Silvio e João Batista, estou acolhendo a preliminar. E também, como disse o nobre colega aqui ao meu lado, afasto a alegação de litigância de má-fé, considerando que, embora presente a fé pública da serventuária, parece-me que pode ter ocorrido algum desentendimento, alguma má compreensão de alguma informação. Isso não significa, porquanto não há uma prova contundente, que houve má intenção. Por essa razão, acolho a preliminar, mas afasto a imposição da litigância de má-fé.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Diante do empate, e considerando as circunstâncias – isso não constitui precedente; aliás, é recomendável que hoje os advogados não corram mais riscos –, votarei no sentido de conhecer do recurso, conforme o voto do relator, do Des. Luciano, do Des. Silvio Ronaldo e do Des. João Batista. Com muito respeito, nesse caso, a orientação da divergência é a minha; é assim que eu também penso, mas, diante das circunstâncias que ocorreram e que foram explicitadas, pode-se conhecer.

 

(Em conclusão, quanto à matéria preliminar, por maioria, conheceram do recurso, considerando-o tempestivo, com os votos dos Des. Jamil Bannura - relator -, Silvio Ronaldo e João Batista. Votaram pela intempestividade os Des. Jorge Dall'Agnol, Luciano Losekann e Eduardo Bainy. Proferiu o voto de desempate o presidente, Des. Carlos Marchionatti, acompanhando o relator, para conhecer do apelo. E, por unanimidade, restaram afastadas as demais prefaciais.)

 

MÉRITO

No mérito, os recorrentes aduzem que os representados realizaram arrecadação e gastos ilícitos de campanha, prática prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, evidenciada pelos: (a) gastos de R$ 30.000,00 em combustível distribuídos a eleitores, dos quais R$ 5.900,00 são provenientes de doação irregular e R$ 6.703,50 não foram declarados na prestação de contas; (b) gasto de R$ 6.842,522 em combustível na campanha, embora tenham informado a utilização de apenas 2 veículos; e (c) recebimento irregular de bandeiras, que caracteriza doação estimável em dinheiro, no valor de R$ 2.000,00.

Reproduzo o teor do art. 30-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

O dispositivo busca coibir e sancionar o recebimento e o gasto de recursos realizados de forma ilícita, em contrariedade às normas a respeito da prestação de contas. Atualmente, verifica-se, de forma mais clara, a importância de fiscalizar a movimentação financeira dos candidatos, como fator de repressão à corrupção e de garantia da democracia.

Ademais, reconhecida a relevância do financiamento de campanha para o êxito nas urnas, o respeito às regras pertinentes mostra-se fundamental também à defesa da legitimidade do pleito e da igualdade entre os candidatos.

Sobre o tema, cito a doutrina de José Jairo Gomes:

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes.

O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide art. 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último caso são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado “caixa dois” de campanha.

[…]

O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral. Arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios.

Também é tutelada a igualdade que deve imperar no certame. A afronta a esse princípio fica evidente, por exemplo, quando se compara uma campanha em que houve emprego de dinheiro oriundo de “caixa dois” ou de fonte proibida e outra que se pautou pela observância da legislação. Em virtude do ilícito aporte pecuniário, a primeira contou com mais recursos, oportunidades e instrumentos não cogitados na outra. (Direito Eleitoral, 13ª ed., 2017, p. 664-665)

A sanção legal prevista para a ofensa ao art. 30-A é a perda do mandato, motivo pelo qual não basta o simples desrespeito à norma alusiva aos recursos e gastos de campanha. O fato deve ter gravidade suficiente capaz de guardar proporcionalidade com a severa penalidade imposta, como já definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, não bastam meras irregularidades formais no controle de gastos, que devem ser apuradas em prestação de contas, com a pertinente consequência para tanto. A caracterização do ilícito previsto no art. 30-A requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, burlando as regras de arrecadação e gastos eleitorais, com a consequente vantagem sobre os demais candidatos.

Cito a lição de Rodrigo López Zilio:

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido.” (Recurso Ordinário n. 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.04.2009.)

(Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 674)

Na hipótese dos autos, Aduzem os recorrentes que foram distribuídos R$ 30.000,00 em vales-combustível a eleitores, dos quais R$ 5.900,00 eram provenientes de doação irregular, e R$ 6.703,50 não foram declarados na prestação de contas.

Inicialmente, não há prova nos autos de que os recorridos tenham despendido a quantia de R$ 30.000,00 em combustíveis para a carreata realizada no dia 25.9.2016, como alegam os recorrentes. Tal valor é trazido na inicial, como uma informação obtida pela coligação representante, e que deveria ser confirmada no expediente investigatório do Ministério Público (fl. 07).

Todavia, tal afirmação não foi confirmada. Ao contrário, apurou-se que os três postos onde eleitores abasteceram com vales-combustível faturaram, na referida data, R$ 11.536,09 (fl. 279), R$ 7.281,60 (fl. 307) e R$ 14.450,33 (fl. 311), o que totaliza um valor aproximado ao declarado na inicial: R$ 33.268,02. Ainda assim, não se pode afirmar que todo o ganho dos postos tenha derivado unicamente dos vales-combustível.

Relativamente à doação no valor de R$ 5.900,00, de fato, apurou-se que o valor foi despendido por Roque Lazeri (R$ 2.000,00) e Carlos Scherer (R$ 3.900,00), os quais adquiriram pessoalmente o combustível e o disponibilizaram à campanha dos recorridos.

Embora tal doação se mostre irregular, por constituir doação estimável em dinheiro que não deriva da própria atividade do doador, os recursos foram efetivamente declarados na prestação de contas, e perfeitamente identificados os doadores.

Relativamente à alegada doação de R$ 6.703,50, proveniente de Fernando Pilau (R$ 4.703,50) e José Taborda (R$2.000,00), os valores constam em recibos eleitorais juntados nas folhas 487 e 488 dos autos, mas não foram declarados na prestação de contas, o que caracterizaria, no dizer dos recorrentes, "caixa dois".

Todavia, não há qualquer indício de que o combustível adquirido efetivamente tenha sido revertido para a campanha dos representados. Os doadores referidos não foram ouvidos no procedimento investigatório do Ministério Público (fl. 839), nem nos presentes autos, como testemunhas (fl. 825).

Assim, somente por presunção se pode concluir que o combustível adquirido por Fernando e José foi destinado à campanha dos representados, não havendo provas do alegado recebimento de doações não contabilizadas.

O mesmo se diga em relação à alegada doação de bandeiras, estimável em R$ 2.000,00, sobre a qual não há prova nos autos.

No tocante ao gasto de R$ 6.842,52 em combustível, com o uso de apenas 02 veículos declarados na prestação de contas, como bem consignou a magistrada, apurou-se o uso de 05 veículos na campanha, além da destinação de parte desse valor para abastecer os carros que participaram da carreata.

Reproduzo a sentença no ponto (fls. 896v-897):

No que concerne à ausência de veículos registrados - consigno que há suposição de que os dois veículos registrados seriam incapazes de gastar o combustível adquirido e comprovado na prestação de contas - resta rechaçada, porquanto o combustível utilizado pela empresa de Guilherme Noschang - que prestava serviços de sonorização com três veículos ao Partido Progressista - também foi custeado pelos réus, conforme cláusula sexta (contrato fls. 176-178).

Assim, a despesa com combustível seria destinada a cinco veículos, não apenas dois, além do fato de que parte do valor dos gastos com combustível declarado pelos representados (não é possível determinar quanto) não foi utilizada pelos veículos registrados, mas sim por veículos que participaram da carreata do dia 25.9.2016 e abasteceram nos Postos São Paulo e São Jorge, mediante utilização de vale.

Pertinente ao contrato de som para propaganda de rua, a testemunha João Paulo Limana Barros declarou, em juízo, que fez campanha para a Coligação do PP e circulou pela cidade, utilizando seu próprio veículo como carro de som, com a música da campanha, e pagou a gasolina com recursos próprios. Afirmou que também havia outros carros de som fazendo campanha na cidade.

Muito embora não compromissado, não há como afirmar que esta situação de fato fez mudar o resultado da eleição ou desequilibrou as campanhas eleitorais.

Quanto às despesas de combustíveis versus gastos de combustíveis com o contrato de propaganda de som na rua - possível verificar que o contrato de prestação de serviço de som firmado entre o Partido Progressista e Guilherme (contrato fls. 176-178) prevê que a prestação de serviços ocorreria no período de 21.8 a 01.10 e que os valores correspondentes, conforme cláusula sexta, seriam pagos até o dia 01.10.2016, ou seja, não foi previsto pagamento antecipado pelo serviço.

De outro lado, como bem salientado pelo MPE, o raciocínio elaborado pelos representantes converge com a conclusão já expressa de que uma parcela do valor dos gastos com combustível declarado pelos representados não foi utilizada pelos dois veículos registrados, mas sim por veículos que participaram da carreata do dia 25.9 e abasteceram nos Postos São Paulo e São Jorge, mediante utilização de vales nos valores de dez e vinte reais que foram distribuídos a candidatos e terceiros.

Assim, apesar da irregularidade no registro contábil da campanha dos representados, não há evidências de práticas ilícitas. O valor gasto em combustíveis foi destinado a eleitores que participaram da carreata e que já eram apoiadores da campanha dos representados, como se apurou nos autos.

Ademais, os vales-combustível, cujo aporte, de R$ 10,00 e 20,00, era, portanto, bastante reduzido, configura-se apropriado para subsidiar a participação em evento dessa natureza.

Merece ser transcrita a seguinte passagem da sentença (fl. 895):

Analisando as provas carreadas na instrução, não se verificou doação de combustível como troca de voto. Não se pode afirmar que todos os carros que participaram da carreata foram abastecidos com vales combustível. Os vale combustíveis não eram numerados sequencialmente - o que restou fulminado pelo depoimento de Mauro Nedel. O montante deduzido pelos partidos autores, do volume de combustível vendido no dia 25.9 não foi superior ao demais vendido nos outros dias do mês, conforme se denota claramente dos relatórios dos postos São Paulo (fls. 456-462) e Charrua/São Jorge (fls. 464-470), e da prova testemunhal (Mauro Nedel, Jair Boniman, Douglas Zemolin e Maicon Ehlert).

As provas acostadas também dão conta de que os beneficiários dos combustíveis eram pessoas que já apoiavam a candidatura dos demandados. Observa-se, pelas fotos acostadas aos autos (fls. 12-19), que alguns dos veículos possuíam adesivos e bandeiras com o nome dos candidatos mencionados.

Consoante as declarações dos doadores dos combustíveis para carreata, confirmaram a doação sem troca de votos. Alguns proprietários de veículos foram ouvidos na Promotoria de Justiça, perante a Promotora de Justiça Ana Paula Mantay. Embora tais depoimentos não tenham sido produzidos mediante contraditório judicial, observa-se que Alan Michael Wastowski, Fabiano Fucks Preischardt, Sigrid Rejane Mayer, Odil Antonio Rolim da Silveira, José Helvio Pinto, William Augusto Kogler e Jocieli Marins Lemos afirmaram que não receberam vales e abasteceram com recursos próprios (fls. 598 a 605). Apenas Oscar da Silva Pereira da Luz declarou que ganhou um vale combustível, mas não se recordou de quem ou em que circunstâncias isso ocorreu (fl. 606).

Tampouco se pode afirmar que o volume da carreata realizada às vésperas da eleição foi determinante ou teve potencial de definir a eleição. Desde que não sejam apuradas ilegalidades na formação do evento, com cooptação ilícita de eleitores, nada há de ofensivo à normalidade do pleito, capaz de caracterizar abuso de poder econômico.

Por fim, o precedente mencionado pelos recorrentes possui contexto fático bem distinto do verificado nestes autos.

Na RP 900, de relatoria do Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, julgada em 28.7.2009, concluiu-se pelo emprego de R$ 5.000,00, para distribuição de vales-combustível, não declarados na prestação de contas dos candidatos, valor este que representava o dobro das despesas com combustível regularmente registradas na campanha.

Diferente é a situação no presente caso, em que os gastos com combustível foram declarados, e foi possível apurar a origem dos valores, além de não haver prova de despesas não registradas na campanha.

Assim, correto o juízo de improcedência da ação firmado pelo juízo de primeiro grau, devendo-se manter a sentença recorrida.

 

DIANTE DO EXPOSTO, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo indeferimento da aplicação de multa por litigância de má-fé e pelo desprovimento do recurso.