RE - 57857 - Sessão: 27/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DOUGLAS TRAMONTINI DEBOM, candidato ao cargo de vereador no Município de Charqueadas, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em vista da utilização em campanha de recursos próprios no valor de R$ 1.100,00, sem, porém, haver declarado patrimônio anterior quando do registro de candidatura, e da ausência de esclarecimentos quanto à despesa de R$ 200,00 junto à fornecedora Débora de Abreu Borba-ME (fls. 86-87v.).

Em suas razões, o candidato alega mero erro formal nas contas, uma vez que a nota fiscal relativa ao gasto questionado foi cancelada, não subsistindo a irregularidade. Afirma ainda que, embora não tenha declarado patrimônio por ocasião do registro de candidatura, é agente público estadual, auferindo renda compatível com os recursos despendidos em campanha. Junta documentos para embasar suas razões. Requer, ao final, a reforma da sentença para aprovar as contas (fls. 89-91).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela nulidade da sentença em razão da ausência de determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e pela não aceitação dos documentos juntados com o apelo, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 68-71v.).

Intimado para falar sobre a preliminar de nulidade trazida no parecer (fl. 73), o recorrente não se manifestou (fl. 77).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar: nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral lança manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que não foram observados os arts. 26 e 56 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determinam o recolhimento de recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

No entanto, em atenção ao art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”, a prefacial merece ser afastada, pois conforme adiante se verá, a conclusão é pela aprovação das contas.

Assim, afasto a prefacial.

Preliminar: não conhecimento dos novos documentos juntados com o recurso

Quanto à apresentação de documentos em sede recursal, importa conhecê-los. Como já reiterado em diversos precedentes desta Corte (RE n. 585-64.2016.6.21.0142, Rel. Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 22.8.2017; RE n. 374-70.2016.6.21.0128, Rel. Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 14.6.2017 e RE PC n. 282-92.2016.6.21.0128, Rel. o Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 16.5.2017), a apresentação de novos documentos com o recurso, nesta classe processual em especial, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas, sem a necessidade de diligências complementares.

O recebimento dos esclarecimentos visa, sobretudo, salvaguardar o “interesse público na transparência da contabilidade de campanha, aliada à ausência de prejuízo à célere tramitação das contas”, de forma que caracteriza formalismo excessivo a vedação de novos documentos em segundo grau, como salientado no corpo do voto do acórdão paradigma.

Dessa forma, por tratar-se de documentação simples, capaz de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, entendo cabível sua juntada com o recurso.

Mérito

Passando ao mérito, a sentença combatida decidiu pela desaprovação das contas por entender demonstradas duas irregularidades de natureza grave: a omissão de gasto eleitoral junto à fornecedora Debora de Abreu Borba-ME e a aplicação de valores próprios em montante superior ao patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, revelando indícios de recursos de origem não identificada.

No tocante ao primeiro apontamento, o relatório técnico conclusivo identificou a emissão de duas notas fiscais eletrônicas (ns. 179 e 180) pela empresa Debora de Abreu Borba-ME para o candidato, sendo que apenas o último documento foi registrado na contabilidade (fl. 82).

Nesta instância, o candidato sustenta que não houve omissão de despesas. Em realidade, a nota fiscal n. 179 foi cancelada e substituída pela de número subsequente.

A alegação é comprovada pela juntada de cópia do próprio documento fiscal sob controvérsia, contendo o devido termo de cancelamento (fl. 111), e da declaração emitida pela Administração Tributária do Município de Charqueadas, dando conta que a NFS-e n. 179 está cancelada e foi substituída pela NFS-e n. 180, esta última com situação ativa e válida (fl. 112).

Portanto, diante de tais esclarecimentos, não subsiste a aventada omissão de gastos eleitorais.

Quanto à falha remanescente, o juízo a quo entendeu que o candidato utilizou recursos próprios na campanha, mas, em seu registro de candidatura, declarou não possuir patrimônio, levantando suspeitas a respeito da efetiva origem dos valores e contrariando o disposto no art. 15 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 15. O candidato e os partidos políticos não podem utilizar, a título de recursos próprios, recursos que tenham sido obtidos mediante empréstimos pessoais que não tenham sido contratados em instituições financeiras ou equiparadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e, no caso de candidatos, que não estejam caucionados por bem que integre seu patrimônio no momento do registro de candidatura, ou que ultrapassem a capacidade de pagamento decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica.

Todavia, o recorrente justifica e demonstra a capacidade econômica pessoal para arcar com os recursos, pois é funcionário da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), como comprovam os documentos das fls. 114-124, percebendo remuneração líquida média superior a R$ 2.500,00.

Além disso, consta à folha 113 o recibo de entrega da declaração de ajuste anual do exercício de 2016, no qual se verifica que o candidato informou o auferimento de renda total de R$ 64.292,79 naquele ano.

Estando comprovada a capacidade decorrente dos rendimentos de sua atividade laboral, como exige o art. 15 supracitado, fica afastada a irregularidade inicialmente verificada, em consonância com os precedentes deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PRÓPRIOS EM MONTANTE SUPERIOR AOS DECLARADOS. ART. 15 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. DEPÓSITO SEM IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR. FALHA SANADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÃO 2016.

Viabilidade da apresentação de novos documentos com o recurso quando capazes de esclarecer de plano as falhas apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

Utilização de recursos próprios na campanha, e não declarados no registro de candidatura. Montante obtido por meio de verbas rescisórias e parcela do FGTS. A comprovação da capacidade econômica do prestador afasta a irregularidade. A apresentação de comprovante de depósito com o CPF do doador confirma a informação de que o recurso provém do próprio candidato. Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 56221, ACÓRDÃO de 16.8.2017, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 147, Data 18.8.2017, Página 5.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas. Candidata à vereadora. Eleições 2012.

Desaprovação no juízo originário.

Demonstrada a origem dos recursos próprios, através da juntada, em grau recursal, de documentação comprovando a percepção de valores provenientes de remuneração aptos a suportar o aporte de recursos próprios aplicados na campanha eleitoral.

Aprovação com resssalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 64962, ACÓRDÃO de 28.11.2013, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data 02.12.2013, Página 4.) (Grifei.)

Ainda que assim não se entendesse, o reduzido valor absoluto da irregularidade – R$ 1.100,00 – e a evidência de boa-fé do prestador permitem a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, em especial quando considerada como parâmetro a importância de R$ 1.064,10, que o próprio legislador elegeu como baliza para dispensar a contabilização de gasto realizado pelo eleitor em favor de candidato, nos termos do art. 27 da Lei 9.504/97.

Nesse sentido, trago precedente desta Corte:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Bens ou serviços estimáveis em dinheiro. Art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica. Doação em desconformidade com o citado regramento. Considerando o valor doado de pequena monta, e a possibilidade de identificação do doador, plausível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 15123, ACÓRDÃO de 11.5.2017, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 80, Data 15.5.2017, Página 4-5.)

Nesses termos, devidamente esclarecida a capacidade financeira do candidato e a fonte dos recursos aplicados na campanha, deve ser afastada a irregularidade em questão.

Por corolário, uma vez que a questão foi esclarecida nesta instância, com a documentação acostada ao recurso, afasta-se a conclusão pela existência de recursos de origem não identificada e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Destarte, não subsistindo nenhuma das falhas que embasaram o juízo de desaprovação, e não havendo outras a comprometer-lhes a regularidade e a confiabilidade, devem ser integralmente aprovadas as contas eleitorais.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto as preliminares e VOTO pelo provimento do recurso para aprovar as contas, com fulcro no art. 68, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15.