RE - 22028 - Sessão: 27/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JALUSA FERNANDES DE SOUZA, candidata eleita ao cargo de vereador em Rosário do Sul, contra sentença do Juízo da 39ª Zona Eleitoral (fls. 100-101v.) que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista o recebimento de valores destinados ao fomento da participação feminina na política, provenientes do Fundo Partidário e repassados como doações eleitorais a outros dois candidatos do gênero masculino.

Em suas razões (fls. 132-143), preliminarmente, a recorrente alega a nulidade da sentença por erro material, uma vez que os valores em tela não advêm do Fundo Partidário, consoante elementos probatórios que indica. No mérito, retoma o argumento de que os valores auferidos não provêm do Fundo Partidário. Afirma que não há vedação à doação realizada entre os candidatos. Assevera que o art. 16 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao utilizar o vocábulo “pode”, e não “deve”, dispensa que os recursos sejam integralmente investidos em campanhas de candidatas femininas. Refere que aludido regramento não se aplica às prestações de contas eleitorais e que a competência para a sua verificação é do Tribunal Superior Eleitoral. Alega que, tendo em conta o critério proporcional para a eleição, não há desvio de finalidade nas doações, uma vez que os votos obtidos pelos concorrentes do mesmo partido, homens ou mulheres, também beneficiam a candidata. Juntou documentos. Ao final, requer a reforma da decisão, julgando aprovadas as contas.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 171-177).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Inicialmente, tenho que a suscitada nulidade da sentença por erro material, ao argumento de que os recursos em debate não são oriundos do Fundo Partidário, representa, em realidade, ponto do enfrentamento de mérito, por constituir questão de fundo para a caracterização da irregularidade. Assim, postergo a análise da questão para momento adiante.

Como segunda prefacial, cabe registrar que a candidata apresentou documentos novos em sede recursal.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Todavia, a apresentação de novos documentos com o recurso não apresenta prejuízo à tramitação do processo, especialmente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares.

Ademais, o interesse público na transparência da contabilidade de campanha, aliado à ausência de prejuízo à célere tramitação das contas, caracteriza a vedação de novos documentos em segundo grau como formalismo excessivo, que deve ser evitado, por não servir aos propósitos do rito legal.

Assim, a teor do caput do art. 266 do Código Eleitoral, e na linha da reiterada jurisprudência desta Corte (RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017, e RE 631-58, Relator. DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 05.7.2017), entendo não haver óbice ao conhecimento e à análise da documentação apresentada com o recurso.

No mérito, o juízo de desaprovação fundamentou-se em doações realizadas pela candidata de parte da verba recebida do Fundo Partidário, visando ao fomento da ocupação feminina na política, para as candidaturas de Alisson Furtado Sampaio e Afrânio Vagner Vasconcelos da Silva.

Os dispositivos legais pertinentes são o art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95 e o art. 9º da Lei n. 13.165/15. Vejamos:

Lei n. 9.096/95:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

[…]

V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total;

 

Lei n. 13.165/15:

Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Com efeito, analisando a documentação acostada aos autos, verifica-se que, nas eleições de 2016, Jalusa Fernandes de Souza recebeu R$ 20.000,00 em recursos financeiros doados pelo Diretório Nacional do Partido Progressista, oriundos de valores do Fundo Partidário com destinação legal específica ao incentivo da participação feminina na política.

Foram realizados dois depósitos na conta de campanha da prestadora, cada um deles no valor de R$ 10.000,00: o primeiro, em 01.9.2017 (fl. 29), e o segundo, no dia 19.9.2016 (fl. 30), totalizando R$ 20.000,00.

Posteriormente, a recorrente repassou parte desses valores para o candidato Afrânio Vagner Vasconcelos da Vara, eleito ao cargo de vereador, em doação de R$ 2.000,00, realizada em 19.9.2016; e para Alisson Furtado Sampaio, candidato ao pleito majoritário, na quantia de R$ 10.000,00, efetuada na data de 28.9.2016 (fls. 19-21).

A candidata não nega o recebimento dos recursos nem a transferência aos outros dois concorrentes da mesma agremiação. Sustenta, em suas razões recursais, que os valores não foram provenientes do Fundo Partidário e que não envolviam as finalidades do art. 44, inc. V, da Lei das Eleições. Assim, alega que a sentença padece de “erro material”.

Não prospera o argumento de defesa.

Nesse ponto, colho a judiciosa análise do acervo documental realizada pelo juízo de origem, em decisão dos aclaratórios opostos em face da sentença ora combatida (fls. 162-164v.):

Quanto a este aspecto, observo não ser caso de erro material (erro de cálculo ou erro de redação), pois a sentença de fl. 100/101 tomou por base o que foi declarado pela própria candidata, que informou haver recebido R$ 20.000,00 do Fundo Partidário (fl. 08), repassados de acordo com o  art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95 (fl. 29-A e 31).

De todo modo, assinalo que, conforme certidão de fl. 160, a conta de origem é específica da Mulher Progressista, e recebe repasses oriundos do fundo partidário (exclusivamente!). Ainda, consta a informação de que o Partido Progressista opera somente com três contas bancárias (i) fundo partidário; (ii) mulher progressista e (iii) outros recursos.

Em outras palavras, é na conta em questão que os valores oriundos do Fundo Partidário, destinados à participação feminina na política, são depositados e administrados pelo Partido Progressista.

Referida certidão encontra-se em consonância com os comprovantes de TED de fls. 29-a e 31, nos quais, além do carimbo "MULHER PROGRESSISTA PAGAMENTO DE ACORDO LEI 9096/95, ART 44, INC. V" constam as iniciais MP ao lado do nome do cliente ("Partido Progressista – MP").

Nesse sentido, em que pese o nome constante na relação de fls. 148/155, a conta de origem não corresponde aquela prevista no inciso III do art. 6º da Resolução n. 23.432/14, na qual são creditadas doações ou contribuições de pessoas físicas ou jurídicas destinadas à constituição de fundos próprios; doações de pessoas físicas e jurídicas, inclusive outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais; e recursos decorrentes da alienação ou locação de bens e produtos próprios, comercialização de bens e produtos, ou realização de eventos.

Cabe ressaltar que, a despeito de a tabela de folha 152 registrar a conta bancária de origem da transferência como sendo fonte de “Outros Recursos”, trata-se, a toda clareza, da conta utilizada pelo partido para a movimentação de recursos destinados ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, inclusive daqueles advindos de saldo do Fundo Partidário, nos exatos termos do art. 6º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Portanto, verifica-se que, no atendimento do que prescreve o art. 9º da Lei n. 13.165/15, o órgão nacional do Partido Progressista decidiu distribuir o percentual mínimo estipulado da verba do Fundo Partidário, vinculada ao incentivo da participação política feminina, a partir da conta bancária específica, para um determinado número de candidatas, visando ao financiamento de suas campanhas.

A postura da agremiação partidária encontra amparo ainda no art. 16, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 16. […].

§ 4º No ano da eleição, a parcela do Fundo Partidário prevista no inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096/1995, relativa à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, pode ser integralmente destinada ao custeio de campanhas eleitorais de mulheres candidatas (Lei n. 9.096/1995, art. 44, § 7º).

Ao contrário do que afirma a recorrente, o dispositivo citado não confere margem de discricionariedade quanto à vinculação da receita à “promoção e difusão da participação política das mulheres”. A alternativa conferida pelo vocábulo “pode” diz respeito exclusivamente à opção de investimento integral daquela parcela do Fundo Partidário para o financiamento de campanhas de candidatas do sexo feminino, em detrimento de outras formas de incremento da atuação política da mulher.

Igualmente, não merece amparo a justificativa de que a candidata não conhecia a exata origem dos recursos e, por consequência, a impossibilidade de transferi-los a candidaturas masculinas.

Ora, a própria candidata, na manifestação de folhas 131-143, refere que os recibos de depósito encaminhados pelo diretório nacional de seu partido consignam a expressão “MULHER PROGRESSISTA PAGAMENTO DE ACORDO LEI N. 9096/95” (fl.136).

A circunstância deixa suficientemente claro que tais aportes financeiros tinham uma finalidade legal específica: financiar campanhas de mulheres.

Além disso, qualquer pessoa dotada de mínima atenção perceberia que não há sentido em uma candidata receber recursos da sigla partidária para, em seguida, repassá-los a outros candidatos. Se fosse hipótese de distribuição indistinta dos recursos, a agremiação assim o faria, sem necessidade de triangulação.

No mesmo sentido, em se tratando de recursos do Fundo Partidário, como a candidata anotou em sua prestação inicial – conforme documento de fl. 08 –, é razoável esperar que os beneficiários de verbas públicas tenham ciência de que estas sempre são destinadas a um propósito definido em lei ou, ao menos, que não comportam uma ampla margem de uso por seus destinatários.

Destarte, os elementos postos aos autos indicam que a candidata Jalusa efetuou gastos ilícitos aos repassar os recursos advindos do Fundo Partidário, com destinação legal específica, que deveriam financiar sua campanha, a outros candidatos.

Cumpre então perquirir se a conduta representa irregularidade sancionável em sede da prestação de contas eleitorais da candidata.

Quanto a esse aspecto, os arts. 20 e 24 da Lei das Eleições veiculam dispositivos que impõem aos candidatos o dever de utilizar os recursos do Fundo Partidário na forma estabelecida em lei. Vejamos:

Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei.

Assim sendo, citados preceitos legais insculpem deveres específicos a serem observados pelos candidatos, estabelecendo sua responsabilidade sobre as verbas utilizadas na campanha, cabendo estabelecer que a movimentação irregular das verbas destinadas ao financiamento de candidaturas femininas constitui violação a esses deveres.

Outrossim, a dicção do referido dispositivo autoriza a conclusão de que, tratando-se de aportes provenientes do Fundo Partidário, apenas as agremiações partidárias podem distribuí-los, não sendo possível a transferência desses valores de um candidato para outro.

Idêntica intelecção é extraída do art. 14 da Resolução TSE n. 23.463/15, a qual, igualmente, relaciona a possibilidade de repasse dos recursos do Fundo Partidário tão somente à ação das greis políticas. Reproduzo referida norma, sem grifos no original:

Art.14. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I - recursos próprios dos candidatos;

II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;

III - doações de outros partidos políticos e de outros candidatos;

IV - comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político;

V - recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem e que sejam provenientes:

a) do Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei n. 9.096/1995;

Com efeito, os candidatos podem doar entre si recursos próprios ou serviços estimáveis em dinheiro. No entanto, tratando-se de recursos provenientes do Fundo Partidário, o repasse deve ser feito exclusivamente pela agremiação partidária, de acordo com as finalidades legais dos recursos.

Em acréscimo, o art. 16, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15 condiciona que, caso o partido opte pela transferência de referida verba aos candidatos, o montante deve ser utilizado, necessariamente, para o custeio de campanhas eleitorais de mulheres candidatas.

Assim, o arcabouço normativo autoriza que desvirtuamentos como o verificado nestes autos, que transgridem o direcionamento de recursos financeiros às candidaturas femininas, sejam apurados no bojo das prestações de contas de campanha, pela Justiça Eleitoral, para, inclusive, e se for o caso, impedir que a conduta perniciosa torne-se regra no curso das campanhas eleitorais.

Por corolário lógico, é competente o juízo eleitoral de primeira instância para o processamento e julgamento inicial da espécie.

Com tais considerações, tenho que não encontra amparo a tese recursal de que os dispositivos aplicáveis ao tema não se prestam à aferição da regularidade das contas, e que o conhecimento da falha caberia ao TSE.

Voltando à análise do caso dos autos, registro que JALUSA movimentou, em campanha, um total de R$ 22.000,00, dos quais R$ 20.000,00 foram de recursos recebidos por transferência do Fundo Partidário, destinados ao financiamento de candidaturas femininas. Desse último montante, a candidata doou R$ 12.000,00 a candidatos homens que também disputavam cargos por ocasião do pleito.

Tomados estes dados, tem-se que os recursos do Fundo Partidário ilicitamente empregados alcançaram o índice de 60% do total de recursos transferidos pelo partido. Noutra perspectiva, a irregularidade envolveu cerca de 54% do somatório de recursos financeiros movimentados na campanha.

Desse modo, impende concluir que a falha foi substancial e guarnecida de relevância jurídica suficiente para implicar a desaprovação das contas.

Cabe anotar que tais fatos já foram objeto de enfrentamento por esta Corte, em julgamento de recurso em representação por captação ou gasto ilícito de recursos financeiros de campanha eleitoral, RE 339-86, de minha relatoria, na sessão de 05.9.2017. Nessa oportunidade, a Corte, por unanimidade, deu provimento ao apelo interposto pelo Ministério Público Eleitoral para, com fundamento no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, cassar os diplomas conferidos a Jalusa Fernandes de Souza e a Afrânio Vagner Vasconcelos da Vara.

Por pertinentes também ao julgamento das presentes contas, reproduzo as seguintes considerações tecidas em meu voto naquele feito:

No tocante às políticas públicas de incremento da participação feminina, cumpre à Justiça Eleitoral laborar no sentido de conferir maior efetividade possível aos regramentos que visam a sua implementação, sob o risco de torná-los letra morta.

Assim, constatado nestes autos a utilização irregular de recursos do Fundo Partidário destinados ao financiamento de candidaturas femininas, não há como prestigiar outra interpretação que não seja aquela que favoreça sua efetividade.

Nesse intuito, cumpre trazer aos autos parte da ementa constante do julgamento da Representação n. 32255, que teve como relator no Tribunal Superior Eleitoral o Min. Antonio Herman De Vasconcellos e Benjamin (Publicação: DJE, Tomo 53, Data 17.3.2017, Página 135-136) que bem delineia tal diretriz:

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. INSERÇÕES NACIONAIS. PRIMEIRO SEMESTRE DE 2016. PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD). TEMPO DESTINADO À PROMOÇÃO E À DIVULGAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA. INOBSERVÂNCIA. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO. PROPAGANDA SEGUINTE. REVERSÃO DO TEMPO CASSADO À JUSTIÇA ELEITORAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. ATENDIMENTO À FINALIDADE LEGAL.

[...]

3. O incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero (art. 5º, caput e I, da CF/88).

4. Apesar de, já em 1953, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), assegurar isonomia para exercício da capacidade eleitoral passiva, o que se vê na prática ainda é presença ínfima das mulheres na política, o que se confirma pelo 155º lugar do Brasil no ranking de representação feminina no parlamento, segundo a Inter-Parliamentary Union (IPU).

5. Referida estatística, deveras alarmante, retrata o conservadorismo da política brasileira, em total descompasso com população e eleitorado majoritariamente femininos, o que demanda rigorosa sanção às condutas que burlem a tutela mínima assegurada pelo Estado.

6. Cabe à Justiça Eleitoral, no papel de instituição essencial ao regime democrático, atuar como protagonista na mudança desse quadro, em que as mulheres são sub-representadas como eleitoras e líderes, de modo a eliminar quaisquer obstáculos que as impeçam de participar ativa e efetivamente da vida política.

7. As agremiações devem garantir todos os meios necessários para real e efetivo ingresso das mulheres na política, conferindo plena e genuína eficácia às normas que reservam número mínimo de vagas para candidaturas (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97) e asseguram espaço ao sexo feminino em propaganda (art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95). A criação de "estado de aparências" e a burla ao conjunto de dispositivos e regras que objetivam assegurar isonomia plena devem ser punidas, pronta e rigorosamente, pela Justiça Eleitoral.

8. Em síntese, a participação feminina nas eleições e vida partidária representa não apenas pressuposto de cunho formal, mas em verdade, garantia material oriunda, notadamente, dos arts. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, 45, IV, da Lei nº 9.096/95 e 5º, caput e I, da CF/88.

9. A mera participação feminina na propaganda partidária, desvinculada de qualquer contexto relacionado à inclusão das mulheres na política, não é suficiente para atender às finalidades legais. Precedente: AgR-REspe n° 155-12/MG, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 5.5.2016.

10. A ratio da lei é fazer a mulher reconhecer que é cidadã igual ao homem, com voz própria para defender seus direitos, e inseri-la na vida político-partidária, não se podendo substituir, ao talante dos partidos, as obrigações legais como se fosse uma prestação fungível.

11. A autonomia partidária contida no § 1º do art. 17 da CF/88 não significa soberania para desrespeitar, direta ou indiretamente, valores e princípios constitucionais: é imperativo que agremiações observem a cota de gênero não

somente em registro de candidaturas, mas também na propaganda e assegurando às mulheres todos os meios de suporte em âmbito intra ou extrapartidário, sob pena de se manter histórico e indesejável privilégio patriarcal e, assim, reforçar a nefasta segregação predominante na vida político-partidária brasileira.

[...]

14. Os percentuais previstos para inserção da mulher na política - 10% em programa partidário (art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95), 30% em registro de candidatura (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97) e 15% em financiamento de campanha (art. 9º da Lei n. 13.165/2015) - devem ser interpretados à luz do princípio da isonomia de gênero, nos termos do art. 5º, I, da CF/88, e constituem valores obrigatórios mínimos a serem garantidos pelas agremiações.

[...]

(Representação n. 32255, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 53, Data 17.3.2017, Página 135-136.)

 

Destarte, não merece reparos a sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de Jalusa Fernandes de Souza relativas ao pleito de 2016, inclusive quanto à determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores provenientes do Fundo Partidário indevidamente utilizados, nos termos do art. 72, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

 

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso interposto, mantendo integralmente a sentença que desaprovou as contas de Jalusa Fernandes de Souza e determinou a devolução do valor de R$ 12.000,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, Senhor Presidente.