RE - 46760 - Sessão: 04/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por VALDIR CARLOS FABRIS e ADALBERTO JOÃO BASTIAN contra a sentença que desaprovou a prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Guaporé e determinou o recolhimento da quantia de R$ 28.000,00 ao Tesouro Nacional, em virtude das seguintes irregularidades: a) recebimento de doações por meio de depósito na conta bancária de campanha, de recursos financeiros que extrapolam o limite de R$ 1.064,10; e b) realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação ou cessão de veículos, caracterizando a omissão de receitas e de despesas (fls. 138-139v.).

Em suas razões (fls. 148-156), os recorrentes sustentam a ausência de prejuízo à lisura das contas, tendo em vista que os depósitos foram identificados com o nome completo dos doadores e as respectivas inscrições no CPF. Alegam a demonstração da capacidade financeira e da boa-fé dos doadores. Argumentam o excesso de formalismo da disposição prevista no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, relativa à exigência de transferência eletrônica entre contas para doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Aduzem que uma das doações impugnadas foi realizada por meio de depósito em cheque. Invocam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para o fim de afastar o erro verificado. Quanto à omissão de despesas e receitas, explicam que os gastos de combustíveis foram realizados com veículo de propriedade do vice-prefeito, motivo pelo qual deduzem a prescindibilidade da escrituração. Ao final, pleiteiam o afastamento da irregularidade e requerem a reforma da decisão e a aprovação das contas. Sucessivamente, postulam que os valores sejam devolvidos aos doadores, e não ao Tesouro Nacional, com fundamento na redação do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas foram desaprovadas em decorrência da verificação de irregularidades na arrecadação de recursos financeiros, consistentes na omissão de receitas e na inobservância da forma prevista no art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que assim dispõe: (Grifei.)

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

Na situação em apreço, a análise técnica observou que os candidatos receberam, mediante depósito em espécie, as quantias de R$ 5.000,00, em 26.8.2016, R$ 5.000,00, na data de 05.9.2016 e R$ 8.000,00, no dia 09.9.2016. Ainda, assinalou o depósito em cheque no montante de R$ 10.000,00 em 14.9.2016, não obstante a exigência normativa de aporte de recursos em valor superior a R$ 1.064,10 por meio de transferência eletrônica bancária.

Diante desse quadro fático, o Juízo a quo determinou o recolhimento do somatório calculado em R$ 28.000,00 ao Tesouro Nacional.

Com efeito, verifica-se que a cominação imposta pela decisão hostilizada se amolda ao disposto no § 3º, do art. 18, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual determina que as doações financeiras recebidas em desacordo com a forma descrita não sejam utilizadas pelos candidatos, mas sim restituídas ao doador ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26 do mesmo diploma.

Ocorre que, quanto ao depósito em cheque da quantia de R$ 10.000,00, em 14.9.2016, entendo que a cópia da cártula e do comprovante do depósito identificado, colacionados aos autos à fl. 41, elucidam, com a satisfatoriedade necessária, a origem do recurso, motivo pelo qual é pertinente afastar a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, uma vez atendida a finalidade perseguida pela disposição legal.

Registre-se que esta Corte vem sendo bastante tolerante quando o prestador de contas, malgrado não tenha seguido à risca os ditames legais e regulamentares, consegue demonstrar a origem imediata dos valores, circunstância que tem eximido os jurisdicionados do recolhimento ao erário.

Colaciono, quanto ao tema, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO E VICE. DOAÇÕES EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. CHEQUE. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. IDENTIFICADA ORIGEM DOS RECURSOS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminar. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo, quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

3. Realizado depósito de cheque, sem ter sido observada a determinação da transferência eletrônica, ultrapassando o limite legal previsto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. No entanto, demonstrada a compensação do cheque na mesma data em que foi efetuado o depósito, conforme sumário da conta-corrente pessoal do candidato principal, bem como identificado, por meio do CPF, o doador como sendo o próprio candidato. No caso concreto, a prova documental, tempestivamente apresentada pelo prestador, supre a exigência da transferência eletrônica, em razão de ter sido alcançada a finalidade da norma. Comprovada a origem lícita dos recursos e possibilitado o controle da movimentação financeira. Ausente prejuízo. Aprovação com ressalvas.

4. Provimento.

(TRE-RS - RE: 45251 VILA LÂNGARO - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 23.8.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 161, Data 08.9.2017, Página 3.)

Compulsando a escrituração, é possível verificar que, nos extratos bancários acostados nas fls. 08 a 10, há referência da inscrição do CPF dos doadores. No entanto, em relação às doações realizadas em espécie, tal documento, mesmo que acompanhado do comprovante de depósito, não torna possível a identificação da origem mediata da doação, porquanto alicerçado apenas em ato declaratório. Saliente-se que a demonstração da capacidade econômica para realizar a doação não se presta para atestar a origem do recurso, razão pela qual é despicienda a digressão no particular.

Nesse sentido, ressalte-se que a exigência normativa de realização de doação de campanha por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação.

No que concerne à alegação de ausência de má-fé, impende salientar que a boa-fé dos doadores não afasta o dever de observância pelos recorrentes das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas.

Outrossim, frise-se que o valor dos depósitos em espécie abrange 19,04% do somatório de recursos financeiros arrecadados (R$ 94.500,00). Assim, diante da substancial representação percentual da falha em relação ao total movimentado, denota-se a perfeita adequação da medida de recolhimento, em atendimento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ademais, inviável deferir o pedido de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional. De fato, além da importância ter sido utilizada integralmente na campanha, não foi possível identificar com exatidão a origem desses recursos.

Por fim, em relação à omissão na escrituração do registro de locação ou cessão de veículos, considerando a existência de realização de despesas com combustíveis, há que se observar que a formalização do registro contábil, mesmo se tratando de veículo pertencente ao próprio candidato, é providência necessária na prestação de contas, na dicção do art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 53. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

[...]

II - instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

A despeito da aparente formalidade da disposição normativa, é importante consignar que a exigência serve de relevante mecanismo de controle da escrituração, especialmente para a verificação da observância ao limite de gastos estabelecidos para campanha (art. 5º da Resolução TSE n. 23.463/15) e à restrição de doações estimáveis de bens do próprio doador, fixada em até R$ 80.000,00 (art. 21, § 2º, Resolução TSE n. 23.463/15), cujo descumprimento sujeita o infrator a sanções pecuniárias.

Por fim, ainda que se possa dispensar a comprovação das receitas na hipótese de cessão de veículo que não supere a quantia de R$ 4.000,00, não se pode olvidar a imprescindibilidade da escrituração desses recursos, nos termos do art. 55, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15, motivo pelo qual escorreita a decisão da nobre magistrada no sentido de considerar a irregularidade como omissão de receitas e despesas na campanha.

Logo, diante das falhas apontadas, não há como afastar o juízo pela desaprovação das contas, na forma do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, e a determinação de recolhimento dos valores recebidos por depósito em espécie ao Tesouro Nacional, no importe de R$ 18.000,00.

Nesse ponto, insta mencionar que, analisando detidamente os extratos que instruem a escrituração (fls. 08-10), observa-se que a quase totalidade dos recursos foi arrecadada de forma diversa da prevista no art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o que elevaria expressivamente a quantia a ser devolvida se o fato tivesse sido verificado pelo exame técnico das contas no primeiro grau. Entrementes, considerando o efeito translativo em extensão do recurso, deixo de pronunciar as irregularidades.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas e reduzindo a importância a ser recolhida ao Tesouro Nacional à quantia de R$ 18.000,00.