RE - 55080 - Sessão: 27/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ALENCAR JOSÉ FERON em face da sentença que julgou parcialmente procedente a representação eleitoral ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando o recorrente, prefeito de Segredo à época dos fatos, à pena de multa de 5.000 UFIRs, pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97, por ter realizado despesas com publicidade institucional, no primeiro semestre de 2016, acima da média de gastos dessa natureza nos primeiros semestres dos três anos imediatamente anteriores.

Em suas razões, impugna e insurge-se em relação à juntada do documento das fls. 67 a 76. No mérito, enfatiza que vários fornecedores prestaram serviços que não podem ser considerados como publicidade institucional. Refere que, de acordo com a jurisprudência, os gastos com a publicação de atos oficiais não podem ser contabilizados para a observância do limite previsto no inc. VII do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso e, de ofício, pela conversão da multa aplicada em reais.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar

O recorrente suscita a intempestividade da juntada do documento das fls. 67 a 76.

De fato, o parecer técnico complementar (fls. 67 a 76) foi acostado aos autos em sede de alegações finais oferecidas pelo Ministério Público Eleitoral.

Contudo, o recorrente teve vista do documento, e este apenas foi elaborado em função da tese esgrimida pela defesa, no sentido de que deveriam ser excluídas do cálculo da média as rubricas a título de publicidade legal, consoante jurisprudência sedimentada.

Logo, uma vez garantidos o contraditório e a ampla defesa e que a produção do documento originou-se de acolhimento de argumentação defensiva, rejeito a preliminar de não conhecimento da peça.

Afasto a preliminar.

Mérito

No mérito, examina-se representação ajuizada com fundamento na prática de conduta vedada, consistente na realização de despesas com publicidade institucional no Poder Executivo de Segredo, no primeiro semestre de 2016, em montante superior à média dos primeiros semestres dos três anos imediatamente anteriores, quais sejam: 2013, 2014 e 2015, contrariando, assim, o art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito;

A Lei n. 13.165/15, chamada de Reforma Política, alterou o parâmetro de cálculo da média a ser considerada para verificação do excesso.

Anteriormente à inovação legislativa, apesar de alguns posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em sentido diverso, prevalecia a interpretação literal do dispositivo, no sentido de que o cálculo era feito comparando-se o gasto do primeiro semestre do ano eleitoral com a média do transcurso total dos exercícios anteriores, ou seja, considerando os anos inteiros, o que redundava em nítida desproporcionalidade e, portanto, dava azo à ocorrência de distorções.

Entretanto, com a vigência da nova redação, passou-se a considerar a média a partir de um mesmo critério temporal, ou seja, o semestre.

Na hipótese, a prova dos autos demonstra que, no primeiro semestre do ano de 2016, o Poder Executivo Municipal de Segredo realizou gastos com publicidade acima dos efetuados nos primeiros semestres dos anos anteriores.

Nessa direção, a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo a sentença:

Na hipótese dos autos, o gasto excessivo vem perfeitamente demonstrado, conforme parecer técnico, à fl. 68, elaborado pelo Grupo de Assessoramento Técnico do Ministério Público. Com efeito, no 1º Semestre dos anos de 2013, 2014 e 2015 foram gastos pela administração municipal de Segredo, em média, R$ 25.057,24, enquanto que, no 1º Semestre de 2016, ano do pleito, foi despendido o valor de R$ 29.976,00. Conforme ressaltado no parecer, houve a exclusão das rubricas pertinentes a Serviços de Publicidade Legal e Serviços de Publicidade de Utilidade Pública, o que permite afastar, desde já, a tese dos representados, amparada no entendimento jurisprudencial que exige tal exclusão para análise de violação à norma eleitoral.

Do ponto de vista técnico-formal, portanto, não há dúvida de que a administração municipal de Segredo, capitaneada pelo primeiro representado, excedeu-se nos gastos com publicidade no primeiro semestre de 2016, de modo que, igualmente no plano formal, a norma tem total incidência. Porém, para adequação típica material, outros elementos relacionados à conduta vedada devem ser avaliados, especialmente no plano da proporcionalidade, atento às sanções estabelecidas para a transgressão da mesma. E aqui há um problema. Consabido que as regras eleitorais, mormente aquelas que detêm aptidão para cassar diplomas de candidatos e, por isso, irem de encontro à vontade popular, devem ser aplicadas em seu rigor máximo somente quando ficar comprovado que a conduta que as viole causar, efetivamente, desequilíbrio no pleito, atribuindo vantagem clara a algum candidato ou partido, seja pelo abuso do poder político ou econômico. Há sempre que se ter em mente, portanto, a redação do caput do art. 73, da Lei n. 9.504/97, como reiteradamente tem decidido os tribunais superiores.

Sobre o conceito de abuso de poder:

Ementa: RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2010. GOVERNADOR. COLIGAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CABIMENTO. ART. 262 DO CÓDIGO ELEITORAL. ROL TAXATIVO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A coligação não é parte legítima para figurar no polo passivo de RCED. Precedentes. 2. O RCED é cabível apenas nas hipóteses taxativamente previstas no art. 262 do Código Eleitoral, dentre as quais não estão as matérias versadas no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 e as condutas vedadas a agentes públicos em campanha (art. 73 e seguintes da Lei 9.504/97), sem prejuízo da análise dessas condutas sob a ótica do abuso de poder. Precedentes. 3. O abuso de poder configura-se no momento em que a normalidade e a legitimidade das eleições são comprometidas por condutas de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas, em manifesto desvio de finalidade. Já o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. 4. Na espécie, não houve comprovação da prática dos alegados ilícitos eleitorais. Recurso contra expedição de diploma desprovido. 7116-47.2010.620.0000 RCED - Recurso Contra Expedição de Diploma n. 711647 - Natal/RN . Acórdão de 27.10.2011. Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 231, Data 08.12.2011, Página 32-33. RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 1, Data 27.10.2011, Página 43.

[…]

Nesse sentido: TRERS-0001134) RECURSO. CONDUTAS VEDADAS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. ART. 73, INC. VI, "B", E VII, DA LEI Nº 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO NO JUÍZO ORIGINÁRIO. COMINAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA AOS REPRESENTADOS. Realização de despesas com publicidade, no primeiro semestre de ano eleitoral, em valores que superam a média dos últimos três anos, assim como os gastos havidos no ano que antecedeu as eleições. Todavia, trata-se de excesso insignificante e irrelevante para macular o bem jurídico protegido pela norma, qual seja, a igualdade entre os candidatos. Provimento. (Recurso Eleitoral n. 23205, TRE/RS, Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère. j. 17.10.2013, unânime, DEJERS 24.10.2013).

Enfim, embora correto o parecer técnico realizado pelo Grupo de Assessoramente Técnico do Ministério Público, os elementos acima avaliados permitem concluir pela ausência de qualquer intenção do agente público em violar a norma eleitoral, inexistindo, por tal aspecto, qualquer desequílibrio ao pleito eleitoral. Dessa forma, seria desproporcional a aplicação da sanção de cassação do diploma dos candidatos eleitos em face de abuso de poder político ou econômico, aplicando-se, portanto, somente a pena de multa ao administrador faltoso, no caso o primeiro representado. (Grifei.)

Após impugnação da defesa, foram excluídas as rubricas a título de Publicidade Legal e de Utilidade Pública, não somente no 1º semestre de 2016 como também no 1º semestre dos três exercícios anteriores.

Ainda assim, o dispêndio com publicidade institucional durante o primeiro semestre da eleição – ou seja, 2016 – foi R$ 29.976,00, quando a média dos primeiros semestres de 2013, 2014 e 2015 importou o valor de R$ 25.057,24 (fl. 68).

O recorrente sustenta, entretanto, que foram consideradas rubricas que não configuram publicidade institucional.

Diz que, à fl. 75, foi considerada a despesa total de R$ 3.990,00 (seis parcelas de R$ 665,00) a título de pagamento de pesquisa de opinião sobre o desempenho da Administração Municipal, que não se enquadraria em publicidade institucional.

Sem razão.

O inc. VII do art. 73 da Lei n. 9.504/97 utiliza a expressão genérica “despesas com publicidade”, ou seja, todo e qualquer tipo de publicidade, incluídas aí a de utilidade pública, a institucional, a mercadológica e a legal.

Por construção jurisprudencial, há uma tolerância em relação à publicidade legal para que o administrador possa, justamente, obedecer ao princípio da legalidade.

Não é o caso da pesquisa de opinião pública encomendada, coincidentemente, no primeiro semestre do ano da eleição, paga com recursos públicos em seis mensalidades de R$ 665,00.

Portanto, não há como excluir do cálculo da média essa despesa, máxime porque é esse tipo de publicidade que o legislador pretendeu coibir, evitando que "o administrador concretize uma forma indireta de financiamento público de campanha" (Rodrigo López Zilio, Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 621).

Em relação à despesa de R$ 1.310,00 (fl. 76) com a confecção de uma placa metálica para divulgar a prevenção da dengue, a própria sentença admitiu possível sua exclusão do cálculo, por entender de utilidade pública.

Contudo, ainda que fosse subtraída essa importância do total do primeiro semestre de 2016 (R$ 29.976,00 – R$ 1.310,00 = R$ 28.666,00), o valor gasto é superior à média apurada no parecer técnico (R$ 25.057,24).

Dessa forma, evidenciada a infração ao que dispõe o inc. VII do art. 73 da Lei n. 9.504/97, deve ser mantida a condenação.

Por outro lado, registro que a sentença deixou de aplicar a sanção pecuniária aos candidatos a prefeito e a vice, o que era de rigor em face de serem os beneficiários da conduta.

Como não houve recurso do Parquet, diante da vedação da reformatio in pejus, não merece reparos a sentença.

Por fim, como bem salientado pela douta Procuradoria, há de ser convertida a multa fixada em UFIRs – unidade já extinta – pela moeda oficial, adequando-se, dessa forma, ao critério de cálculo para a sistemática da Resolução TSE n. 23.457/15, que, ao replicar a conduta vedada do art. 73 da LE, atualizou, no art. 62, § 4º, os patamares na multa, fixando-a em reais, ao mínimo de R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) e ao máximo de R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais).

Ante o exposto, rejeito a preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso e, de ofício, pela conversão da pena pecuniária aplicada ao recorrente Alencar José Feron de 5.000 UFIRs para R$ 5.320,50.