RE - 20856 - Sessão: 13/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por LEONARDO TERRA KERCHINER (fls. 37-38) contra sentença do Juízo da 25ª Zona Eleitoral (fls. 29-30), que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 como candidato a vereador do Município de Jaguarão.

Em sua irresignação, o recorrente sustentou que houve um equívoco na interpretação, no sentido de que a lei exigiria o registro da doação estimável em dinheiro referente ao serviço jurídico para elaboração de prestação de contas. Afirma que não há má-fé ou eventual omissão de recursos arrecadados, mas falha formal, cujo valor sequer deveria ter sido incluído. Requereu a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso, com a determinação de transferência do valor de R$ 1.094,00 (mil e noventa e quatro reais) ao Tesouro Nacional (fls. 48-50v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada em 03.3.2017 (fl. 36), sexta-feira, e a peça recursal protocolizada em cartório no dia 08.3.2017 (fl. 37), quarta-feira, sendo, portanto, tempestivo o recurso.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Trata-se de irregularidade, na prestação de contas, do candidato ao cargo de vereador LEONARDO TERRA KERCHINER, referente às eleições municipais de 2016 em Jaguarão.

O parecer técnico de diligências (fl. 19), assim como o conclusivo (fl. 25), apontaram as seguintes irregularidades:

1 – DOAÇÕES ESTIMÁVEIS EM DINHEIRO

Referente às doações estimáveis em dinheiro, não foram apresentados todos os documentos previstos no art. 53 da Resolução TSE n. 23.463/15.

2 – RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS

Não foi esclarecida a natureza jurídica da receita estimável em dinheiro de serviços de advocacia, uma vez que apenas os serviços de consultoria jurídica e de contabilidade, prestados em favor das campanhas eleitorais, constituíam gastos eleitorais e deveriam ser registrados nas prestações de contas eleitorais, nos termos do art. 29, §1º da Resolução TSE n.º 23.463/15.

Os gastos com honorários advocatícios relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial, incluídos aí aqueles referentes à atuação exclusiva nas prestações de contas, não caracterizam como gastos eleitorais, portanto, não passíveis de contabilização em feitos dessa natureza (art. 29, § 1º-A da citada Resolução TSE).

Ao final, considerando o resultado da análise técnica empreendida na prestação de contas, manifesta-se este analista pela sua desaprovação.

O juízo de piso assim decidiu (fls. 29-30):

[...]

A prestação de contas entregue, devidamente assinada pelo candidato e seu contador, foi precariamente instruída, haja vista que não foi apresentada a documentação relativa a doação estimável em dinheiro recebida na campanha eleitoral, bem como outros itens solicitados no relatório de exame.

Nos termos do Parecer Técnico Conclusivo, restaram apontadas como inconsistências a não apresentação dos documentos relativos às doações estimáveis em dinheiro, assim como falta de esclarecimentos acerca da natureza dos serviços advocatícios recebidos.

O desatendimento aos quesitos supramencionados, cujo objetivo é proteger, principalmente, o eleitor, o cidadão, além das eleições - constitui irregularidade suficiente, por si só, a levar a desaprovação das contas, uma vez que não é possível conferir a regularidade de tais doações, o que fere o princípio da transparência.

Diante do caso em tela, há que se levar em conta que a gestão dos recursos destinados às campanhas e a respectiva prestação de contas estão intimamente ligadas à transparência e à própria legitimidade das eleições. Dessa forma, caracterizadas falhas que comprometem a regularidade das presentes contas eleitorais, faz-se necessária a sua desaprovação, nos termos do art. 68, inciso III, da Resolução TSE nº 23.463/15.

Constata-se do “Extrato da Prestação de Contas Final” (fl. 06) que o candidato declarou receitas no total de R$ 1.094,00, dos quais:

a) R$ 400,00, recursos próprios;

b) R$ 440,00, recursos de pessoas físicas; e,

c) R$ 254,00, recursos de partido político.

Verifica-se, ainda, que foram realizadas as seguintes despesas, no total de R$ 894,00:

a) R$ 640,00, serviços prestados por terceiros;

b) R$ 254,00, publicidade por materiais impressos.

A sobra, no valor de R$ 200,00, foi transferida, pelo candidato, em favor do partido político (recibo de transferência de fl. 09).

Analisando-se os extratos bancários (fls. 12-13), apenas o valor de R$ 400,00 refere-se a recursos arrecadados – em espécie – mediante depósitos em conta, sendo que o restante (R$ 440,00 e R$ 254,00) diz respeito, portanto, à doação ou  à cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro.

O valor estimável em dinheiro, na quantia de R$ 254,00 – recursos de partido político – está devidamente demonstrado por intermédio dos recibos emitidos (fls. 10 e 11) e das respectivas notas fiscais (fls. 10v. e 11v.).

A irregularidade apontada no parecer conclusivo e reconhecida pela sentença de piso cinge-se, portanto, ao valor de R$ 440,00 – estimável em dinheiro –, em razão da ausência de apresentação dos documentos comprobatórios exigidos no art. 53, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 53. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

I - documento fiscal ou, quando dispensado, comprovante emitido em nome do doador ou instrumento de doação, quando se tratar de doação de bens de propriedade do doador pessoa física em favor de candidato ou partido político;

II - instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

III - instrumento de prestação de serviços, quando se tratar de produto de serviço próprio ou atividades econômicas prestadas por pessoa física em favor de candidato ou partido político.

(Grifei.)

O recorrente afirma que o registro da referida doação, referente ao serviço jurídico para elaboração de prestação de contas, decorreu de equívoco na interpretação da legislação. Aduz, ainda, que não houve má-fé ou omissão de recursos arrecadados, mas falha formal, cujo valor sequer deveria ter sido incluído.

Assiste razão ao recorrente, senão vejamos:

A Resolução TSE n. 23.470/16 alterou o § 1º do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15, bem como acrescentou o § 1º-A ao citado dispositivo, que passou a viger com a seguinte redação:

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução:

[…]

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos;

[…]

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

A alteração promovida no art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15 decorre do julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 773-55, o qual entendeu que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha, consoante precedente assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 77355, Acórdão de 01.03.2016. Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE- Diário de justiça eletrônico, Data 28.4.2016, Página 53-54).

Desse modo, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que, tratando-se de contratação de advogado para atuação em processo judicial contencioso, referidas despesas não deveriam integrar a prestação de contas de campanha do candidato.

Nesse sentido, também é a jurisprudência deste Tribunal:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016. […]

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(TRE-RS. RE n. 248-46, relator Des. Carlos Cini Marchionatti, J. Sessão de 07.03.2017).

Por esse motivo, o registro equivocado, pelo candidato, na prestação de contas, da receita no valor de R$ 440,00 – na forma “estimável em dinheiro” – e respectiva despesa, referente a honorários em processo judicial, decorre de falha formal que não compromete a fiscalização das contas.

Relativamente ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 48-50v.), não é possível o reconhecimento das irregularidades ali apontadas, uma vez que não foram objeto de impugnação ou de manifestação do Ministério Público local (fl. 26 e v.), nem relacionadas nos relatórios de exame técnico (fls. 19 e 25). Desse modo, o eventual reconhecimento violaria os princípios do contraditório e da reformatio in pejus, haja vista tratar-se de recurso exclusivo do candidato.

Portanto, por essas circunstâncias, a reforma da sentença, para serem aprovadas as contas com ressalvas, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas apresentadas por LEONARDO TERRA KERCHINER, relativas às eleições municipais de 2016.