RE - 48964 - Sessão: 14/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por TELMO JOSÉ KIRST e HELENA HERMANY em face da sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 40ª Zona (fls. 571-579), sediada em Santa Cruz do Sul, que julgou procedente a representação eleitoral ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando os recorrentes à multa no valor de R$ 5.320,50, individualmente, em razão da prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97, devido à realização de despesas com publicidade institucional, no primeiro semestre do ano das eleições, em valor superior à média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos antecedentes ao pleito.

Nas razões (fls. 586-589), aduzem que a sentença merece reforma. Sustentam ter havido equívoco administrativo, na Prefeitura de Santa Cruz do Sul, o qual não beneficiou os recorrentes ou comprometeu o pleito, cingindo-se a controvérsia unicamente aos limites do que deve ser considerado com “publicidade institucional”. Relatam a expedição de memorando no âmbito daquela gestão municipal, considerada a constatação de que “diversas secretarias estavam enquadrando despesas diversas como publicidade institucional, mesmo aquelas despesas relacionadas às atividades de manutenção das secretarias de padronização”. Entendem haver “dúvida sobre o que seja ou não publicidade institucional”. Alegam não ter havido excesso de gastos em publicidade institucional, e requerem o recebimento e o provimento do recurso, para a reforma da decisão de 1º Grau.

Em contrarrazões (fls. 592-595), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL argumenta que restou claro o excesso de gastos em propaganda institucional. Pugna pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 600-604v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento. Publicada a decisão em 10.02.2017 (fl. 580), o recurso foi interposto em 13.02.2017 (fl. 585), obedecendo-se ao tríduo legal.

No mérito, cuida-se de representação ajuizada com fundamento na prática de conduta vedada, consistente na realização de despesas com publicidade da Prefeitura de Santa Cruz do Sul, no primeiro semestre de 2016, em montante superior à média dos primeiros semestres dos três anos anteriores (2013, 2014 e 2015), de forma a ter sido desobedecido, assim, o art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97.

O teor do comando é o seguinte:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito;

De início, cumpre ressaltar que a Lei n. 13.165/15 alterou o parâmetro de cálculo da média a ser considerada para a verificação do excesso. Antes da inovação, prevalecia a interpretação literal do dispositivo, no sentido de que o cálculo era feito comparando-se o gasto do primeiro semestre do ano eleitoral com a média do transcurso total dos exercícios anteriores, ou seja, considerando os anos inteiros.

A partir da nova redação, a comparação ocorre entre as médias semestrais, levando-se em conta a primeira metade de cada ano.

Relativamente ao caso posto, resta claro: no primeiro semestre do ano de 2016, a Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul realizou gastos com publicidade acima dos efetuados nos primeiros semestres dos anos anteriores.

Nesse sentido, a sentença, a qual bem examinou a matéria, em trechos que expressamente incorporo como razões de decidir (fls. 577-578):

Nesse passo, estando bem pontuado que se trata de análise de aspectos objetivos aqueles exigidos e balizados pela Lei n. 9.504/97 – pouco importando verificar a efetiva influência no resultado do pleito eleitoral e o teor da rubrica de publicidade –, tenho o contexto probatório existente nos autos não deixa dúvida de que os representados, na condição de Prefeito e de Vice-Prefeita Municipal de Santa Cruz do Sul no ano eleitoral, incorreram na descrição do inc. VII do art. 73 da Lei em questão, uma vez que as despesas com publicidade excederam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecederam o pleito em R$176.146,30 (cento e setenta e seis mil, cento e quarenta e seis reais e trinta centavos), já que a média dos primeiros semestres dos três anos anteriores (2013, 2014 e 2015) fora de R$215.047,57 (duzentos e quinze mil e quarenta e sete reais e cinquenta e sete centavos), e, de outra banda, o gasto médio com publicidade institucional do município no semestre do ano eleitoral, 2016, fora de R$391.193,87 (trezentos e noventa e um mil, cento e noventa e três reais e oitenta e sete centavos).

Vale ressaltar que tais dados foram obtidos mediante consulta à contabilidade do Poder Executivo do Município de Santa Cruz do Sul no sistema SIAPC do Tribunal de Contas do nosso Estado.

O dispêndio com publicidade institucional, durante o primeiro semestre da eleição 2016, foi R$ 391.193,87, o que corresponde a 82% (oitenta e dois por cento) acima do valor médio gasto no mesmo período dos três anos anteriores (R$ 215.047,57).

E a responsabilidade dos recorrentes é, igualmente, indubitável, vez que um deles era, à época dos fatos, o detentor da autoridade para ordenar e realizar os gastos em questão. Ademais, ambos são beneficiários da conduta vedada: Telmo José Kirst é prefeito reeleito da cidade, e Helena Hermany, atual vice-prefeita.

O art. 73, caput, e seu § 8º, da Lei n. 9.504/97, comina a sanção pecuniária ao agente público responsável pela conduta, ou seja, aquele que praticou o verbo típico, independente do fato de ser ou não candidato ou beneficiário direto da ação.

Os recorrentes sustentam a realização de recorte conceitual, diferenciando a despesa ocorrida relativamente à publicidade institucional dos gastos realizados com a publicação de atos oficiais.

De fato, esta Casa tem o entendimento de que devem ser excluídas algumas rubricas, como aquelas que envolvam grave e urgente necessidade pública, a fim de resguardar o direito de acesso a informações dos atos estatais pelo cidadão, bem como atender à finalidade da norma, que expressamente se refere à publicidade institucional.

Note-se que a diferenciação já foi aplicada, conforme a ementa que segue:

Recurso. Conduta vedada. Propaganda institucional. Art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Procedência. Multa. Eleições 2012.

Alegado excesso de despesas com publicidade institucional no ano do pleito com ultrapassagem da média de gastos dos três últimos anos.

Erro material do cálculo no parecer contábil ao deixar de distinguir despesas com publicidade de natureza oficial e às provenientes de publicidade tipicamente institucional.

Não caracterizado excesso de despesas com publicidade. Afastadas as penalidades impostas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 30598, ACÓRDÃO de 24.10.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 195, Data 28.10.2014, Página 4.) (Grifei.)

Entretanto, é necessário realizar a devida distinção do paradigma acima apontado relativamente a estes autos, e a diferenciação posiciona-se no aspecto da prova.

Naquele caso, havia controvérsia razoável acerca do posicionamento de valores em uma (publicidade institucional) ou em outra (publicação de atos oficiais) rubrica, desde o início do feito. Houve lá, como aqui, perícia do Ministério Público Eleitoral, ao final, aliás, não acatada totalmente pela Justiça Eleitoral.

A principal força probatória, aqui, reside em fato diverso: como bem destacado na sentença, os dados foram obtidos “mediante consulta à contabilidade do Poder Executivo do Município de Santa Cruz do Sul no sistema SIAPC do Tribunal de Contas do nosso Estado”.

Ou seja, a decisão a quo se baseou em dados oficiais fornecidos pela própria municipalidade ao órgão cuja atribuição precípua é o exame das contas dos entes municipais: o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, o qual possui, logicamente, larga experiência no trato de questões contábeis.

Portanto, convém observar que a informação do dispêndio com publicidade institucional durante o primeiro semestre do ano da eleição (2016), no valor de R$ 391.193,87, frui de presunção juris tantum, por se tratar de ato administrativo perfectibilizado.

A partir daí, ao indicar ter havido “equívoco administrativo” na informação, como realizado nas razões de recurso, os embargantes deviam aclarar, minudentemente, os lançamentos de despesa realizados de forma errônea, e não apenas alegar que “pode ter ocorrido (erro) na análise técnica do contador” da Prefeitura de Santa Cruz do Sul.

Dito de outro modo: de um lado, a interpretação divergente entre a classificação dos gastos em publicidade institucional e, do outro, gastos com publicação oficial, por exemplo, poderiam militar em favor dos condenados, se não tivesse sido a própria Prefeitura de Santa Cruz do Sul, sob a chefia de um dos recorrentes e de forma oficial, a declarar o valor gasto, precedentemente, ao TCE-RS.

Além, o “embasamento técnico”, a que as razões de defesa atribuem como ausente no parecer contábil apresentado pelo Ministério Público Eleitoral, também no recurso não se faz presente. O Memorando n. 704/SMPG/SMF/SMA/2016 (fl. 562-563) é datado de 17.11.2016 e, além de configurar comunicação interna da administração, contém unicamente um esclarecimento procedimental absolutamente genérico, de modo que não pode ser contraposto aos dados técnicos oriundos do Parquet. Nessa linha, a manifestação do Ministério Público Eleitoral, na origem, fl. 593 e v., por ocasião das contrarrazões, verbis:

[…]

Frisa-se que os recorrentes, muito embora tenham tido a oportunidade de produzir prova técnica que contrariasse a perícia carreada aos autos pelo Ministério Público Eleitoral, deixaram de assim proceder.

Destarte, e até mesmo porque o excesso de despesa representa quantia de relevo, inclusive se considerado em termos percentuais, incabível a exclusão da infração sob ponderações vinculadas a juízos de proporcionalidade ou razoabilidade.

Essa é, aliás, a dicção da doutrina. Por todos, Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 5.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 586):

Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário).

Merece referência, ainda, que a ilegalidade ora tratada nos autos possui as características típicas das demais condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97, de maneira que descabe indagar acerca do seu potencial de influenciar no pleito ou de afetar a isonomia entre os candidatos.

Nesse sentido, a lição de José Jairo Gomes (Op. cit., p. 742), segundo o qual:

Tendo em vista que o bem jurídico protegido é a igualdade no certame, a isonomia nas disputas, não se exige que as condutas proibidas ostentem aptidão ou potencialidade para desequilibrar o pleito ou alterar seu resultado. Ademais, é desnecessária a demonstração do concreto comprometimento ou do dano efetivo às eleições, já que a “só prática da conduta vedada estabelece presunção objetiva da desigualdade” (TSE – Ag. n. 4.246/MS – DJ16-9-2005, p. 171).

E o Tribunal Superior Eleitoral manifesta-se como segue:

REPRESENTAÇÃO. PREFEITO E VICE-PREFEITO. PRETENSA OCORRÊNCIA DE CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. EDUCAÇÃO. NÃO CARACTERIZADA, PARA FINS ELEITORAIS, COMO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. ART. 73, INCISO V, DA LEI N. 9.504/97. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES NO PERÍODO DE TRÊS MESES QUE ANTECEDE O PLEITO ELEITORAL. CONFIGURAÇÃO. MERA PRÁTICA DA CONDUTA. DESNECESSÁRIO INDAGAR A POTENCIALIDADE LESIVA. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

6. A configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva.

7. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, caracterizada a infringência ao art. 73 da Lei das Eleições, é preciso fixar, com base na observação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a reprimenda adequada a ser aplicada ao caso concreto.

[...]

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 45060, Acórdão de 26.9.2013, Relatora Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 203, Data 22.10.2013, Página 55-56.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2010. CONDUTA VEDADA. USO DE BENS E SERVIÇOS. MULTA.

1. O exame das condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei das Eleições deve ser feito em dois momentos. Primeiro, verifica-se se o fato se enquadra nas hipóteses previstas, que, por definição legal, são "tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais". Nesse momento, não cabe indagar sobre a potencialidade do fato.

2. Caracterizada a infração às hipóteses do art. 73 da Lei 9.504/97, é necessário verificar, de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, qual a sanção que deve ser aplicada. Nesse exame, cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu. Em caso extremo, a sanção pode alcançar o registro ou o diploma do candidato beneficiado, na forma do § 5º do referido artigo.

3. Representação julgada procedente.

(TSE, Representação n. 295986, Acórdão de 21.10.2010, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 220, Data 17.11.2010, Página 15.) Grifei.

Como asseverado, a adequação típica do fato contenta-se com o preenchimento dos aspectos objetivos contidos no dispositivo legal, sendo despicienda a afetação concreta da disputa eleitoral.

Desnecessária, portanto, a análise do intuito eleitoral específico, o qual se torna presumido pela norma a partir da inobservância da imposição legal.

A título de desfecho, e caracterizado o irregular aumento dos dispêndios publicitários no ano do pleito, descumprido o art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97, é de ser mantida a sentença condenatória, pelos seus próprios fundamentos. Indico que os recorrentes foram sancionados exclusivamente com a pena de multa, com base no art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, estabelecida no mínimo legal.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.