RE - 31048 - Sessão: 23/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 131-137) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 132ª Zona – Seberi, o qual julgou improcedente representação pela prática de captação e uso irregular de recursos financeiros (art. 30-A da Lei n. 9.504/97) por parte de CLEITON BONADIMAN (Prefeito de Seberi) e MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO (Vice-Prefeito de Seberi).

Nas razões, questiona a valoração dada pelo juízo de origem à prova colhida e se insurge contra a decisão absolutória, ao entender que os autos demonstram o ingresso de R$ 55.644,91 de forma irregular na campanha dos representados, equivalente a 83,23% do total gasto na campanha. Sustenta haver fundadas dúvidas quanto a origem do valor referido, de maneira que a conduta dos recorridos se amoldaria à perfeição ao disposto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, e demonstraria a má-fé objetiva por parte dos candidatos. Elabora considerações sobre aspectos da gravidade das condutas e, também, sobre a necessidade de lisura na competição eleitoral. Requer a reforma da sentença e o juízo de procedência, neste grau recursal

Com contrarrazões (fls. 139-148), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 151-157), que opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, interposto dentro do prazo de três dias, previsto no art. 30-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A demanda se funda no art. 30-A da Lei das Eleições, que possui o seguinte teor:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

De início, cumpre tecer algumas considerações sobre a matéria.

O art. 30-A da Lei n. 9.504/97 trata da captação e dos gastos ilícitos de recursos, ambos com finalidade eleitoral. Portanto, para a aplicação do art. 30-A, o ingresso e o dispêndio do recurso financeiro na campanha eleitoral há de ser realizado em desacordo ao disposto na Lei n. 9.504/97, especificamente no que concerne às regras reguladoras da arrecadação e dos gastos de recursos durante a campanha.

Nessa linha de ideias, a ilicitude poderá estar na forma de recebimento de recursos que seriam, em princípio, lícitos – por exemplo, valores que não tenham transitado pela conta obrigatória do candidato, consoante o art. 22, caput, da Lei n. 9.504/97, ou, ainda, no recebimento de recursos ilícitos em si mesmos, v.g., doação efetuada por concessionário ou permissionário de serviço público – fonte vedada, conforme o art. 24 do mesmo diploma.

O comando legal visa a evitar o desequilíbrio da disputa entre os candidatos. De modo reflexo, há o prestígio da transparência na arrecadação e nos gastos dos candidatos que participam do processo eleitoral com obediência das normas da Lei n. 9.504/97.

Nesse viés, tanto a doutrina aponta que o art. 30-A protege “a higidez das normas relativas à arrecadação e gastos eleitorais” e “a lisura da campanha eleitoral” (ZÍLIO, 2012, p. 567 e seg.) quanto a jurisprudência do TSE refere que o bem jurídico tutelado pelo art. 30-A é a moralidade das eleições (TSE, RO n. 1540, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 01.6.2009).

O referido julgado deixou assentado, ainda, que o juízo de procedência da representação por captação e gastos ilícitos de recursos deve ser pautado pelos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, pois “a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2° do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

A partir de então, a praxe de julgamento da Justiça Eleitoral – no que se refere ao sancionamento pela desobediência ao art. 30-A – tem passado invariavelmente pela realização de juízo de ponderação frente ao quadro fático/probatório. Tal raciocínio se presta, por vezes, para afastar a pena de cassação (TRE-RS, RE n. 254-30, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 02.8.2017; TRE-RS, RE 451-58, Relator Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 02.8.2017) e, noutras, para aplicar a reprimenda mais gravosa (TRE-RS, Rp n. 4-63, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado em 10.5.2011).

E há critérios para mensurar a gravidade da conduta.

A jurisprudência do TSE indica que para a aplicação da severa pena de cassação do registro ou diploma, devem estar evidenciados dois requisitos – a comprovação da arrecadação ou gasto ilícito, bem como a relevância da conduta praticada:

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE nº 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 274641, Acórdão de 18.9.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 199, Data 15.10.2012, Página 3.)

 

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO.

1. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição.

2. No caso dos autos, as omissões relativas a determinados gastos de campanha não possuem gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente, na medida em que no ficou comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois.

3. Recurso ordinário provido.

(RECURSO ORDINÁRIO n. 393-22.2011.6.04.0000/AM Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 01.08.2014.)

Ainda, a ponderação é de ser feita no momento do sancionamento da conduta, pois a caracterização da infração do art. 30-A independe de prova da lesão. E o TSE consolidou o entendimento de que é desnecessária a prova da potencialidade da conduta em influir no resultado do pleito, pois a exigência tornaria “inócua a previsão contida no art. 30-A, limitando-o a mais uma hipótese de abuso de poder”. Para a Corte Superior, “o bem jurídico tutelado pela norma revela que o que está em jogo é o princípio constitucional da moralidade (CF, art. 14, incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97”, sendo necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato, e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Ao caso concreto.

O juízo a quo entendeu por negar procedência à representação, fundamentalmente por entender que o fato ocorrido não possui relevância suficiente para a aplicação da cassação dos representados:

Transcrevo trecho da sentença (fl. 128):

Acrescento, em relação aos fatos, que os valores doados pelo então candidato a vice Marcelino perfazem o valor de R$ 25.365,50, estando comprovada pela emissão dos recibos eleitorais de nº 15 e 18, e a origem dos valores também esta perfeitamente comprovada pelos documentos de fls 103/105, e pelos extratos de fls 35/36, os quais dão conta da perfeita capacidade financeira do doador.

Ressalte-se que conforme os cheques de fls 103-105, os saques foram feitos por Odilon Sabino da Silva e por Marcelino Galvão Bueno Sobrinho. O primeiro, pessoa de extrema confiança do doador, já que como de conhecimento do Cartório Eleitoral, foi coordenador de campanha e administrador financeiro, e o segundo, além de ser de conhecimento da comunidade que estava trabalhando na campanha da chapa Cleiton e Marcelino, é filho do doador, motivo pelo qual não vislumbro nenhum tipo de ilegalidade nos depósitos, o que ocorreu, por certo, foi um erro contábil grosseiro.

Em sendo esses os fatos, analisados frente à norma legal, é indubitável que o depósito direto dos valores n a conta da campanha, sem a necessário transferência bancária entre contas está em desacordo com a Resolução do TSE que disciplina a forma de arrecadação de recursos para fins eleitorais. Todavia, entendo que a irregularidade não é suficiente para ensejar a cassação dos diplomas, pois o fato ocorrido não possui relevância suficiente para aplicar a grave medida.

Os fatos são os seguintes, considerando-se incontroverso (fl. 23) que Cleiton Bonadiman realizou, pessoalmente, quatro depósitos bancários em dinheiro, na conta de campanha eleitoral, nos valores de:

a) R$ 12.494,70 (doze mil quatrocentos e noventa e quatro reais com setenta centavos, em 12.9.2016; b) R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), em 10.10.2016; c) R$ 4.719,00 (quatro mil setecentos e dezenove reais), em 25.10.2016; d) R$ 9.565,71 (nove mil quinhentos e sessenta e cinco reais com setenta e um centavos), em 26.10.2016.

Os depósitos acima referidos totalizaram R$ 30.279,41 (trinta mil duzentos e setenta e nove reais com quarenta e um centavos).

Por seu turno, e de acordo com a prova dos autos, novamente à fl. 23, Marcelino Galvão Bueno Sobrinho realizou dois depósitos bancários:

a) R$ 23.865,50 (vinte e três mil oitocentos e sessenta e cinco reais com cinquenta centavos), em 25.10.2016; e b) R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em 27.10.2016.

Os depósitos de Marcelino somam R$ 25.365,50 (vinte e cinco mil trezentos e sessenta e cinco reais com cinquenta centavos).

O total depositado em dinheiro soma o valor de R$ 55.644,91 (cinquenta e cinco mil seiscentos e quarenta e quatro reais com noventa e um centavos).

Esse valor foi captado para a campanha de Cleiton e Marcelino. Conforme os recorridos, a quantia é oriunda de recursos próprios, dos patrimônios pessoais dos candidatos.

Conforme Zilio (Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 664):

Captar é atrair, conquistar, obter recursos. Em suma, a conduta de captação pressupõe o ingresso efetivo de recursos materiais no âmbito da campanha eleitoral. Assim, o mero pedido de recurso, a oferta do crédito ou a promessa de doação futura não configuram o elemento normativo do tipo. A captação pressupõe o ingresso do recurso financeiro no caixa de campanha; portanto, é um ato de conduta material. Não basta o aporte financeiro para a consumação da figura normativa do art. 30-A da LE, pois é proscrito o ilegal ingresso de recurso financeiro na campanha eleitoral. De conseguinte, o recurso financeiro deve ser necessariamente ilícito para a configuração do tipo previsto no art. 30-A da LE. Somente o efetivo aporte ilegal de recursos financeiros na campanha eleitoral é que configura o ilícito. (Grifei.)

Como já indicado, a captação ilícita de recursos pode se dar sob dois caminhos: o primeiro, a figura conhecida do “caixa dois”, qual seja, a movimentação financeira estranha à prestação de contas, aqueles valores que, utilizados na campanha eleitoral, não foram devidamente indicados pelo partido, coligação ou candidato. Essa a figura clássica do art. 30-A e, uma vez comprovada a prática, é suficiente para a incidência da norma.

A segunda via da prática reprimida pelo art. 30-A é daquele recurso que, devidamente declarado na prestação de contas, tem sua origem ilícita. Neste caso, contudo, há a necessidade de prova da origem ilegal do valor, não bastando a presunção de que ele, por possuir origem desconhecida, ou não comprovada, venha carregado de ilicitude na obtenção.

E, de fato, as origens dos valores depositados por Cleiton e Marcelino não possuem origem conhecida; foram depositados fisicamente, quando na realidade deviam ter sido objeto de transferência bancária, conforme a legislação de regência. Nesse contexto, muito provavelmente a situação vá impactar na prestação de contas da candidatura por eles veiculada.

Contudo, para a análise sob a ótica do art. 30-A, o patamar probatório para uma condenação não foi alcançado, pois os valores constam na prestação de contas da candidatura, ou seja, não há como se concluir, ao menos nos autos, que tenha havido a prática de “caixa dois” – manejo de valores à margem da conta de campanha eleitoral –, e tampouco resta comprovada a origem ilícita dos recursos – houve maneira irregular de depósito, circunstância que não demonstra, em si mesma, a gênese ilícita dos recursos alegada pelo Ministério Público Eleitoral.

É que aqui, na representação com suporte no art. 30-A, a prova da origem ilícita dos recursos cabe a quem alega, viés de ônus probatório diverso dos processos de prestações de contas, feitos nos quais, para receber a aprovação, devem os candidatos comprovar, minudentemente, a origem de todo e qualquer valor que envolva a respectiva campanha eleitoral.

Há, é certo, a prova de uma irregularidade de cunho contábil, o modo pelo qual houve o depósito, e no respectivo processo de prestação de contas tal situação será levada em consideração; contudo, aqui, a circunstância não tem relevância jurídica que comprometa a moralidade da eleição – até mesmo porque foram os próprios candidatos a depositarem, ainda que de forma irregular, os valores envolvidos, o que enfraquece, e muito, a tese de má-fé objetiva esgrimida nas razões recursais.

Portanto, o que se extrai dos autos (em que pese o cuidadoso recurso) é a ausência de consistência probatória no relativo à ilicitude na arrecadação, absolutamente necessária para suportar um juízo condenatório, mormente se consideradas duas circunstâncias: a primeira, a natural primazia de legitimidade que é inerente ao resultado das urnas e, a segunda, a gravidade da pena de cassação de diploma. Somente uma estrutura de prova robusta seria capaz de romper tais situações, o que não é o caso.

Nessa linha, a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. AIJE. ART. 30-A DA LEI N° 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. REVOLVIMENTO. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO. PRECLUSÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Conforme dicção do art. 138, § 1 0, do CPC, impedimento de magistrado deve ser suscitado em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que couber à parte interessada falar nos autos, o que não se verificou na espécie. Ocorrência de preclusão. 

2. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 

3. No caso, a Corte Regional assentou a inocorrência de abuso de poder e captação ou gastos ilícitos de campanha, não sendo possível extrair do quadro fático delineado na origem, elementos hábeis a subsidiar conclusão em sentido diverso. Incidem as restrições das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF. 4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AI n. 1588-72-SP. Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO. Unânime, julgado em 27.5.2014). (Grifei.)

Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso.